Tenho o azar na vida de ser ateu, de não conseguir encontrar motivo para adorar um qualquer criador do universo. Esta é uma declaração prévia de interesses - que neste tipo de situações me parece ser acto de lealdade imperativa perante o leitor - por ir abordar um assunto inevitável: a chegada a Portugal, hoje, do Papa Bento XVI.
Vejo, perplexo, escrito pelos jornais - incluindo aqui no Diário de Notícias - vários artigos de opinião a criticar as autoridades. A crítica mais recorrente tem a ver com a tolerância de ponto...
A estrada mais próxima da minha casa é caminho de peregrinos a Fátima. É impressionante o desfile de milhares, mesmo muitos milhares de pessoas, a pé, a cumprir o para mim incompreensível sacrifício de não sei que promessa. Serão todas estúpidas? Serão todas ignorantes? Serão gente que o Estado deve desprezar?
No fim-de-semana assisti a um casamento. Provavelmente os noivos e a maioria das 250 pessoas que ali estavam só entram numa igreja em momentos deste tipo. Ir aos domingos à missa não faz parte da vida urbana desta gente. Estariam todas aquelas pessoas a fingir a sua religiosidade? Estariam todas a mentir só por conveniência social? Deve o Estado impedir, na prática, que esta população possa, se quiser, ir ver o Papa?
Nas férias costumo passar uns dias numa vila do interior, numa altura coincidente com as festas locais. Para além das febras, do vinho tinto, da música mal tocada, dos namoricos e da maledicência, o que há de mais notável nessas festas é uma procissão. Não há uma única família que não tenha pelo menos um representante nesse desfile religioso. Será uma multidão alucinada? Será uma turba manipulada? Deverá o Estado ignorar que esta mobilização existe?
Não posso aceitar que um Estado democrático aceite ficar ao serviço de uma religião e a favoreça nos impostos, no protocolo ou em qualquer outra benesse que não resulte da compensação directa da actividade social dessa instituição, que beneficia assim o próprio Estado. Mas também não consigo compreender que um Estado se comporte como se os sentimentos dos seus cidadãos, por muito contraditórios que sejam, não existissem.
Achar ser dever do Estado não dar tolerância de ponto nestes dias de visita do Papa é... um sinal de intolerância. É a intolerância contra, por acaso, a maioria dos portugueses, católicos, ou mais ou menos católicos, que pensa e sente o mundo de forma diferente de nós, os portugueses ateus ou mais ou menos ateus. E toda a intolerância é intolerável. Toleremos. Este é o ponto.
Pedro Tadeu in Diário de Notícias
terça-feira, 11 de maio de 2010
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Presto uma homenagem a estas linhas de Pedro Tadeu ,embora não concorde com uma parte da sua opinião.
ResponderExcluirO Estado deve respeitar os sentimentos religiosos de milhares de portugueses mas em momento de tão grave crise económica e financeira , deveria igualmente respeitar o sofrimento que outros tantos milhares já enfrentam.
Perder um minuto que seja da nossa já baixa produtividade ,é crime de lesa Pátria.
Que me perdoem os que acorrem a acolher e bem, Sua Santidade !