segunda-feira, 8 de junho de 2009

O dia em que o Zoo de Lisboa me considerou "persona non grata"

A ordem chegou com um mote para o título: «O dia em que...». Depois, explicava-me o chefe de redacção, mencionas um caso, quanto possível desconhecido, na vida do Jardim Zoológico.

Dessa forma criativa e original pretendia o meu chefe Artur Inez assinalar uma efeméride do Zoo de Lisboa. Uma efeméride com significado semelhante ao dos 125 anos que o Jardim está neste momento a celebrar.
O jovem repórter que eu era, pressuroso no cumprimento da missão, nessa mesma tarde bateu à porta da direcção do Zoo a pedir colaboração para o bom desempenho da tarefa jornalística. Não ia de mãos a abanar. O título (enfim, meio-título) estava feito: «O dia em que...»
O acolhimento não podia ser melhor. Na manhã seguinte realizar-se-ia uma reunião informal com a participação de elementos directivos e antigos funcionários que tentariam recordar-se de histórias interessantes da vida do Zoo. Aguçaram-me o apetite: o meu embaraço seria eleger um episódio entre tantos.
Comprovei-o durante uma longa parada de casos fantásticos, risíveis, um ou outro não tanto, como a da cruenta cena de um homem boçal e decerto bêbedo que, depois de merendar (havia um local aprazível para esse efeito) atirou um garrafão de vidro para a boca escancarada do hipopótamo. Mas os acontecimentos eram em geral divertidos, alguns tão extraordinários que se me insinuava a impressão de ao conto ter sido acrescentado um ponto... e outro... e outro. Em evidência, no cartel dos protagonistas, o lendário elefante Benjamim, um casal de ursos que batia palmas aos espectadores, os inevitáveis macacos. Certa vez gerou alvoroço em toda a área de São Sebastião da Pedreira a fuga colectiva das araras.
A propósito de fugas...
Foi um antigo tratador quem lembrou, entusiasmado:
– Houve aquele caso do leopardo... Já não foi no nosso tempo, mas deu que falar...
Fez-se silêncio. Relanceei, intrigado, os presentes. Silêncio.
– O leopardo...? – interroguei, encorajando o tratador a prosseguir.
E ele, caindo em si, descobrindo que tinha falado de mais, evasivo, contrito como um menino apanhado em falta:
– Não sei bem. Foi há muito, muito tempo, se calhar nenhum de nós era ainda nascido...

Voltei-me para os funcionários superiores:
– Que história é essa do leopardo?
Por fim, um deles comentou:
– Nem se sabe ao certo se aconteceu. Diz-se que, poucos anos depois da inauguração do Zoo, um leopardo fugiu e andou à solta em Lisboa.
O boato causou enorme prejuízo ao Jardim. Durante muito tempo as pessoas não vieram cá com receio de encontrarem por aí feras a espairecer fora das jaulas.
Essa é uma história sem interesse. Os boatos, com o tempo, vão tornando-se factos.
Fiz nova tentativa, fracassada. Compreendi não me ser possível abrir a redoma de silêncio em que se tinham fechado.
Logo a seguir, porém, reavivou-se a avalancha de episódios divertidos.
A simples evocação de um hipotético caso ocorrido décadas antes continuava a causar o temor da deserção dos visitantes.
A mais indesejável das notícias para a direcção de um Jardim Zoológico será a de que uma fera se evadiu. Tendo mesmo acontecido (há um ou cem anos, parece indiferente) o mais provável, pensará o visitante, é voltar a acontecer, e vaticinará – com altíssima certeza – que a infausta ocorrência coincidirá com o dia planeado para a visita...
Num ápice todos os relatos se me afiguraram historietas para pequerruchos. Eu tinha filado um leopardo, salvo seja, e não o deixaria fugir enquanto a história permanecesse inexplorada. O meio-título «O dia em que...» desfraldava-se por inteiro, vigoroso, magnífico: «O dia em que um leopardo andou à solta em Lisboa».
Mas... Teria de provar tratar-se de um caso real.

A crónica vai longa, o emocionante epílogo fica para amanhã, no mesmo local, a qualquer hora.





Pedro Foyos
Jornalista


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