O que não foi dito sobre o caso do menino
que se lançou ao rio Tua
Alguns órgãos da comunicação social têm referido a tragédia do jovem Leandro, em Mirandela, como «o primeiro caso mortal de bullying em Portugal». Não é verdade. Não por culpa da comunicação social, que se limitou a repercutir declarações de entidades académicas e policiais. Não é verdade, insisto. Dito de modo mais frontal: é uma mentira antiga. Nos últimos tempos ocorreram vários casos que estão firmados em testemunhos pessoais e públicos de personalidades fidedignas de áreas adstritas ao fenómeno, em especial a da pedopsiquiatria. Foi precisamente um caso mortal que esteve na génese de uma investigação jornalística que desenvolvi durante largo tempo e vertida mais tarde para livro. Contudo, tragicamente, o número será maior que os dos testemunhos e das notícias difundidas em termos nem sempre explícitos.
Há cerca de três meses tive a oportunidade de circunstanciar neste espaço alguns aspectos menos conhecidos do fenómeno negro que, à falta de termos sintéticos nacionais, se internacionalizou como bullying. Aludi então ao insurgimento manifestado por destacados pedagogos portugueses sobre a forma como no País se ignora ou subestima o suicídio juvenil, não raro encoberto sob a falácia da “causa indeterminada”. A expressão exacta, convencionada, é: «acto de desespero por causa indeterminada». O bullying, uma ou outra vez associado a esses actos desesperados, não é assumido. E remete-se a explicação dos desfechos dramáticos para o domínio do mistério. Urge aditar outro facto incómodo: esta tem sido também uma forma expedita de os estabelecimentos de ensino se excluírem do embaraço de conviverem historicamente com um episódio de suicídio gerado pelo bullying.
A falácia continua a fazer o seu caminho. Não haja dúvidas: o caso do menino que se lançou ao Tua não tardará a ser engolido pelo refugo-padrão dos actos de desespero por causa indeterminada. Significativo que o vocábulo “suicídio” seja evitado quanto possível. A expressão “suicídio juvenil” está banida neste brando país.
Não menos constrange ler e ouvir afirmações (abundantes nos últimos dias) do género: «Na escola, todos batem uns nos outros, sempre foi assim». Ora, tal realidade nada tem que ver com bullying. Nenhum jovem irá suicidar-se na sequência de uma agressão isolada, de uma zaragata de recreio, até de uma forte cena de pancadaria. O bullying transcende esses episódios, mesmo que alguns deles possam atingir um grau de violência preocupante. Mais, imensamente mais, o bullying é uma tirania física e/ou psicológica exercida por uma entidade (quase sempre grupal) sobre vítimas frágeis (Leandro era uma criança enfezada), de forma continuada (semanas, meses, anos). Essa tirania poderá um dia conduzir a vítima a um acto suicidário. Às vezes, como tem ocorrido sobretudo nos EUA, o suicídio é antecedido de uma “chacina de vingança”.
O jovem Leandro saiu disparado da escola, a chorar, anunciando que ia atirar-se ao rio. Este fragmento de notícia traz à memória o caso de Jokin Cebrio, um menino espanhol que há algum tempo se lançou das muralhas da cidade de Hondarribia, onde vivia. Também Jokin abandonou a escola, repentinamente, e dirigiu-se a casa. Não estava ninguém. Deixou um papel informando os pais que não suportava mais a maldade de alguns colegas. Saiu e encaminhou-se para as altas muralhas. Choraria também, durante esse percurso? Podemos prever que sim. Chegado ao cimo, venceu todos os obstáculos físicos de segurança e lançou-se.
O bullying é também isto: fugir, fugir, fugir.
E quando fugir não é mais possível, resta uma fuga alada para a morte.
Pedro Foyos
Jornalista
sexta-feira, 5 de março de 2010
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Coincidências...
ResponderExcluirAcabei de elaborar uma proposta para as escolas da zona onde trabalho para flarmos de Bullying com os miúdos (de 1ºciclo e pré-escolar, que de pequenino...) e professores e pessoal auxiliar e pais...
Já o tinhamos pensado há algum tempo. Eis senão quando...
Coincidências... Infelizes. Ou não.
Aproveitar o momento, enquanto não cai no esquecimento da opinião pública. Porque os miúdos que passam por isto ( e as famílias) dificilmente o esquecem.
Ouvem-se histórias destas há anos. E desvaloriza-se. Afinal, os putos são ou não são homenzinhos, que têm de se desenrascar?
E a nossa responsabilidade social? Onde anda?
Gostei muito do texto. Acerta lá onde nos dói. Na nossa responsabilidade colectiva.
Um Olé, com Duende!
No comentário da La Payita está tudo dito.
ResponderExcluirDe acrescentar, apenas, que a nossa responsabilidade social anda escondida debaixo do manto diáfano da cobardia.
Outro texto tocante e verdadeiro do Pedro Foyos.
No meu tempo no C.M. nós preferíamos a acção directa.
ResponderExcluirO Alberto, o Gonçalo, eu e uns quantos mais tratávamos de encontrar à noite os gaijos do (antigo) 7º ano, os graduados, que eram especialmente cruéis com os putos e chegávamos-lhes a roupa ao pêlo.
Funkava...
:-)
Confesso, PF, que por vezes acho os seus textos demasiado densos para o espírito de um blog, não deste mas na generalidade, mas este post e o anterior do diálogo das Escutas mostram o seu talento e sensibilidade.
ResponderExcluirPF
ResponderExcluirObrigada pelo excelente texto que partilha connosco. Gostaria muito de ver este assunto mais debatido neste blog, até porque a comunicação social dedica muito tempo a contar o que aconteceu, mas infelizmente, dedica pouco tempo a explicar como todos podemos contribuir para que estas situações deixem de acontecer.