quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O interrogatório Policiáu

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O gabinete que Marcos Tupinambá compartilhava com dois outros colegas, o Nelson Suruma e o Chico “Cara de Pau” Gonçalves, já seria pequeno só para um, quanto mais para três.
A sorte é que os outros dois pouco aqueciam o lugar.

O “Cara de Pau” como o próprio nome indicava ( numa “tradução” livre, “cara de pau” significa pessoa sem vergonha na cara) passava as noites na vadiagem, em putedos, salas clandestinas de jogo e ensaios de escola de samba, onde vendia uma pretensa segurança, que nada mais era do que uma chantagem disfarçada, para que tudo continuasse a rolar sem problemas.
De dia, aparecia tarde e a más horas, sempre com a desculpa de um caso difícil, noite adentro, mas como era o fornecedor das piranhas, cada vez mais novas, para o Dr. Seabra, este trazia-o nas palminhas.
Já o Nelson Suruma especializara-se no Jogo do Bicho, e sob o pretexto de controlar os bicheiros e as ligações destes, mais do que evidentes, ao mundo da droga, fazia diariamente uma ronda pelos pontos do Bicho, recolhendo a percentagem, à muito estabelecida, que lhe permitia ter um belo apartamento na Lagoa e os filhos universitários a estudar no exterior.
Para quem não conheça, o jogo do bicho é uma espécie de lotaria popular em que cada animal corresponde a uma terminação da lotaria oficial.
Por exemplo, o 24 é o Veado, e como este é o nome dado aos “bichinhas”, é usual estes serem apelidados, também, de 24.
Já os pontos de bicho são os locais onde os representantes do bicheiro, sempre uma figura importante no mundo do Crime, do Futebol ou do Carnaval, recebem as apostas e escrevem os números escolhidos, num simples bocado de papel que vale mais do que um contrato feito em tabelião.

Mas, voltemos às soturnas e acanhadas instalações da Praça Nossa Senhora da Paz, onde nos Serviços de Combate à Droga e Crime Organizado, Marcos iniciava, agora, o interrogatório a Paco Chavez, enquanto o irmão Pepe, aguardava no minúsculo vestíbulo acompanhado por dois agentes.
“ Então me diga o que está fazendo por cá, “senhor” Chavez?”
Marcos, recostado na cadeira, olhou sorridente para o venezuelano,
que parecia prestes a fuzilá-lo,
lançando zagaias pelos olhos congestionados.
Perante o silêncio pesado de Paco, Marcos insistiu:
“ Turismo? Negócios…e que tipo de negócios?
“ No comprendo, no hablo português. Quiero llamar a mi abogado!”
foi a única resposta que obteve.
“Advogado? Mas para quê? O senhor e o seu irmão foram detidos apenas porque foram detectadas anomalias nos vossos passaportes” mantendo um ar simpático, Marcos lutava para contrariar a vontade que tinha de esfregar a cara daquele porco, no tampo da secretária.

Nesse momento, de rompante, a porta do gabinete abriu-se e o Dr. Seabra, o chefe dos Serviços, entrou a vociferar:
“ Desta vez, você foi longe de mais. Vou fazer com que seja transferido para Amapá…
…Onde já se viu estar incomodando, assim, visitantes ilustres?”
E, dizendo isto, sorria melífluo para o estupefacto “visitante”…

3 comentários:

  1. Mais do que a "estória" que usa e abusa, penso eu "de que" intencionalmente, dos chavões do género ( detective medíocre, secretária, cliente rica, infeliz e boazona, etc, etc)o que me agrada mais nestes"Crimes" é a descrição dos ambientes, principalmente no Rio.
    Dos moteis às praias, de Santa Teresa ao interior de uma delegacia, já tivemos de tudo...
    De tudo? O que estará ainda para aparecer?

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  2. Mas esses chavões,e estou de acordo que o são, PG, fazem parte da descrição dos personagens. Em muitos dos episódios é como se estivesse a ver um filme e não a ler.

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  3. Já li algures uma referência do autor ou do galo, não sei bem, de que se pretendia transmitir uma estética de folhetim, falando-se até no Pulp Fiction, por isso os estereotipos são, penso eu, perfeitamente intencionais e assumidos.
    Mas, muito melhor que eu, o galo poderá esclarecer-nos, não é?

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