O escritor e poeta cabo-verdiano Arménio Vieira, que ganhou, ontem o Prémio Camões/2009, mostrou-se surpreendido com a distinção e afirmou que, com o dinheiro que vai receber, "talvez compre uma bicicleta"
Numa entrevista à Agência Lusa,ainda pouco à vontade em lidar com o sucesso, disse que nem sabe como o júri lhe atribuiu o prémio, já que, no Brasil, é "quase desconhecido".
"Eu sou pouco lido. Em Cabo Verde quase nada. Lá fora um pouco mais, mas, no Brasil, sou desconhecido e nem sei como o prémio veio para Cabo Verde, para o Arménio, porque Cabo Verde é maior que o Arménio, claro", explicou.
Sobre o destino que vai dar aos cem mil euros do prémio, Arménio Vieira , afirmou desconhecer quando será entregue.
"Não quero falar disso, não o tenho ainda. O prémio é entregue daqui a um ano, mas se calhar vou ter pela primeira vez na vida uma bicicleta, porque nunca tive uma bicicleta", brincou, ironizando que o "ovo (dinheiro do prémio) está ainda dentro da galinha".
Para quem não conhecer a sua poesia, o que era o nosso caso,
o "Galo" deixa aqui dois dos seus poemas :
Quiproquó
Há uma torneira sempre a dar horas
há um relógio a pingar no lavabos
há um candelabro que morde na isca
há um descalabro de peixe no tecto.
Há um boticário pronto para a guerra
há um soldado vendendo remédios
há um veneno (tão mau) que não mata
há um antídoto para o suicído de um poeta.
Senhor, Senhor, que digo eu (?)
que ando vestido pelo avesso
e furto chapéu e roubo sapatos
e sigo descalço e vou descoberto...
Derivações
Heliofante: filho de um deus
chamado Sol. Gosta do arco-íris
e do girassol. Quando fode,
é por foder. Nunca come.
Para quê? Basta um raio
para lhe carregar a pilha.
Helifante: tem um hélice na cauda,
e caso quisesse poderia voar.
Mas não. Cada um é o que é:
o condor sente-se feliz lá em cima,
porém o sapo coaxa contente no charco..
Leofante: tem o seu quê de leão,
mas não quer ser rei. Às vezes
sente raiva e um nó na garganta.
Porém controla-se e vai embora..
Olifante: tem chifres enormes,
mas é mole de pila. Dão-lhe
com os pés as damas, mas ele
não se zanga, pois sabe
que o amor para durar
só pode ser o amor
de que falava Platão..
Polifonte: não tem pátria, por opção.
Tanto se lhe dá que faça sol
ou caia neve, nada o aquece
ou arrefece. Até gosta de Pasárgada,
que, entre outras coisas,
é o melhor sítio do mundo
para se andar de burro..
Plurifante, Mitofante, Necrofante,
Ornifante, Putifante, Androfante,
Fenolofante e assim por diante.
Elefante não, porque já existe.
quarta-feira, 3 de junho de 2009
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Dar um Prémio destes a um Poeta quase desconhecido e de um País tão pequeno com Cabo Verde, perdido algures no Continente mais isolad culturalmente,e não só,de todos,parece querer significar,felizmente, que nem tudo se move à volta das capelinhas,das modas e dos críticos amigos dos amigos.
ResponderExcluirAlém disso,a Poesia de Arménio Vieira não segue modismos,não é concreta,nem discreta.
É algo de sensual,de vivido,com graça, sentidos e sensações.
Mas também com arranhões,nódoas negras e pés sujos.
Vieira, como Pessoa a quem já o compararam,fala,escreve ou poetisa de uma maneira que qualquer um percebe e sente, embora cada qual de uma maneira e intensidade diferentes.
Habemos Poeta...
Eu também acho extraordinário esta atribuição a um autor que diz que quase não é lido.
ResponderExcluirNão será snobismo de sinal contrário '