terça-feira, 4 de agosto de 2009

Almoço de Verão

Foram chegando, mesmo antes de o almoço estar pronto.
Muito antes.
A mãe com um ar feliz por ter a família reunida.
Mesmo assim a queixar-se das dores que lhe deformam as mãos. O irmão que a tinha trazido, sempre com aquele ar de massacrado pela vida, estende-se na chaise longue a ler o jornal e logo desconecta.
Os rapazes mergulham na piscina quase vestidos.
Chega o outro irmão que logo pergunta se pode ir até ao computador.
Precisa de enviar um mail importante.
O filho vai ter com os outros rapazes à piscina e falam inglês animado.
A irmã ataranta-se porque ainda não está pronta.
A cunhada fica a fazer conversa na cozinha enquanto ele prepara o almoço pachorrentamente.
Quando tudo fica pronto é difícil reunir toda a gente.
O irmão absorvido na internet, recebe um grito da mulher: “como de costume consegues enervar toda a gente”.
Mesmo assim ele não vem. Os rapazes não saem da água. A mãe desaparece no jardim. “Sempre gostei de verde”, diz quando finalmente chega à mesa.
O irmão chega directamente da chaise longue encurvado e anuncia que está todo dorido porque na véspera esteve a fazer experiências com as plantas, ao ar livre, de cócoras.
Os rapazes querem ir para a mesa em tronco nu, estilo impensável para a irmã.
A irmã decide que não se espera pelo irmão que navega pela internet.
A mãe senta-se à mesa e o almoço começa.
Está tudo óptimo, comentam todos.
Da internet chega o irmão que atira com aquele seu jeito desajeitado: “então, o que é que se passa aqui?”. A mulher lança um suspiro enfadado.
O irmão fala do grande amigo que tem a mulher com um cancro.
O amigo ganhou uma prateleira no emprego.
A irmã do amigo, que já foi mulher dele, “está louca varrida”, acabou de se separar e tem um amante.
Os rapazes trocam olhares cúmplices.
Ele diz que tem uma viagem de trabalho marcada para a Austrália mas não vai.
“É muito comprida e eu já não tenho idade, estou velho, é lixado”.
Pressentido o evoluir da conversa de doença em doença, até chegar a palavra morte, a irmã tenta desviar o rumo e começa a disparar pequenos episódios felizes.
O irmão massacrado pela vida desmonta tudo com a mordacidade que lhe é conhecida.
A mãe diz-lhe que assim a vida nunca valerá a pena e os dois entram num taco a taco que mais parece uma discussão conjugal.
É uma discussão conjugal, tal a relação que estabeleceram desde que o pai morreu e ele se divorciou.
Chega a sobremesa, de ovos, muitos ovos, que a cunhada não come por causa do colesterol.
E de novo o rol das doenças começa a ser desfiado.
A tudo isto ele assiste pachorrentamente a beber a sua vodka já depois do café.
A irmã declara que a má hora do sol terminou e que podem dar um mergulho.
De novo todos dispersam. O irmão dorido adormece num sofá.
A mãe pega num jornal e cabeceia.
A cunhada estende-se ao sol e aproveita a hora boa.
O irmão desanca Portugal.
A irmã junta-se aos rapazes, que parecem peixes dentro de água, como que a buscar energia.
Quando chega a hora da partida, a mobilização é de novo difícil.
O irmão massacrado esquece-se de se despedir, tal como os rapazes.
A mãe diz “vamos deixar estes senhores em paz”. Partem.
A irmã não fica em paz e atira-se para dentro de água.
Cá fora o fim do sol reconforta-a.
Ele pergunta-lhe se quer jantar.

Pinta

Um comentário:

  1. Mas o que é que se passa?
    Emigraram todos, estão com a Gripe A ou cortaram relações com o Galo?
    Eu também tenho andado muito por fora, tenho que reconhecer.

    Quanto ao Conto, um belo Almoço de Verão com aquele toque de família latina, de vertente portuguesa.
    A Pinta sempre em grande.

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