sexta-feira, 5 de junho de 2009

Joaquim

Joaquim era o mais novo de cinco irmãos.
O pai costumava dizer que quando nasceu já vinha a saber o que queria da vida.
Como se tivesse percebido, ao olhar para a família que o esperava, que não era aquilo que queria para si.
Os pais eram camponeses com umas territas numa aldeia perdida da Beira Alta.
Com caras marcadas e corpos maltratados eram, mesmo assim, bonitos.
Sobretudo o pai, louro de olho azul numa pele queimada pelo sol. Era o tipo de pessoa que se encontrava muito por aquelas bandas, arraçados de franceses dizia-se, do tempo das invasões.
Joaquim soube pelos irmãos que quando chegasse à 4ª classe teria de trabalhar no campo.
E isso ele não queria, mas foi o que aconteceu.
Mal terminou a escola e por mais que a professora dissesse aos pais que tinham ali uma criança que podia ir longe, não houve nada a fazer.
Mesmo que um sacrifício maior pagasse o avanço dos estudos, isso era qualquer coisa que não estava no espírito dos pais.
Quantos mais braços na terra, melhor e era aquele o destino.
Mas um dia, a visita de uns padrinhos de Viseu revolveu a situação.
Deram-se conta do diamante em bruto que Joaquim era, viram nele o filho que não tiveram e levaram-no para a cidade, onde continuou os estudos.
Fascinado pelo conforto de uma casa urbana e pela oportunidade de continuar a aprender, os primeiros anos foram uma espécie de sonho tornado realidade.
Mas rapidamente a intranquilidade começou a apoderar-se de Joaquim.
Sentia-se apertado na vida e continuava a sonhar com um horizonte que desconhecia.
Ouvia falar de pessoas que saíam do país em busca de outra vida e aos poucos a ideia foi tomando conta dele.
Desenhava planos, contava o que conseguia economizar do dinheiro que os padrinhos lhe iam dando e sobretudo via-se um homem diferente.
A segurança da vida que tinha não lhe interessava, incomodava-o.
E foi assim que rumou a França, a salto.
Nem sentiu a dureza dos primeiros tempos, a estranheza da língua, a falta dos amigos e da família, a fome.
Só sabia que estava no caminho que tinha traçado.
Conseguiu um emprego num restaurante, clandestino ainda sem papéis.
Lavava tachos e também contentores do lixo no turno da noite.
Quando conseguiu a legalização, ofereceram-lhe o turno de dia mas não aceitou.
Foi admitido como vigilante numa grande empresa de segurança.
Recomeçou a estudar e conseguiu completar o secundário.
Passado muito pouco tempo já coordenava uma equipa de vigilantes numa grande instituição.
Conheceu aquela que viria a ser sua mulher, portuguesa também.
Por lá casou e com o nascimento do primeiro filho quis voltar.
A empresa de segurança não o quis perder e ele conseguiu ser transferido para um lugar equivalente em Portugal.
Era agora director dessa mesma empresa e apresentava-se no seu fato impecável e bom corte de cabelo.
Apenas os dentes, desalinhados e amarelos, em conjunto com a pronúncia beirã denunciavam a sua origem quando afirmava, como se o tivesse descoberto naquele momento:
“Sabe, nunca pensei vir a trabalhar com altos níveis de segurança.
Eu que sempre apostei na insegurança”.

Pinta

6 comentários:

  1. A Pinta menos cosmopolita e superficial e a entrar em personagens mais reais.
    Os meus parabéns, e siga essa linha.

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  2. Mais uma vez a Pinta mostra que é uma "Mestra"na descrição de ambientes.

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  3. Gostei do Joaquim, mas ainda gosto mais de "jaquinzinhos"...
    Que a Quimera me perdoe a alavardice.

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  4. A Quimera é outra autora de várias caras, o que é bom.

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  5. Embora tenha gostado muito do conto, este possidónio do Joaquim está a dar-me a ribalta porquê? A Quimera de Ouro e as Luzes da Ribalta são dois filmes diferentes!

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