O clássico "garganta funda". No "caso do leopardo que andou à solta em Lisboa" o acesso ao "tesouro" teria de passar pelo conhecimento da data do episódio, fosse ele factual ou fantasiado.
Primeiro passo em terreno firme dei-o quando o meu informador me adiantou que o "caso do leopardo" se passara efectivamente no início do século, provavelmente em 1905.
Corri para a Biblioteca Nacional, que ao tempo funcionava na área do Chiado, e ao cabo de três horas resisti com dificuldade a profanar aquele templo da leitura com um grito de vitória.
O "caso do leopardo" não era nenhum boato, como se pretendia.
Acontecera de facto. Confirmado e reconfirmado em três diários lisboetas.
Eis: um leopardo de grande porte conseguiu destelhar a jaula onde fora colocado, saiu para as ruas do parque e depois, assustado com o alarido entretanto produzido por empregados e visitantes, galgou as muralhas do recinto e viu-se senhor da grande cidade.
Livre. O infinito franqueado aos seus olhos espantados, sem varões de ferro a interceptarem-lhe o ar fresco da mãe-natura.
Durante mais de uma hora percorreu, em digressão de turista estugado, o território vasto e estranho, até que uma força da Guarda Municipal, com dezena e meia de soldados «comandados pelo sargento Pereira», tentou cortar-lhe o passo.
Foram disparados tiros que feriram o animal, obrigaram-no a fugir, minutos depois caía à entrada do túnel das Águas Boas.
Um soldado da 3ª companhia, ao ver o leopardo imóvel, acercou-se mais, julgando-o morto; todavia, a fera ergueu-se de súbito e saltou sobre ele, apesar de o militar lhe disparar ainda um tiro que a atingiu.
O repórter do matutino faz ressoar os lances sequentes: «Deu-se, então, uma cena terrível.
O leopardo agarrou o soldado, feriu-o no rosto e derrubou-o.
Diante de semelhante desgraça os soldados atiraram de novo, numa confusão medonha, e feriram o camarada.»
Saldou-se o confronto por um morto (o leopardo) e um ferido grave (o soldado).
Recolhi com minúcia toda a documentação relativa ao suposto "boato" do leopardo fugitivo e transmiti-a à direcção do Zoo, participando, polidamente, com honestidade, que outra não poderia ser a história a publicar.
Reacção gélida, como previa. O meu interlocutor ficou irritadíssimo, ou, melhor, para não sair do campo zoológico: pior que uma barata.
Saldou-se o confronto por um morto (o leopardo) e um ferido grave (o soldado).
Recolhi com minúcia toda a documentação relativa ao suposto "boato" do leopardo fugitivo e transmiti-a à direcção do Zoo, participando, polidamente, com honestidade, que outra não poderia ser a história a publicar.
Reacção gélida, como previa. O meu interlocutor ficou irritadíssimo, ou, melhor, para não sair do campo zoológico: pior que uma barata.
E senti que a partir daquele momento era "persona non grata" no Jardim Zoológico.
A reportagem com o sonante título "O dia em que um leopardo andou à solta em Lisboa" teve assinalável êxito, tanto que fui presenteado com uma gravura do género "o fotógrafo estava lá". A impressiva ilustração seria mais tarde incluída no meu livro "O Jornal do Dia", para o qual recuperei igualmente o pitoresco remate de uma das notícias da época:
«O soldado ferido foi conduzido num carro eléctrico para o hospital de São José, onde ficou internado em estado considerado grave.
A reportagem com o sonante título "O dia em que um leopardo andou à solta em Lisboa" teve assinalável êxito, tanto que fui presenteado com uma gravura do género "o fotógrafo estava lá". A impressiva ilustração seria mais tarde incluída no meu livro "O Jornal do Dia", para o qual recuperei igualmente o pitoresco remate de uma das notícias da época:
«O soldado ferido foi conduzido num carro eléctrico para o hospital de São José, onde ficou internado em estado considerado grave.
O leopardo havia sido oferecido pelo sr. João de Azevedo Coutinho a Sua Magestade El-Rei, que por sua vez o ofereceu ao Jardim Zoológico.»
Durante muitos anos não voltei ao Zoo de Lisboa.
Durante muitos anos não voltei ao Zoo de Lisboa.
Regressei um dia, tempo mais recente, também em serviço.
Um dia longo, doze horas consecutivas, para acompanhar um número de escapismo do mágico Luís de Matos realizado sobre o Solar dos Leões, que reportei extensamente em duas edições do "Diário de Notícias".
A aventura ilusionística teve percalços, o mágico sofreu um acidente quando se encontrava suspenso pelos pés, por cima dos leões, numa corda a arder (uma peça de metal incandescente atingiu-o nas costas), os ensaios e filmagens iniciados a meio da tarde só terminaram madrugada alta, quase manhã.
Confidencio-vos: ao circular nessa ocasião por entre numerosos funcionários do Jardim, temi ser reconhecido: «Então? O senhor outra vez por aqui?!». Mas não. Muitos anos tinham passado sobre o "caso do leopardo". O assunto desvanecera-se por completo. Quando muito persistiria na memória do mais velho dos elefantes.
Pedro Foyos
Confidencio-vos: ao circular nessa ocasião por entre numerosos funcionários do Jardim, temi ser reconhecido: «Então? O senhor outra vez por aqui?!». Mas não. Muitos anos tinham passado sobre o "caso do leopardo". O assunto desvanecera-se por completo. Quando muito persistiria na memória do mais velho dos elefantes.
Pedro Foyos
Jornalista
(Nota: a gravura que recria a cena crucial da fuga do leopardo
(Nota: a gravura que recria a cena crucial da fuga do leopardo
está protegida por direitos patrimoniais,
não sendo autorizada a sua reprodução por qualquer meio).
Gostei bastante desta história de que nunca tinha ouvido nem rumores.
ResponderExcluirMas isto encaixava numas "Memórias de Jornalista" de que ouvi falar, ou estaria a sonhar ?
Para quando ?
Interessante história...Este tipo de factos, que, a maioria de nós certamente desconhece, tinham todo o interesse em ser divulgados.
ResponderExcluir