XLII - Um despiste e várias pistas

Se houvesse um buraco no chão, onde me pudesse esconder, penso que só iria sair nos antípodas.
A minha mudança de expressão deve ter sido tão óbvia que senti que algo se alterara na hostilidade expressa da ‘Foxy Lady’.
Como se o ter-se apercebido da minha confusão a deixasse, de novo, numa posição de supremacia e não na figura ingrata da preterida.

Em contrapartida, Vanessa continuava a deslocar-se pela sala com um leve meneio de ancas, sem o menor sinal de constrangimento.
Mas isso era porque não conhecia, ainda, a potência de fogo de Cristina.
“O que faz durante a noite” atirou-me ela, olhos fixos nos meus ” independentemente do gosto questionável na escolha das suas parceiras sexuais, só a si diz respeito…” pausa para um gole de café”…mas, ao menos, deixem dormir a vizinhança!”
Quando eu já pensava que a coisa ia ficar por ali, veio a conclusão “…gemidos e falsos orgasmos, dignos de qualquer filme porno dos Anos 60, não é o meu ideal como banda sonora, para adormecer…”
“Falsos orgasmos, péra aí…”pensei eu para comigo, mas, antes mesmo de ter tempo de abrir a boca, ouviu-se uma outra voz feminina, com um leve arranhar nos erres, que denunciava a ascendência francesa.
“Faz parte do meu job description satisfazer os desejos dos convidados do Sr. Comendador, sejam homens…ou mulheres”.
A minha auto estima caía a pique.
Mas Vanessa não conhecia o calibre da nova hóspede…
“ É capaz de ser uma boa ideia, para não ter que representar…mais uma vez” e, trocista, para mim “ claro que o Nuno poderá, sempre, assistir!”

Vanessa resolveu adoptar um tom mais profissional.
“ Chegou este fax, de manhã cedo, para a Drª Cristina…”e, antes de sair da sala, deixando-nos, de novo, sós “ e só quero dizer que hoje à noite, não foi trabalho…mas prazer !”
Sem saber se deveria mostrar-me mais reconfortado ou não, fingi um interesse que não sentia pelo recém chegado fax.
Mas já Cristina, após uma breve passagem de olhos e uma leitura na diagonal, mo passava.
Depois de umas linhas delicodoces iniciais, que vou passar por cima e em que o tal Gavião se punha ao dispor da ‘Foxy Lady’( ele não a chamava assim) para TUDO, com maiúsculas, seguia-se a lista completa das citações, onde depois das três iniciais, já nossas conhecidas, apareciam as seguintes:
“ A man’s got to take a lot of punishment to write a really funny yellow book”
Aqui a palavra a mais era ‘yellow’, livro amarelo?
A seguinte” All my life I’looked at words as though I were seeing them for the first time from this window”fez-me soltar uma risada.
“O que é que se passa ?” já me apercebera que a nossa ‘Foxy’ não gostava de ser posta de lado em nenhuma situação.
“From this window, ‘desta janela’…foi metida a martelo.”
Continuei a leitura.
Só havia mais duas frases.
“I like to listen. I have learned a great deal from listening carefully. Most people never listen the wind” e “ Man is not made for defeat a rock.”
“ Quais são as palavras acrescentadas?” a curiosidade era outro dos defeitos, ou qualidades, da minha parceira.
Nunca tinha achado possível vir a aproveitar o profundo conhecimento que tinha da obra, biografia, frases célebres e fait divers do romancista norte-americano, mas aqui estava este caso a provar que todo o conhecimento, mesmo que aparentemente inútil, pode ter interesse e aplicação.
“ As duas últimas palavras, que estão a mais, são ‘vento’ e ‘rocha’…”