Um mimo de velhinha. Cabecinha branca, corcundinha, bolsinha enfiada no braço, bengala e uns olhinhos que se mexiam para todos os lados. Tive impulso de pegar sua mão e conduzi-la aonde precisasse.
— A senhora vai para...? — perguntei segurando seu braço.
— Ponto de ônibus pra cidade — disse, com voz firme e meio nasalada.
Já no ponto, tirou uma nota de dois reais da bolsa e apontou pro bar.
— O médico disse que eu tenho que beber água toda hora.
A água custou dois reais e cinqüenta centavos. Na volta, ela me olhou nos olhos antes de pegar a garrafa:
—Quanto foi a água? —. E sem que eu respondesse: — Cara a sua água, né?
A água não é minha e a senhora me deve cinqüenta centavos, pensei, mas achei melhor não dizer nada. Mudei de assunto, já tentando acabar com aquele momento de ternura crochê:
— O seu ônibus qual é?
— Ônibus nenhum. Estou esperando meu filho. Hoje em dia, só nos filhos a gente pode confiar... — e me olhou como se o esperto aqui tivesse lhe aplicado o golpe da compra superfaturada. Não me contive:
— Escuta aqui, vovó: a senhora me deu dois reais e a água custou dois e cinqüenta. Entendeu?
— Ah, agora você exagerou. Daqui a pouco vai dizer que eu é que estou lhe devendo dinheiro! Você não tem vergonha, não?
Um garotinho sentado no banco e encostado na mãe olhava pra nós. E ela fez mais uma vítima.
— Meu filho, você é muito novo. Não sabe que deve dar lugar para os mais velhos?
O banco estava vazio, a não ser pelo garoto e sua mãe. Mas Sua Alteza queria o lugar dele. Aborrecido, ainda olhou pra mãe que não o poupou: — Passa para o outro lado, meu filho.
Não sei se li nos lábios do menino ou se eu mesmo pensei: “Velha coroca!”
— Mas a senhora não queria ônibus pra cidade? — insisti.
— Não, senhor! Eu disse que queria o ponto de ônibus que vai pra cidade! Porque é aqui que meu filho vem me pegar — disse, transbordando impaciência por ter de explicar coisa tão óbvia.
Eu estava nervoso. Queria ir embora e não conseguia. Em vez disso, desejei que o filho chegasse logo. Achei que se ousasse me despedir ia acabar me aborrecendo mais.
Um carro parou e ela me lançou um desafio:
— Agora eu quero ver se você tem coragem de vender aquela sua água pra ele — disse, mas não perdeu o senso prático: — Você não vai abrir a porta, não? Não vê que eu estou com a mão ocupada?
Eu abri a porta.
O carro partiu e eu pude ver o braço enrugadinho fora da janela. Podia estar ajeitando a manga, gesticulando ao contar alguma coisa pro filho ou espantando a dormência de segurar a bengala. Mas eu sabia a verdade: aquilo era uma banana. E era pra mim.
Albir José da Silva
domingo, 7 de março de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário