Sentada na areia bem junto às pequenas ondas que quase silenciosamente iam rebentando numa cadencia com algo de matemático, Erica alinhava os seus pensamentos em torno de memórias recentes enquanto o marido ficara em casa entretido com o seu telescópio de alcance inimaginável mas que a ela não despertava o mínimo interesse.
Aquela praia era para ela um refugio onde durante a Primavera apenas tinha como companhia bandos de gaivotas e nas águas do mar uns tantos roazes corvineiros que a pequenada, em grande alegria sempre que os via, ia chamando de golfinhos.
A umas poucas centenas de metros, a sua casa de estilo indecifrável que adquirira havia meia dúzia de anos , entusiasmada pelo marido , Josua de seu nome.
Era uma casa que embora a cerca de 50 quilómetros da fábrica de electrónica onde ambos trabalhavam, servia perfeitamente para também ali passarem as suas férias.
Tinham por hábito acordar ao som de um despertador que às seis tocava estridentemente dando assim inicio a um ritual bem oleado e que lhes permitia saírem por volta das sete horas para um dia de trabalho que terminava pelas dezassete horas.
Erica como assistente da Administração, Josua como responsável pela segurança das instalações chefiando seis elementos devidamente preparados para garantir a reserva de acessos a certas áreas da unidade industrial onde se fazia a pesquisa e desenvolvimento de produtos destinados à industrial espacial e para acorrer se rompesse algum foco de incêndio na linha de montagem dos circuitos electrónicos.
No grande edifício que era o hangar, permanecia estacionado um estranho veiculo de forma semelhante a um ovo mas com cerca de cem metros de diâmetro e talvez vinte cinco de altura. Era a zona mais vigiada e com maiores restrições de acesso, a tal ponto que a Erica nunca ali tinha entrado e nem Josua lhe tinha explicado o que ali se passava.
Naquele dia e olhando as gaivotas, perguntava a si própria como era possível continuar a viver naquele monotonia e sempre cumprindo os mesmos rituais acompanhando o marido, bom homem sem duvida, trabalhador e honesto mas pouco dado a arriscar por outros caminhos.
Sonhava com viagens, sonhava em sair por esse mundo, sonhava em conhecer novos povos, outras civilizações, sonhava com qualquer tipo de aventuras que a levassem a quebrar a rotina.
O fim de semana estava no fim e na segunda feira tudo recomeçaria inevitavelmente, da mesma forma de sempre.
Porém acabou por interiorizar uma decisão. Algo teria de mudar.
Não sabia o quê nem como.
Chegados à empresa após arrumarem o carro, Erica ao invés de caminhar para o seu amplo gabinete e sem que Josua de tal se apercebesse , dirigiu-se directamente para o hangar dizendo ao segurança de serviço que bem a conhecia para ir ter com o marido ao parque de estacionamento porque ali havia um problema muito grave.
Entrou .
O espanto de ver aquele aparelho tão estranho não a coibiu de avançar até uma pequena escotilha que ela abriu rodando um manipulo de diminuta dimensão.
Subiu dois degraus e fechou-se lá dentro.
O interior recheado de cabos , monitores e dezenas de instrumentos, alguns que conhecia pois eram produzidos na empresa mas outros que deveriam proceder de outros fabricantes, alinhavam-se dos lados de um corredor central que terminava numa estreita cabine algo semelhante ás que ela conhecia nos aviões.
Ali sentou-se frente a um painel e a uma grande janela por onde via a enorme porta do hangar, sempre fechada e que tantas interrogações lhe tinham levantado.
De olhos semi cerrados desejava seguir para o espaço infinito em busca de novos mundos e de uma liberdade que jamais teria.
Inadvertidamente, o joelho tocou levemente numa minúscula alavanca e logo se acenderam dezenas de luzes que quase a cegaram .
Certamente no exterior deve ter soado um alarme porque mal teve tempo para ver uma pequena porta a abrir no canto inferior esquerdo do grande portão e entrarem dois homens correndo em sua direcção.
Caiu sobre os instrumentos atingida por um potente raio laser.
Ali acabou o mundo dos seus sonhos, corpo molhado pelas lágrimas de Josua que disparara automaticamente cumprindo o manual de segurança perante a presença de alguém que violara a interdição.
Carapau de Corrida
quarta-feira, 3 de junho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Foi preciso um autor masculino para fazer entar a Mulher no mundo da Ficção Ciêntifica.
ResponderExcluirMuito bem !
Muito interessante.
ResponderExcluirEstava a imaginar outro final - Erica pegara nos comandos e libertara-se no espaço!!!
Correra da sua rotina, mesmo sem o Carapau!!!
Muito interessante.
ResponderExcluirEstava a imaginar outro final - Erica pegara nos comandos e libertara-se no espaço!!!
Correra da sua rotina, mesmo sem o Carapau!!!
E o Carapau de Corrida entrou na era espacial sem sair do solo!
ResponderExcluirConto engraçado com final inesperado.
Há alguns micro atrás que não era tão absorvida pela atmosfera e pelo(s) personagens.
ResponderExcluirUm parágrafo ou outro extensos, mas uma grande ideia.
Ela nem nota a minha existência, mas eu sempre aqui ao lado.
ResponderExcluirBelo carapau, Conto de Corrida ou melhor dizendo, belo Conto, Carapau de Corrida.
Vou utilizar meus pistolões para conseguir um conto que misture motel com sacanagem.
ResponderExcluirÉ o que a temperatura está pedindo...
Afinal os homens também sabem escrever acerca dos sentimentos ocultos das mulheres.
ResponderExcluirNada mau, Carapau.