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sexta-feira, 7 de maio de 2010

(Sobre)viver

A vida é curta. Demasiado curta.
Quando nos começamos a aperceber da razão porque andamos por cá, já estamos quase no final da mesma.

Serão mais felizes as pessoas que não têm projectos. Que se deixam envolver pela neblina rotineira do quotidiano, pelo ronronar satisfeito da missão cumprida (comprida?), pelas casas, carros, netos, filhos, contas bancárias, diplomas e honras várias. Pelos charutos e whiskies velhos, pelas peles e pérolas, pelos livros encadernados nas estantes, pelos quadros pendurados nas paredes.

Eu quero fazer tudo.Tenho ainda tudo para fazer. Olho para trás e vejo que, até aqui, só gatinhei...

Quero erguer-me, ganhar asas e voar. Sobrevoar os Andes, planar na Amazónia, refrescar-me em Iguaçu, cair em flecha nos arrozais de Chiang Mai, descansar num imbondeiro moçambicano.

Ainda tenho que ler milhares de livros, ver milhares de filmes, ouvir milhares de músicas, percorrer milhares de quilómetros.
Estou agora na puberdade, borbulhento, revoltado e contestatário.

Quero experimentar, sofrer e experimentar de novo...
Quero sonhar sonhos impossíveis e torná-los possíveis.
Quero viver cem vidas diferentes, ser homem, mulher, gato, cão e estrela do mar.

Quero mergulhar nos abismos, subir os picos de neve, entrar em vulcões extintos , envolver-me em lavas fumegantes.
Quero jogar com as palavras e as cores, os aromas, os sabores, fazer da noite dia, das manhãs um pôr-do-sol e da lua, madrugada.

Quero mudar o mundo, criar outro sistema solar, atravessar o universo, ver o cosmos do avesso.
Falar com Deus e o Diabo, com o norte e com o sul, com o Amor e o Ódio.

Quero sentir tudo e poder escolher.
Quero escolher viver, uma e outra vez...
Nascer e renascer.
Viver. Para sempre.
Ter tempo para tudo.


Nota do 'Galo': Encontrei por mero acaso, este texto entre outros que escrevinhei para o blog. Pela lógica, deveria ter sido publicado já há mais de um ano mas quando o procurei nos arquivos, não encontrei qualquer referência e, por isso, resolvi postá-lo.
Se já o tiverem lido, as minhas desculpas.
Se nunca o leram e estão a fazê-lo agora, pela primeira vez, as minhas desculpas, igualmente.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Os Contidos

Correndo o risco das generalizações apressadas eu acho os Portugueses demasiado 'contidos'.
Nas classes ditas populares ainda se encontram resquícios de emoção, mas, à medida que a ascensão social ocorre, a frieza, a distância, o ar blasê apodera-se dos seus membros, como os sapatos vela, as camisas Ralph Lauren ou os blazers azuis.
Basta olharmos para os nossos 'hermanos' espanhóis ou para os nossos 'irmãos' brasileiros para nos apercebermos de que eles se encontram a anos luz de distância, na demonstração física dos afectos.
Eles festejam o reencontro do amigo, que deixaram meia hora atrás, tocam-se, manifestam o prazer de estar juntos.
Nós, pelo contrário, não vamos além dos apertos de mão vigorosos, embora os tipo 'mão de vaca, gelatinosos também abundem.
Quando, depois de dois anos em Moçambique, no 'teatro da guerra', eu desembarquei de novo em Lisboa, o meu Pai deu-me um toque ligeiro no ombro e perguntou 'Então, rapaz, correu tudo bem?'...

Se isto é válido para ambos os géneros, é mais acentuado ainda no masculino.
Os machos podem dar umas palmadas vigorosas nas costas do parceiro do squash, mostrar os dentes num sorriso aberto ao compincha do poker, mas emoções 'viste-las'...
Um homem não chora, frase com que os rapazes são mimoseados desde a nascença e que foi título de um livro do Sttau Monteiro, acompanha-nos como uma maldição...
A virilidade, bem intocável mas frágil, frágil, é posta em causa aos primeiros olhos húmidos, às primeiras lágrimas derramadas.
E só quem chorou, algures nas curvas da vida, lágrimas quentes de saudade, lágrimas geladas de revolta e raiva ou as mais doces, de alegria ou emoção, é que sabe que chorar lava a alma, abre-nos ao exterior, agudiza-nos a sensibilidade e os sentimentos.
Nunca transmiti aos meus Filhos que escondessem o que sentem, que sustivessem as lágrimas, que não transmitissem a alegria dos encontros através de beijos ou abraços.
Por enquanto essas manifestações não são taxadas, não pagam impostos, nem são proibidas, aproveitemo-las.

Sou, claramente, um homem de Amizades femininas.
Encontro nas Mulheres uma afinidade maior, uma cumplicidade, uma partilha, que poucas vezes tenho descoberto entre os representantes do meu 'grupo'.
Os poucos, mas bons, elementos masculinos que me acompanham desde sempre, têm todos as mesmas características - amantes de Mulheres ( e 'amantes' em todas as opções da palavra), pouco machões, dados à dialéctica e à discussão pelo prazer da palavra.
Recentemente, tenho tido a sorte de descobrir vários outros 'varões' que se enquadram nesse departamento mas, mesmo assim, apesar do prazer que sinto ao vê-los e que sei ser recíproco, evitamos ser demasiado expansivos, demasiado emotivos.

É altura de, sem histerismos fáceis ou pieguices bacocas, nos libertarmos da grilheta da 'contenção' e passarmos a transmitir ao 'outro', amante ou amigo, homem ou mulher, a intensidade do que sentimos no momento, através das palavras mas, igualmente, com o realce de um sorriso, de uma festa no rosto, de um abraço no momento certo...
...A Emoção é o sal da Vida.

domingo, 2 de maio de 2010

Mãe

Pensei comprar-te um presente.
Porque hoje é Dia da Mãe e nestes dias solenes, como é o Natal, a Páscoa ou um Aniversário, é de bom tom oferecer prendas a algumas das pessoas mais chegadas.
E encontrar alguém mais chegado do que uma Mãe será difícil...

A primeira ideia que tive, nada original confessemos, foram as flores.
São femininas, atraentes, perfumadas.
Mas depois lembrei-me dos jardins onde brincaste comigo, dos passeios no campo, dos picnics à sombra das figueiras...
E achei que as flores seriam insuficintes.

Pensei de seguida, guloso como eu sou, em oferecer chocolates.
Embalagens perfeitas em forma de coração.
Um sabor profundo a desfazer-se na boca...
E vieram-me à memória os beijos doces com que me aconchegavas a roupa ao deitar.
Os chocolates seriam, apenas, uma pálida imitação.

Os livros, que sempre adoraste ler, embora a vista já vá pregando partidas, surgiram a seguir.
Mas, de repente, recordei as histórias espantosas que escutei da tua boca muito antes de saber juntar as letras.
O Gulliver e o Gato das Botas. A Ilha do Tesouro e o Peter Pan.
A eterna criança que teimava em não crescer. Como eu...
E não encontrei nenhum romance que te pudesse maravilhar por igual.

Os perfumes mais sofisticados, franceses em embalagem de cristal eram aromas comuns e vulgares lado a lado com a marmelada acabada de fazer e em que me pedias que rapasse os tachos ou com a roupa engomada, a cheirar a alfazema.

Os tecidos mais sedosos, em drapeados insólitos, não me fizeram esquecer o doce toque das tuas mãos a afagarem-me o cabelo revolto.

Os discos mais em voga, com vedetas mundiais a debitarem tops de sucesso, só serviram para fazer ecoar na minha memória as músicas que cantavas enquanto fazias as lides da casa.

E depois fui lembrando a tua presença constante, muitas vezes silenciosa, quando eu, ainda miúdo, te pedia ajuda e, mais tarde, quando a julgar-me já graúdo, fingia não precisar mas te sentia sempre presente, pronta a tudo dar, sem uma exigência, uma contrapartida...

Deste-me a Vida, o maior presente de todos.
Mas também Carinho, Ternura, Atenção, Apoio, Cumplicidade...
Tendo como resposta, muitas vezes, a minha (aparente) Indiferença, o meu Afastamento, a minha Frieza.

Por todas estas razões, e não apenas por ser Dia da Mãe encontrei, finalmente, o único presente digno de Ti.
Todo o meu Amor, não hoje mas sempre, sem limites ou condições.
Amo-te Mãe, obrigado por tudo.

domingo, 25 de abril de 2010

Mais um texto sobre o 25 de Abril

Para muitos, o 25 de Abril, de 1974, foi a abertura de janelas para o mundo.
O fim do 'orgulhosament sós', a entrada de Portugal, de direito, no clube dos países democráticos.
Para muitos outros, o 25 de Abril foi o fim de direitos que julgavam hereditários, o acabar de uma determinada sociedade com extractos bem definidos, um salto para o escuro, sem rede e sem garantias.

Para muitos, o 25 de Abril foi uma época em que tudo era permitido, a liberdade e a esperança surgiram da utopia, a propriedade privada deixou de o ser e adivinhava-se um futuro cheio de amanhãs que cantam.
Para muitos outros o 25 de Abril foi a perda do respeito pelo vizinho, pelas ideias e opções diferentes das nossas, e a entrada na indisciplina, na badernice, com o princípio de um clima de insegurança que tenderia a tornar-se cada vez mais intenso.

Cometeram-se excessos, prisões injustas, saneamentos invejosos, nacionalizações inadequadas, independências apressadas, com consequências amargas e profundas para muitos milhares de pessoas.
Em simultâneo, corrigiram-se desajustes de décadas, injectou-se esperança e orgulho num país provinciano e cinzento, acabou-se com o sorvedouro de vidas que era a guerra no ultramar.

O país modernizou-se, com o que isso tem de positivo e negativo.
As condições gerais de vida da maioria dos portugueses melhoraram imenso para, uns anos depois, estarem a recuar, outra vez, drasticamente.
O acesso às universidades democratizou-se, mas a qualidade do ensino diminuiu.
Passámos a ser procurados por imigrantes vindos de fora, contrariando o êxodo que durante muito tempo ocorrera para fora daqui.
Os bens materiais como casa própria, carro, férias no estrangeiro, subiram em flecha, paralelamente com um endividamento exacerbado.
Passou premiar-se o laxismo, a incompetência, a criar condições para os que nada querem fazer e ao mesmo tempo o desemprego atingiu níveis nunca antes alcançados, sem solução à vista.
O enriquecimento súbito e inexplicável passou a ser corrente, o nivelamento intelectual, social e profissional passou a fazer-se por baixo, a demagogia e a corrupção, independente da cor política de quem nos chefia, entrou definitivamente no nosso vocabulário.

Do país do Fado, Futebol e Fátima passámos a ser a terra do Futebol, Fraudes e Falências.
Com ainda mais ênfase no Futebol, a continuarmos com muito Fado e alguma Fátima ( veja-se o exemplo do Papa) e as Fraudes e Falências a darem um toque de modernidade...

Para muitos, o 25 de Abril é o culpado da situação (má) em que nos encontramos...
Foi uma oportunidade perdida que não soubemos aproveitar.
Para muitos outros, se não tivesse sido o 25 de Abril estaríamos ainda bem pior...
E, certamente, mais infelizes.

Para mim, o 25 de Abril é uma soma de aspecto positivos e negativos.
Excessos, injustiças, esperanças, paixões e ódios.
Oportunidades, espertices, mediocridade e toques de génio.
Amores e traições. Prazer e dor...
Tal e qual como a Vida.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Espelho

A imagem que vimos todos os dias no espelho é a nossa.
É a nossa.
E não é.

Ora reparem lá naquele sinal que têm na cara.
No espelho, surge-nos no lado contrário.
E a aliança da mão esquerda.
Lá está ela, mas...na mão direita.

Na imagem que vemos reflectida de nós próprios
somos sempre mais altos, mais magros, temos mais cabelo
e estamos muito melhor conservados
do que aquele colega da faculdade que não víamos há anos
e que está feito um caco velho.

Leiam aqueles inquéritos de Verão aos famosos
ou aos que apareceram uma vez que seja
num qualquer programa televisivo.
À pergunta " Qual o seu maior defeito?"
a resposta invariavelmente é " A teimosia "
ou " O ser confiante", " Ser demasiado amigo dos meus amigos...".

Ninguém responde " Sou corrupto", ou "Pouco inteligente", "Mentiroso", " Medíocre..."
Quando dizemos "Teimosia" queremos mesmo assim dizer que somos obstinados, convictos , lutadores de causas...
Ser confiante demonstra pureza, boa formação e ser demasiado amigo é uma redundância porque quando não se é "demasiado" amigo então somos vizinhos, conhecidos, colegas mas amigos, não, com toda a certeza.

Somos críticos implacáveis em relação aos defeitos dos outros.
E demasiado benévolos quanto aos nossos.
Nós temos qualidades e "feitios"...
Os outros, bem os outros, são um poço de deficiências.

Tenhamos cuidado com os espelhos em que nos miramos.
Pode ser o da casa de banho, ao sair do chuveiro.
O do elevador ao descermos para a rua.
O do retrovisor do carro ou o que está na pastelaria, ao correr do balcão.

Só não pode, não deve, ser um daqueles deformantes
que tantas gargalhadas provocam
numa qualquer Feira Popular perdida algures.

domingo, 18 de abril de 2010

As Mãos

Com um aperto de mãos se sela um negócio de milhões.
Com um murro se põe KO o campeão do mundo.
Com uma festa no rosto, um afago no cabelo, se inicia um romance.
Com gestos ritmados dirige-se uma orquestra.
E com outros mais autoritários comanda-se o trânsito.

São as mãos que seguram o bisturi que salva vidas,
o pincel que pinta uma obra prima,
a régua com que se projecta um novo edifício,
a colher com que se mexe a sopa,
a agulha com que se cose a roupa,
a esferográfica com que se escreve a redacção,
a espingarda com que se vai para a guerra.

Com as mãos amassamos o pão e o barro.
Com as mãos fazemos magia e roubamos carteiras.
Com as mãos rezamos e fazemos o V da vitória.
Com as mãos viajamos à boleia e ilustramos palavrões.
Com as mãos pedimos a conta ou outra rodada.

Com as mãos fazemos Amor.
Com as mãos podemos dar Vida, e dar Morte.
Prazer e sofrimento.
Prémio e castigo.

Com as mãos produzimos trabalho.
Mas, também, destruimos.
Limpamos e sujamos.
Despedimo-nos com um aceno.
Escondemo-las nos bolsos.
Chamamos a atenção.
Injuriamos os outros condutores.
Assinamos cheques.
Damos esmolas e coçamos a orelha.

Sem mãos não haveria pirâmides nem lutas.
Não se plantariam flores nem se colheriam os frutos.
Não telefonaríamos aos outros, nem folhearíamos um livro.

Sem mãos, não existiria Humanidade.

sábado, 17 de abril de 2010

Da Teoria da Garrafa Meio Cheia e da Garrafa Meio Vazia

Esta é uma frase antiga.
Utilizada em muitas circunstâncias.
Pretende que, quando uma garrafa tem metade do seu volume preenchido ( já agora por um bom vinho tinto alentejano encorpado e com laivos de madeira) para umas pessoas encontra-se meio vazia e para outras, entre as quais me incluo, está ainda meio cheia.

Penso que é esta maneira de encarar a vida que faz a verdadeira cisão entre duas grandes fatias da Humanidade.
Muito mais do que as raças, religiões, culturas, situação económica ou profissional é a forma optimista versus a pessimista que faz com que, para uns, o dia esteja chuvoso mas com boas abertas e uns magníficos raios de sol e para os outros, apesar do sol " vem aí uma chuvada que vai alagar isto tudo..."

Tenho uma amiga optimista por natureza. Sózinha criou uns filhos magníficos, ultrapassou problemas profissionais, venceu uma doença complicada, tomou opções difíceis, sempre com um sorriso nos lábios, um brilho no olhar, uma vontade de viver contagiante.
É um prazer falar com ela, ver o entusiasmo que coloca nos seu projectos e a generosidade com que escuta os dos outros.

Em contrapartida, a maioria dos portugueses adora a prática da autocompaixão, o discurso miserabilista, o ter pena de si próprio, o não arriscar, o enterrar a cabeça na areia.
" Para que hei-de eu perder tempo com isso se já sei que não vai resultar..."

Nos dias que correm, muitos de nós acham que este é um país sem futuro.
Muitos, no seu íntimo, torcem para que a crise se instale, ainda mais definitiva.
O sonho de alguns seria que a nossa situação ultrapassasse rapidamente a da Grécia e que a bancarrota fosse uma realidade.
" Eles são corruptos. Eles não fazem nada. Eles são incompetentes..."
Só que 'Eles' somos, em última análise 'Nós'...
E, assim, com a nossa consciência apaziguada, já podemos voltar de novo à nossa vidinha, à falta de competitividade, ao alinhar com a mediocridade, com a corrupção " pois se todos fazem", a um baixo grau de exigência.
Tudo pautado pelos " Vai-se indo...", " Mais ou menos...", "Já estive melhor...", " Isto está uma desgraça...".

É altura de passarmos a olhar para as 'garrafas' de outra maneira.
Percebermos que uma garrafa meio cheia é um mundo de oportunidades.
Que ainda nos esperam imensos momentos de prazer, de convívio, de desfrute...
Enquanto que uma garrafa meio vazia caminha a passos largos ( melhor dizendo, a golos largos) para um fim sem glória.

Sejamos optimistas, mas com realismo q.b.
Sejamos activos, criando novos projectos, pensados, produzidos, acarinhados e desenvolvidos por nós próprios.
Só assim a garrafa, ou o país, ou a nossa vida, passará de meio vazia a meio cheia.
Três quartos cheia.
Totalmente.
Cheia.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Les huîtres

O Guilherme convidou-me a irmos hoje comer ostras.

Este meu amigo, além de excelente pintor, é o que usualmente se chama um 'bom garfo'.
Tem atelier na Bica, mora em Cascais, mas é capaz de ir almoçar a Setúbal só para se deliciar com uns belos Robalos ou viajar até ao Alentejo para petiscar umas Migas de Espargos.
Mas voltemos ao tema principal...

Sempre que ouço falar em Ostras, lembro Paris.
Nas três/quatro viagens anuais que faço a essa cidade ( muitas vezes por apenas um, dois dias) uma das refeições é habitualmente iniciada com um belo prato de ostras.
Reservo uma da noites em que vou flanar pelo Boulevard des Capucines ou pela Rive Gauche para escolher uma brasserie com aquele toque de Art Deco e Belle Èpoque em que os parisienses são exímios, acomodo-me numa mesa da esplanada, coberta ou ao ar livre dependendo da temperatura, e lá peço um prato de ostras que surgem sempre sobre uma cama de gelo picado.
Gravettes lado a lado com Belons ou Pied-de-Cheval, acompanhadas com molho vinaigrette ou au naturel...
Algumas delas até são chamadas de Petites Portugaises, embora o nome científico seja o de Crassostrea Angulata.

Então se no ambiente parisiense aprecio este molusco, em que o sabor a mar é tão intenso, porque é que em terras lusitanas nunca me lembro de fazer tal pedido?
A resposta não a sei. O que sei é que hoje, frente ao rio a ouvir a sempre enriquecedora conversa deste meu amigo, vou atacar a primeira ostra, regada com umas gotas de limão e vou-me deparar com uma pérola do tamanho de um berlinde.

Ó lá se vou...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Amores antigos

Muito do nosso Presente é reflexo do nosso Passado.

Somos a consequência da educação que tivemos, do ambiente em que fomos crescendo, dos livros que partilhámos, das viagens que fizemos, dos nossos amigos, do trabalho que realizámos.

O facto de estarmos, agora, apaixonados pela próxima ida ao Nepal não impede que recordemos com agrado um fim-de-semana passado em Veneza.

Aproveitarmos todos os bocadinhos para a leitura do último livro do Mia Couto não nos faz esquecer a trilogia de Nova Iorque.

O Fiel Jardineiro não nos varre da memória o Vertigo...

Ganhamos com a experiência, ficamos cada vez mais ricos e conhecedores, podemos utilizar todo esse capital na actualidade.

A antiguidade é um posto, diz a sempre pronta voz popular.

Então e com os Amores antigos?

Porque é que com as Mulheres, os Homens, que foram (...são?) tão importantes nas nossas vidas isso muitas vezes não acontece?

Porque é que temos a necessidade de varrer afectos que foram 'eternos enquanto duraram' para debaixo da cómoda ou do tapete?

Virar as molduras, em que ostentamos o sorriso meio apatetado dos apaixonados, com a imagem para baixo...

Porque é que evitamos partilhar os mesmos locais com as pessoas com quem partilhámos sonhos e projectos?

Pessoas que fisica e intelectualmente não tinham segredos para nós e que se tornam ilustres desconhecidos.

Seres que, muitas vezes, foram coautores connosco de outras vidas humanas, passam a miseráveis que não queremos sequer mencionar.

O tal sinal do Solnado passa, de imediato, a verruga. A distracção poética a estupidez, a convicção converte-se em agressividade mórbida e a sedução transforma qualquer um(a) num símbolo de promiscuidade.

Guardamos os livros em bibliotecas, os discos em discotecas, os vinhos em enotecas, em boas condições de conservação para que, em qualquer momento, possamos ter acesso a essas memórias, informações, sabores...

...Então, e para quando as Amortecas?

Marco Polo e os 'Abreus'

As minha primeiras Viagens foram as do Gulliver.
Depois dei a Volta ao Mundo em 80 dias.
Andei Duas semanas em Balão, passei Dois anos de férias com o Robison Crusoé,
mergulhei a 20 000 léguas submarinas, vi a Moby Dick e descobri a Ilha do Tesouro.
Tornei-me mais ambicioso.
Fui da Terra à Lua, em várias companhias (...aéreas, claro).
Com o velho Júlio, o Verne, e com o meu colega de carteira e calças à golf, Tintin, o repórter belga.
Este último proporcionou-me, aliás, outras viagens inesquecíveis.
A estreia na América, no País dos Sovietes, na Ásia, no Congo, na Sildávia, na Amazónia...
Viagens de piroga e de foguetão, em bimotores ruidosos e comboios cheios de charme, com que percorri as sete partidas do mundo, muito antes deste me pregar outras partidas.

Sinto que o verdadeiro baptismo que me transformou de viajante virtual em globe trotter real foi a travessia de Lisboa para Nacala, durante cerca de um mês, a bordo do Niassa.
Foi essa, realmente, a minha grande primeira viagem.
Pelo que teve de novidade, pela mudança de continente, pelos dois anos que se adivinhavam longe da 'terrinha'...

E, desde sempre, a minha postura foi a mesma.
Respeito pelos costumes, tradições, hábitos e culturas locais. Curiosidade em experimentar a gastronomia do lugar, ter amigos naturais do sítio, conhecer os recantos mais escondidos, sem comparações colonialistas em que as nossas rotinas saiem sempre enaltecidas e valorizadas.
Sempre quiz aprender e apreender, sair enriquecido e não converter, ser um observador e não um missionário...

Depois disso viajei de Tegucigalpa a Taquelepaque e de Cantão à Costa do Marfim.
Sem risos trocistas sobre as práticas locais, sem autocarros com ar condicionado e guias equivalentes, sem o espírito de cruzados actuais com que multidões de turistas ( ...e não viajantes) armados de webcams e máquinas digitais, aterram em manadas, dispostos a comprar souvenirs de Punta Cana, discutir num qualquer mercado de Casablanca em arremedos de palhaço rico ou tentarem trazer um pedacinho da Muralha da China para colocar junto ao plasma que têm na sala e onde passam intermináveis sessões dos 'documentários' feitos durante essas férias magníficas 'Olháli o Santos a galar a chinoca em Bangcock'.

Os açoreanos com todo o seu sentido de humor, contido e reservado, chamam a essas hordas de novos bárbaros, os 'Abreus'.
Por analogia com a Viagens Abreu, grande impulsionadora da democratização de viagens a 'preços em conta' para destinos 'exóticos'.
Que fique claro que eu não sou defensor do elitismo das viagens.
Da volta ao Oriente Expresso em que determinadas clases sociais só podiam viajar se fossem damas de companhia das marquesas desta vida.
Da ida a Badajoz para 'o povo' ir comprar caramelos.
Mas custa-me ver manadas de 'japoneses' de Gaia ou da Mealhada a invadirem praças e mesquitas, esplanadas e museus, com a boçalidade nacional que alastra a uma grande velocidade e que se manifesta com sintomas mais profundos quando os 'tugas' saiem deste nosso pedacinho, quando se encontram em grupo e se deparam com outras raças ou credos.

Do 'orgulhosamente sós' para o 'alarvemente acompanhados'...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Fatalismo ou Infantilismo?

É um assunto que, periodicamente, me ocorre...

Estará o nosso Destino escrito e traçado desde que fazemos o nosso sonoro aparecimento neste mundo ou, pelo contrário, seremos nós que o vamos moldando com as nossas opções, escolhas e decisões?
Embora não aprecie muito essa posição, neste caso fico-me pelo Nim.

O fatalismo árabe de que nós somos dignos herdeiros não tem em mim um grande admirador.
O 'tinha que ser', 'estava escrito', 'seja o que Deus quiser' não são frases que orientem a minha vida.
Mas, por outro lado, o termos a pretensão do comando e gestão total do nosso futuro é algo comprovadamente falso.

Pergunto-me o que seria a minha vida se em vez de ter apanhado determinado avião tivesse escolhido o seguinte?
Não teria viajado ao lado de determinada pessoa, não teria chegado numa ocasião mas sim noutra, não teria apanhado o mesmo taxi...
Muitas vezes, basta o optarmos por descer pelas escadas em vez de usar o elevador para que o nosso destino se altere por completo.
Chegamos à rua dois minutos mais cedo, ou mais tarde, e já não somos atropelados, já não compramos o bilhete de loteria que, afinal, estava premiado...
O Tordo, numa das suas magníficas canções, diz ' A entrevista que era boa não saiu e o meu futuro foi aquilo que se viu...'
Uma entrevista, uma apresentação, uma bala perdida, uma bebida a mais, uma queda, uma onda, um vaso que cai de uma varanda, um livro que nos desperta uma ideia, um espectáculo para o qual arranjámos bilhete à última hora, um assalto, uma dor súbita, um riso contagiante que nos faz virar a cabeça....
Pequenos gestos, situações, acasos, que podem alterar toda uma vida estruturada até aí em determinada direcção.

Há cerca de vinte anos conheci numa pequena ilha no meio do Atlântico, a Mulher da minha vida e que viria a ser a Mãe dos nossos três Filhos.
Uma análise fria à lei das probabilidades dir-me-ia que eram parcas as hipóteses de ter ido tratar da realização do Festival de Música dos Açores e, a partir daí, tudo se ter desenrolado.
E se não tivesse sido eu a ir? Ou, se fossem outras as pessoas que viesse a conhecer? Ou se...? Ou se...?

A sorte, o destino, a coincidência têm um papel muito importante nas nossas vidas.
A determinação, a persistência, a força de vontade não são menos fundamentais.
Saibamos juntar à nossa pequenez de grão de areia, poeira ínfima do Universo, toda a grandeza de, em muitos casos, podermos dizer a última palavra e alterarmos o que, eventualmente, alguém decidiu para as nossas vidas.

Deuses e simples mortais.
Senhores e escravos.
Personagens e autores.
Vítimas e carrascos.

Desta dualidade nasce o que nos torna únicos, irrepetíveis.
Uma maravilha da Liberdade...
...fatal como o Destino!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

O Ressonar

É bom sabermos a palavra que a nossa parceira, ou parceiro, vai proferir a seguir.
É agradável estarmos em silêncio, sem necessidade de nada dizer mas transmitindo, na mesma, sentimentos, estados de espírito, emoções...
É gratificante conhecermos cada canto, cada curva, cada reacção do corpo do outro.
Termos descoberto o ponto G...mas também o H e o J, o K e o XPTO.
É excelente termos atingido este nível de proximidade mas, no entanto, continuarmos a ser surpreendidos.
Por uma palavra que não esperamos, por uma atitude, por um gesto novo...

É a isto que eu chamo cumplicidade.
Ao respeito e confiança absolutas, sem limitar a liberdade de cada um.
Ao casal passar a ser uma unidade nos objectivos comuns sem deixar que a personalidade individual e própria seja apagada pela do outro.
Ao cada um continuar com os seus hobbies, as suas preferências, os seus ódios de estimação, mas formarem uma frente unida perante as contrariedades, os desafios do destino...
E, em simultâneo, só quem não viu um filme a dois de mão dada 'no escurinho do cinema' ( como canta a outra), passeou na praia com o sol a desaparecer lá no fundo, chegou pela primeira vez a uma nova cidade acompanhado, apontou uma estrela brilhante no céu, é que não sabe que, quase, tudo a dois, ganha uma intensidade, um fulgor que não tem nada a ver com todas essas mesmas experiências a solo...
Dormir acompanhado, bem acompanhado, com ou sem sexo, não tem nada a ver com a solidão de ilha perdida no oceano dos lençóis.
Apesar de ficarmos com as almofadas todas para nós.
Mesmo podendo atravessarmo-nos na cama...

E chegamos ao ressonar
O ressonar é para mim a prova dos nove da fortaleza de qualquer relação.
O creme de la creme das armadilhas de qualquer ligação permanente (...das ocasionais então nem se fala).
O ressonar está para o Amor como o Cabo das Tormentas estava para os navegantes...
Um susto!
O ressonar é mesmo o Adamastor das nossas vidas.
Algo que é difícil ultrapassar.

E, depois, o ressonar adopta mais personalidades do que o Peter Sellers quando resolvia mostrar que era versátil.
Pode ser sibilante, estilo trovoada ou vulcânico.
Pode ser constante ou ter picos súbitos que nos arremessam de encontro ao tecto.
Pode passar com um terno toque ou resistir aos abanões mais violentos.
Pode ser sensível a assobios e insensível a terramotos...
Enfim, o ressonar pode ser um monstro de sete cabeças, com dezenas de braços e pernas, ou tentáculos, se preferirem...

Mas uma coisa é certa.
Se o vosso Amor resiste a uma noite de ressonos intermitentes, então é porque é genuíno e profundo e está preparado para afrontar todas as eventuais vicissitudes desta Vida.

terça-feira, 30 de março de 2010

A minha Mãe faz hoje 90 anos

A minha Mãe nasceu em 1920. Em Faro.
Numa família de classe média, Pai oficial da Marinha, Mãe doméstica, como se dizia e era de bom tom à época.
Primos direitos os dois.
Não dizem que os Netos de Primos direitos nascem com perturbações mentais? Isso explicaria muita coisa...
Aos 10 anos zarpou para Lisboa para uma casa junto ao Marquês de Pombal, onde ainda hoje, passadas oito décadas, continua a viver.
Andou no Maria Amália, começou a namorar o vizinho do prédio em frente, rapaz bem apessoado com ares de Rodolfo Valentino e cabelo esticado graças ao Brylcream e lá casaram.
Entretanto o meu Avô, Francisco Viegas como o meu Filho mais velho, suicidou-se num daqueles mistérios familiares de que nunca se fala e que nunca se chega a perceber muito bem.
Este vosso escriba nasce quando a minha Mãe acabara de fazer 25 anos.
O meu Pai, mulherengo e irrequieto, vai coleccionando conquistas até que três anos depois dá-se a separação.
O divórcio, em virtude da Concordata com a Igreja, só viria a ocorrer muitos anos depois, após a Revolução dos Cravos.
Sózinha, separada e com um filho, aos 28 anos, a minha Mãe viu-se forçada a trabalhar como Professora de Instrução Primária. Os tempos eram difíceis. O dinheiro curto, muito curto.
Foram aparecendo alguns admiradores, apaixonados ou simplesmente aproveitadores, mas o
'filhinho' (moi même) ciumento e possessivo foi-se encarregando de os pôr rapidamente a mexer.
E as décadas foram passando. Uma vida de rotina instalou-se e a minha Mãe passou a viver em função dos eventuais sucessos, e dos insucessos, do seu único descendente que só muito tardiamente, quando ela atingira já os 75 anos, lhe deu Netos.
Mas, verdade se diga, logo três em menos de dez meses.
O aparecimento desta nova geração deu novo alento à minha Mãe...
Que agora chega aos 90 anos, fresca da cabeça ( a saber tudo o que se passa por cá e pelo Mundo) e ligeira dos pés.
Hoje vamos reunir toda a nossa pequena Família, do meu lado, Netos, Sobrinhos, Sobrinhos-Netos, Nora e Filho, claro está.
E vamos cantar o 'Parabéns a Você' !!!
Parabéns Mamy!
Já falta pouco para chegar ao Século....

domingo, 28 de março de 2010

Dar e Receber

Tenho para mim que só existem amores correspondidos.

O Amor alimenta-se do próprio amor.
Aquela imagem romântica do desgraçado que escreve poemas, na solidão da mansarda, para a sua amada que nem se apercebe da sua insignificante presença, não colhe credibilidade, pelo menos para mim...
A donzela que suspira lânguidos lamentos pelo machão que chega tarde e a más horas para a desprezar ou dar-lhe sovas monumentais, não tem nada a ver com o Amor, no significado e sentir que eu tenho dele...
Podemos apelidar esses sentimentos, alguns até merecedores de estudo aprofundado, de solidão, masoquismo, autocompaixão, falta de segurança, o que lhes quisermos chamar, mas guardem o Amor para outros campeonatos.
O Amor tranquilo ou o Amor arrebatado, o Amor intelectual ou o sensual, o feito de companheirismo ou de cumplicidade, o das gargalhadas claras ou das lágrimas compartilhadas é um sentimento que só tem razão de ser quando vivido a dois.
Quando tudo o que damos se reflecte naquilo que se recebe.
Quando o objecto amado e nós próprios se confundem numa imagem única.
Quando o prazer de um é o prazer do outro.
Senão é, deve ser, o mesmo que fazer amor, ou sexo, com uma boneca insuflável.
Sem termos resposta, sem sentirmos qualquer participação do outro.

Nesses casos ( felizmente nunca estive numa situação dessas) é melhor partir para outra...
A voz popular diz que há mais marés que marinheiros.
Todos temos várias oportunidades, diversas opções, destinos que podemos alterar.
Se não estamos bem, devemos mudar...
Pode ser que um novo Amor, o verdadeiro Amor, esteja à nossa espera.
Porque amar é dar. Mas é também receber...

PS: Este texto surgiu-me nesta bela e ensolarada manhã de Domingo, de céu bem azul e pássaros ao desafio no jardim, perante o desinteresse geral instalado entre os comentadores.
Uns por excesso de trabalho, outros por excesso de falta de trabalho, uns por preguiça e comodismo, outros porque não estão para isso.
E também certamente por falta de motivos de atracção no próprio blog...
Mas será a análise dos porquês o mais importante?
Façam a leitura que quiserem do texto acima.
Possivelmente, a conclusão é essa mesma...

sábado, 27 de março de 2010

Para mim, começou hoje a Primavera

Há uns meses comprei uma Ameixoeira.
Fosse lá isso o que quer que fosse...
Um pauzinho bem torcido e ressequido com ar de cana de pesca terceiro mundista.
Depois fiz uma cova, enterrei-lhe a raiz igualmente famélica na terra e reguei sem parcimónia.
Confesso que nunca mais pensei nessa minha nobre acção de reflorestamento...

De vez em quando passava pela criatura e lá estava ela imóvel e imutável.

Hoje levantei-me e olhei um céu azul e luminoso que quase me torna crente.
Desviei a cabeça para o lado e a tal Ameixoeira ( mas seria a mesma?) estava fantasiada de Rainha da Bateria de uma qualquer Escola de Samba...
De uma qualquer, não.
Da Mangueira, com os seus tons Rosa, nas flores, milhares de pequenas flores e no Verde, das folhas, dos ramos.
A minha Ameixoeira tornara-se estrela do Lido.

Fiquei embasbacado a olhar para os ramos ainda tenros mas fervilhando de vida e viço.
Apercebi-me que a Primavera chegara à minha Vida.

Reparem que eu não disse chegava outra vez, de novo, ou regressava. Disse, apenas, chegava...
Porque o bom da Primavera é que é um eterno recomeço e não uma repetição.
Como se a Vida começasse de novo e não como se se repetisse de novo.
Porque, em verdade, nunca vivemos dois Verões iguais.
Nem dois dias na praia, dois mergulhos no mar.
Nem dois Amores...
Dois beijos ao luar, ou entre quatro paredes.
Dois livros, dois filmes ( mesmo que vistos ou lidos dez vezes).
Nada se repete, tudo se transforma.
E sabe sempre de um modo diferente...

Por isso hoje, ao ver aquela Ameixoeira, começou a Primavera para mim.
Não mais uma Primavera...
Apenas...A Primavera.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Hoje estou dividido entre cá e lá

Acordei hoje pelas quatro da manhã.
Os meus filhos tinham que estar no Aeroporto às cinco e meia.
Era o passeio anual do Colégio.
Desta feita, a Londres.

E lá fomos, estrada fora, com chuva fora e dentro de nós.
Quando chegaram, voaram para junto dos escanzelados, e alguns obesos, colegas.
Rapazes e raparigas a ganharem penugens várias.
A chilrrearem conversas sem sentido, a não ser para eles.
Que são, em última análise, os únicos a quem tal interessa.

Mães nervosas sem disfarce.
Pais a dar uma de duros sem convicção.
Os atrasos e esquecimentos do costume.
Os professores, guias acidentais a fazerem-se de pastores.
E lá desapareceram corredores afora.
"São como bandos de pardais os putos..." já cantava o outro.

Hoje duas pernas minhas e um braço viajaram para Londres.
Ficou-me o braço direito com que escrevo estas linhas.
Mas sinto-me incompleto, desmembrado.

Parte de mim aterrou já em terras de Sua Majestade...
God bless the King...and the Kids.

domingo, 21 de março de 2010

Domingo, Dia ...da Senhora

Faça deste Domingo um dia diferente.

Prepare um tabuleiro com umas torradas com manteiga ou compota, junte uma chávena de café fumegante, e bem cheiroso, um copo de sumo de laranja e surpreenda a sua Mulher com um pequeno almoço na cama.
Muito importante, não se esqueça de juntar uma flor ou um poema de Amor.
E já que falamos de cama e de amor...

Mais tarde, levante-se e tomem um banho a dois, na banheira ou no chuveiro.
Espumas e óleos, esponjas e sabonetes têm imensas possibilidades...
Sequem-se e saiam de casa.
Vão dar um passeio a pé ou de carro.
Todos os destinos são permitidos, com excepção dos Centros Comerciais.
Uma praia deserta, num dia cinzento pode ser bem mais atraente do que em pleno Verão.
Mas um jardim, da Estrela ou da Gulbenkian, de Serralves ou equivalente, é outra boa opção.

Ao almoço, comam um peixe grelhado acompanhado de um branco seco gelado
No restaurante ou em casa.
O importante é a conversa envolvente.
Há quanto tempo é que não falam dos vossos sonhos e desilusões?
Partilhem projectos, criem novos projectos a dois...

Preguicem, dividam o semanário, riam-se em conjunto, mas não liguem a televisão...
A televisão só é permitida para verem um filme antigo do género Casablanca ou E tudo o vento levou...
Mas nada de espreitadelas ao jogo do Benfica ou do Porto, aos programas dos prognósticos ou das análises. Totalmente proibido.

Faça um petisco para o jantar, mesmo que fique um pouco esturricado ou sem sal.
O que conta é a intenção.
Ajude a lavar a louça, ou melhor, trate disso sózinho.

Vá para a cama cedo...

sexta-feira, 19 de março de 2010

O Dia do (meu) Pai

O meu Pai e eu próprio nunca nos demos bem.
Para começar porque vivemos afastados
desde os meus três anos de idade.
O que fez com que não fosse ele
a ensinar-me a andar, a ler, a escrever.
A ver-me crescer, a ter as primeiras borbulhas
e a fazer a barba pela primeira vez.
E se um Pai é preciso para ensinar
a técnica do escanhoar perfeito...

O meu Pai e eu próprio nunca nos demos bem.
Para começar porque tudo, ou quase tudo,
o que um gostava, o outro odiava.
Era assim na Política, na Religião, na Pintura, na Vida...
O que ele tinha de conservador, tinha eu de rebelde.
A rotina e os hábitos sem os quais ele não sabia viver,
punham-me doente.

O meu Pai e eu próprio nunca nos demos bem.
Ele era nacionalista, racista e nunca entrou num avião.
Viagens só de carro e na Europa.
Eu, pelo contrário, gosto de me pensar cidadão do Mundo
e religiões, credos e opções sexuais
não me causam qualquer alergia.

O meu Pai e eu próprio nunca nos demos bem.
Mas foi, talvez, o primeiro a mostrar-me que o Trabalho
pode alterar o fatalismo do ambiente onde se nasce.
Foi quem mais me desafiou com problemas de Lógica,
quem me mostrou que a Matemática não era um papão.
Quem me transmitiu o Amor pelos Livros.

O meu Pai e eu próprio nunca nos demos bem.
Mas hoje que é o seu (e, agora, também meu) Dia
tive saudades das nossas discussões
que me abriram os olhos para as diferenças
para a troca de ideias, de gostos, de convicções.

...Onde quer que esteja Pai, bom dia para Si !

sábado, 13 de março de 2010

Porque Hoje é Sábado

Hoje acordei umas três horas mais tarde do que o costume.
Hoje namorei e apanhei sol.
Hoje fui ao mercado, comprei batatas e clementinas.
Hoje estive numa feira de velharias.
Hoje falei com um ceramista e combinei uma parceria.
Hoje comecei a escrever um romance.
Hoje tirei dezenas de fotografias.
Hoje plantei cebolinho e alho francês.
Hoje estive na serra e na praia.
Hoje estive em Estremoz e em Santa Cruz.
Hoje combinei pormenores da minha festa de anos.
Hoje senti-me vivo, com um calor de quase Primavera.
Hoje (quase) esqueci o blog.
Hoje está a ser diferente...

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Blog da Transilvânia

Um blog é uma espécie de vampiro.

Todos os dias, precisa de sangue novo.
Alimenta-se de ideias, imagens, textos, piadas, citações
sem nunca estar completamente satisfeito…

A sua voracidade, a sua obsessão pelo líquido vital
pode manifestar-se a qualquer momento.
Altas horas da noite, já a lua cheia brilha lá fora,
ou de madrugada, quando a neblina deixa a relva coberta de geada
e as sombras ficam, ainda mais, fantasmagóricas.

Quando um blog morde no pescoço de alguém,
autor, comentador, seguidor, simples leitor,
este fica agarrado para sempre,
ou quase sempre, dependendo da força da dentada
e do veneno do vampiro, perdão, do blog

Quando estamos a ver um filme, interrogamo-nos se já estará no Youtube.
Quando nos rimos com um anúncio, tentamos descobrir um link.
Quando lemos um artigo, fazemos copy paste.
Quando nos oferecem um livro, scannerizamos a capa.
Quando almoçamos num restaurante, perguntamos se têm website.

Já não escrevemos aos amigos a perguntar como estão.
Mandamos-lhe o último cartoon, o mais recente artigo do Mário Crespo.
Já não telefonamos a ninguém a convidá-lo para jantar,
enviamos um pedido para ser nosso ‘friend’ no Facebook.

Não oferecemos flores, mas partilhamos o Farmville.
Não contamos a última trica, a não ser pelo Twitter.
Não alimentamos um peixinho dourado, mas temos o Fishville.
Não cantamos em conjunto, porque cada um possui o seu Ipod.
Não recordamos, mais tarde, as nossas imagens
porque estão todas arquivadas no computador.

Voltando ao blog.
É muito difícil acabar de vez com o bicho.
Igualzinho ao caso do vampiro.
Neste, usava-se dentes de alho, cruzes e estacas de madeira.
Esperava-se que a criatura adormecesse.
Na calma de um qualquer ataúde acolchoado.
E depois, pé ante pé, com o sangue a gelar–se-nos nas veias
lá lhe dávamos o tratamento mais adequado…

Mas, dizem as vítimas do personagem,
que mesmo, depois do desaparecimento da criatura maléfica,
fica uma sensação de vazio, de falta da dose diária,
de saudade…das dentadas no pescoço.

É só por isso que ainda não matei este blog
Mas, um dia destes vou comprar uma estaca de madeira,
um crucifixo, uma réstia de alhos…

Ou, então…desligo, simplesmente, o computador da tomada.