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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Festa d'O CANTO DO GALO - Parte 3

E, hoje, nesta que é a terceira e última parte do post que tratou do Lançamento d' O Canto do Galo, começamos da melhor maneira, com o curto speech da Margarida Ferreira dos Santos que, assim como a sua saia, foi mais curto do que o habitual.
Mas sempre optimista e bem disposto, isso sim, dentro dos parâmetros normais.


A assistência, sempre entusiasmada e cooperante, foi, sem sombras de dúvida, um dos motivos que mais contribíram para o êxito do acontecimento.





A Sofia Silveira acumulou 2 em 1.
Primeiro foi aplaudida como designer pela capa e grafismo do livro.
E, logo depois, como autora de um cos contos.
Foi a única que teve direito a Clube de Fãs, e tudo...
Sentiu-se um frisson entre o público feminino, era o Zé Viegas Soares, que tinha finalmente chegado e ia botar faladura...

Mas, o Feeling Estranho, sacou de um papel em branco e o discurso ficou por isso mesmo.
Excelente maneira de terminar uma festa que foi tudo, menos habitual e cinzenta.
Os sorrisos foram muitos, os parabéns e cumprimentos idem, idem, aspas, aspas...

Pela parte que me toca, espero que tenham gostado
e o meu obrigado pessoal a todos.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A Festa d' O CANTO DO GALO - Parte 2

Como prometido, cá estamos nós a apresentar a 2ª parte da trilogia do Post-Foto-Reportagem do lançamento d'O CANTO DO GALO, que terminará amanhã, neste mesmo local...
E recomeçamos com a Dalila Almeida, o que é sinónimo de entrarmos com o pé direito, pois a sua breve alocução foi um misto de inteligência, beleza e ironia acutilante, como é seu costume.
A seu lado, o Manuel Falcão escutava-a, embevecido.


Como nem tudo podia ser beleza, na noite que já ia avançada, surgiu, depois o Jorge Nascimento que apresentou, a uma plateia em delírio, a ária operática em que se tem baseado a sua, já longa, carreira artística - A Canção do Bandido.

Demonstrando que a concorrência é saúdavel, o Luís Costa ( do Don Pomodoro, nas Docas) esteve presente e, aproveitou, para fazer publicidade ao livro.

Depois de várias caipirinhas, entre a assistência, começava a notar-se um certo ar mais para lá do que para cá...











E por hoje, terminamos com um senhor respeitável ( bem, mais ou menos...), o Zé Manel de Sousa que nos apresentou o discurso mais longo do lançamento, pelo menos no tamanho do papel.

Toda a gente esteve bem disposta, com excepção de algumas crianças que devem ter achado isto tudo uma grande seca.
Mas, Criança sofre...
...Não perca, amanhã o final (...ufa!), desta saga empolgante !!!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Festa d'OCANTO DO GALO - Parte 1

O Post-Foto-Reportagem do lançamento
de O Canto do Galo
será publicado hoje, amanhã e depois,
neste mesmo local e horário.
Se gostar do original, não perca a trilogia...
Todos já estão carecas de saber que o lançamento do nosso Livro ( o primeiro) foi ontem, ao fim da tarde no Sabor a Brasil, Parque Expo.

A coisa até começou bem, com o fleumático Luís Alves, responsável máximo da Bizâncio, editora do best seller, a dar as boas vindas a todos e a tecer umas breves considerações.




O prosseguimento, com João Viegas sim, eu, moi même!,
deu a perceber que a cerimónia avançava rapidamente para a anarquia total.
A Vencedora do 1º Lugar do Prémio Galo/Bizâncio, Susana Moura-Carvalho, e o seu jeito irreverente e rufião, não ajudaram em nada a que a festa se tornasse algo de decente, bem comportado e, porque não dizê-lo, exemplo para algumas das crianças presentes.

Quando se aguardava, com ansiedade, que a 2ª classificada, Natália Gonçalo, debitasse algumas pérolas de cultura, eis que, também ela
começou por referir Mário-Henrique Leiria, exemplo bem acabado do anarco-sindicalista nacional.
A partir daí, já nada se podia esperar de bom...
A assistência era muito variada e eclética, abrangendo grupos etários muito variados, mas permitam-me (que remédio têm vocês, já que sou eu quem tem o teclado nas mãos)que refira quatro amigos que já não via há muito - o Francisco Faria Paulino, o Fernando Pinto, o Pedro Calapez e o João Cóias ( por coincidência, ou talvez não, todos ligados às artes, embora em campos distintos).


Por fim, lá chegou alguém com um discurso articulado - a Vanda Fidalgo,
3ª Classificada, que contou com o apoio e ajuda preciosa
da filha.


Já que não consegui nenhuma foto da Delfina com os nossos filhos, fica apenas a da Mãe que, na realidade, é a única pessoa decente lá de casa.

Entretanto a Vencedora e a designer Sofia Silveira ( ou SOFIA SILVEIRA!!! como gritava um admirador enlouquecido) continuavam na macacada, com o intúito, infelizmente alcançado , de abandalharem a cerimónia...
Pelos semblantes risonhos, as muitas dezenas de convidados presentes ( quase 200) divertiram-se bastante.
Esperemos que O Canto do Galo
lhes dê um prazer, no mínimo, igual...
Nota do "Galo": Não perca, amanhã, a continuação desta Saga.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Fico à espera...

Daqui a pouco, mais para o fim da tarde,
temos encontro marcado Aqui
para tratarmos do Lançamento deste...

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

É já Amanhã! É já Amanhã!!!

É verdade, é já amanhã, o Lançamento d'O Canto do Galo,
editado pela Bizâncio, uma recolha dos melhores MicroContos deste blog.
Já ouvi dizer, só para nós, que ninguém nos ouve
que a Moira de Trabalho vai chegar de bicicleta,
a Contessa e a sua imponente boquilha irão poluir o ar fresco do Parque Expo
e a La Payita aparecerá acompanhada con Duende...
A Margarida, a Quimera e o Feeling Estranho
debitarão pérolas de Cultura,
enquanto o Olhar do Planalto e a Su atacarão os pãezinhos de queijo.
O Zé Manel, que só amanhã irá chegar de Marrocos,
irá afogar o stress numas caipirinhas como só o Sabor a Brasil sabe fazer.
Duas faltas de peso, já confirmadas, são a MTH e o Alvega.
A primeira, por querer vir, mas estar longe...
O segundo, por estar perto, mas não querer vir...
Feitios.
Ah, o Pedro Foyos também não irá, pelas razões que ele próprio
irá explicar no seu post de amanhã.
Assim como o Adriano, que estará a voar.
Mas, em contrapartida, vão estar a Sapho( será que vai fazer strip em cima de uma mesa?),
a Miss Sixty, o Armando Cardoso, a Maria Moura, a Sandra S., a Princesa, o Mário Barros, a MCM, a PG, o Pedro Miguel P., o Kenny, entre muitas outras dezenas de Amigos do "Galo".
Contamos com a SUA presença. É para SI que tudo isto foi organizado !!!
Restaurante Sabor a Brasil
Parque Expo ( junto ao Casino de Lisboa)
Dia 24, terça feira
A partir das 18h30
( tem estacionamento subterrâneo)

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

E, hoje, é a vez da Medalha de Bronze

Depois da publicação das outras duas Vencedoras do Prémio MicroContos Galo/Bizâncio, temos connosco a Mafalda.
E, assim, terminamos esta pequena série de entrevistas.

Galo: Qual a sensação de ter ganho um dos Prémios MicroContos Galo/Bizâncio? Estava à espera?
Mafalda: Claro!!! ehehehe Era isso ou uma cabidela! Passo a explicar. Combinei com a amiga que me pôs nestas aventuras que lhe dava um livro se ganhasse ou então fazia-lhe uma cabidela. Ora como aquela coisa de sangrar galinhas não faz o meu género, investi em toda a espécie de mezinhas e feitiços caseiros para ver se influenciava os astros. E não é que funcionou?!?!?! Que eu não acredito, mas que as hay... Brinco! Não estava à espera, até porque me pareceu sempre haver tantos outros mais criativos que eu. Mas o júri decidiu e está decidido... E ainda bem! Olha eu agora de roda dos tachos a cozinhar a galinha!!! Assim, contribuí para a biblioteca de uma amiga. :)

Galo: O que achou desta iniciativa?
Mafalda: Gostei muito. Quando soube da iniciativa foi com esta introdução: "Olha, aqui está uma coisa à tua medida!". E foi. Diverti-me. Roí lápis. Estudei gramáticas. Consultei dicionários... Não queria fazer má figura e deixar ficar mal a D.Florinda, a minha professora primária. Gostei sobretudo de participar, de ler os outros autores, de me surpreender (mais uma vez) com o talento que existe neste País à beira-mar plantado... Também achei interessante que a partir de uma certa altura nos "sentássemos" todos a adivinhar pseudónimos. Esta coisa da cusquice lusa... A curiosidade que nos faz querer conhecer os outros, o nosso lado mais social e solidário (bem... tem dias!). Posso repetir "gostei, gostei, gostei"? Isto está a ficar monótono. Não gosto de entrevistas! grrrrrrrr

Galo: Excluindo-se, quais os outros Autores que mais apreciou?
Mafalda: Houve uma fase que não consegui acompanhar o Galo de Barcelos e, por isso, não li todos os MicroContos. Correndo o risco de ser injusta com os que não li e com os que agora não me recordo, lembro-me que gostei dos contos da Dear Prudence e da Mrs. Dalloway. Além desta (s) autora(s), lembro-me de ter gostado e comentado o conto da Gin Tónico. E depois temos os outros todos... Do Quin, do Feeling Estranho, do Dani Marrón, da Pinta... E tudo e tudo!!!

Galo: Se o “Galo” instituir, de novo, este Prémio, voltará a participar? Que eventuais alterações sugere?
Mafalda: Sempre! Já tenho o lápis a postos! Quando começa? Alterações? Hummmmmmm.... Página e meia? A 12 espaços? :)

E agora passemos ao MicroConto premiado...

Meditações sobre Cegonhas

Considerava-me razoavelmente preparada para os desafios da maternidade, consequência de ser a mais velha de uma extensa geração de primos e primas.
Mudar fraldas, pôr bebés a arrotar, cantarolar o cancioneiro infantil, fazer papas Cerelac, negociar birras, não apresentavam grandes mistérios para mim.
E assim aconteceu.Os primeiros anos correram sem sobressaltos, a desembaraçar-me nas grandes tarefas maternas, a improvisar nos primeiros desassossegos.Entrámos na idade dos porquês.
À cautela, a precaver o futuro, tinha observado cuidadosamente as perguntas dos petizes e as estratégias dos pais.
Tinha rido deliciada com as aflições de uns e outros.
Estava preparada, portanto.
Rapidamente percebi que explicar a origem dos bebés seria o menor dos meus problemas, e nem sequer tive de me socorrer do velhinho expediente da cegonha.
Nas primeiras inquirições sobre o assunto, coloquei o meu ar professoral, e entre conceitos da biologia e histórias de príncipes e princesas, a coisa deu-se.
Fui premiada com um espontâneo e desconcertante – “Que nojo!!!”,e uma providencial mudança de assunto.
Tinha-me safo! Por ora…
As primeiras gotas de suor que me escorreram pela testa surgiram com as birras por um brinquedo novo.
À tradicional resposta de “não tenho dinheiro”, a solução rápida e despachada:“- Vai ao Multibanco que ele dá-te as notas!”.
E a explicação intrincada sobre noções básicas de economia impôs-se.
Mas se o Banco é nosso, como dizem na televisão, é só ir lá dentro e pedir as notas, argumentava ela.
Pois, mas os bancos ficam com nosso dinheiro para que o apliquem em nosso benefício, porque assim ganha juros, dizia eu.
(Eu! A quem ensinaram sempre que não se deve mentir às crianças…)
E o debate académico sobre o funcionamento do nosso sistema fiscal prosseguia, terminando não raras vezes com a compra do almejado brinquedo…
A História de um país deve ser contada às gerações vindouras, por razões de cultura geral, mas sobretudo para que os erros do passado não se repitam.
Segura desta minha convicção, abracei a hercúlea tarefa de explicar a Ditadura e a Revolução. Quando dei por mim, dissertava histórias de ogres e fadas, polarizando a nossa História recente, num relato que se traduziu em noites mal dormidas, com pesadelos – ela – e insónias – eu.
Entre prisões políticas e cravos em espingardas, as descrições minuciosas sobre a cadeira do Salazar (teria espaldar? estava partida? e porque se lembrou ele de subir à cadeira?) e a confirmação quase sob juramento, uma e outra vez, de que está efectivamente morto.
E a grande questão colocou-se: as pessoas não podiam falar porque o Salazar lhes punha fita-cola na boca?
Ainda imbuída deste espírito, tenho levado a minha filha comigo a todos os actos eleitorais, momentos que aproveito para uma introdução aos princípios elementares da participação cidadã em democracia.
Na primeira vez, à saída da urna de voto, correu entusiasmada para a avó, aos gritos e apontando para as listas afixadas no recinto: “- A mãe votou naquele!!!”
E como explicar que um acto com consequências tão importantes na nossa vida tem de permanecer secreto?
Nos esclarecimentos sobre o “que é isso do Governo” também não fui feliz.
Declarou-se, peremptória, contra toda e qualquer instância que cometa o atrevimento de lhe dar orientações, gerais ou específicas, porque “nela ninguém manda!”.
E no final da cátedra, a tese.
Apresentada em toda a sua simplicidade axiomática, como só as crianças o conseguem fazer: “Votar é como as rifas.”

Mafalda

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Hoje apresentamos a 2ª classificada

Como prometido ontem, hoje é a vez da Gin Tónico, medalha de prata no 1º Prémio de MicroContos Galo/Bizâncio.

Galo: Qual a sensação de ter ganho um dos Prémios MicroContos Galo/Bizâncio? Estava à espera?
Gin Tónico: Não estava nada à espera!
Escrevi só um Conto, cheia de boas intenções, com imensas ideias para outros. Mas, sou preguiçosa por natureza, mesmo tendo um grande prazer quando escrevo!
Quando o João me telefonou, disse-me para eu me sentar e eu sentei-me; senão, tinha desmaiado...!

Galo: O que achou desta iniciativa?
Gin Tónico: Tal como o Concurso de Fotografia, este constituíu um desafio grande - ou ainda maior - à criatividade dos comentadores do "Galo".
Para além disso, o blogue ficou mais vivo e participado, com a colaboração de todos. É uma boa técnica de marketing, usada até na política, mas o João não é inocente nesta matéria...quero eu dizer no marketing!
E para quem escrevia, também era estimulante ver os seus próprios textos "chapados" alí, no ecran...
E é bom assim. Desta forma, estamos consigo mais "mano a mano"!

Galo: Excluindo-se, quais os outros Autores que mais apreciou?
Gin Tónico: Numa altura em que a Língua Portuguesa anda tão maltratada, foi um verdadeiro consolo poder verificar que os Autores dos Microcontos escrevem todos muitíssimo bem. Não lhes conheço a faixa etária, mas não devem ter propriamente vinte anos...
O Feeling Estranho é um autor muito especial, mas há muitos mais. Gostei imenso de um Conto do(a) James Starfield, "A Peregrina e o Guardião", mas há tantos !
O Alexandre Dumas Pai, o Ernesto, a Pinta, o Lourenço das Arábias, a Mafalda, o Peixe Chamado Wanda, a Dear Prudence, o Thoma La Graham com o seu Conto "Regresso a Casa"!
E ainda há o Carapau de Corrida; se eu fosse um membro do júri, acho que lhe tinha dado o primeiro lugar, só por aquele Conto chamado "Ano da Graça de 2009", sobre o Sócrates e o Magalhães...Escreve tudo seguidinho, sem pontuação, uma loucura, uma graça e........Actual!

Galo: Se o “Galo” instituir, de novo, este Prémio, voltará a participar? Que eventuais alterações sugere?
Gin Tónico: Claro que voltarei a partipar, se calhar só com um Conto! Quem sabe, dessa vez, não vou ganhar o primeiro prémio...
Este Concurso de Microcontos esteve bem assim mas, se voltar a ser instituído exactamente da mesma forma, vai tornar-se, provavelmente, um tanto repetitivo.
Deixo esse assunto ao seu critério, que é o Criativo de Serviço...

E agora só nos resta recordar a "Rua da Adiça".
Rua da Adiça
Eram os dois adolescentes, quando se conheceram.
Ela, filha única tardia, ele, filho único nem tanto, ambos a crescerem de acordo com os cânones da educação tradicional do final dos anos cinquenta.
As férias grandes, passadas na praia, num uníssono partilhado por eles e elas– e eram tantos e tantas, todos os anos - eram o momento único para dar largas ao despontar das primeiras hormonas da sensualidade e do desejo, aproveitadas, sempre às escondidas, para uns beijos roubados e umas carícias inocentes.
Apaixonaram-se. Com aquela paixão de adolescente julgada única, que parece que nunca vai acabar, que parece o fim do mundo, avassaladora, invasiva.
Os anos foram passando e, um dia, ele casou com a Ana Maria, também das férias de Verão passadas na praia.
Ela não entendeu. Adoeceu. Ficou na cama, no escuro, dias sem conta, com um fim do mundo diferente e sofrido, dentro da alma.
Depois, habituou-se, foi-se fazendo mulher e, anestesiada e indiferente, casou com o Eduardo, dois anos mais tarde.
Quando ele chegou da Guiné, da guerra, telefonou-lhe, a desejar-lhe que ela fosse feliz.
Ele, não era. Encontraram-se, num outro encontro de enorme alegria por se voltarem a ver, a conversa, agora mais madura, a fluir como se tivessem estado juntos na véspera, pela última vez.
As interrogações e as mágoas, invisíveis e indizíveis, ficaram por dizer, na ânsia de não manchar aquele momento que, nenhum deles sabia, talvez não acontecesse de novo.
Mas aconteceu. Uma, duas, muitas, muitas vezes.Um amigo dele tinha uma casa por ocupar,
na Rua da Adiça, em Alfama.
Deu-lhe a chave e aquela casa pequena mas cheia de encantos e de vista para o rio, passou a ser o lugar do amor, dos encontros, das dúvidas antigas já esclarecidas, da festa diária do reencontro, que o regresso à casa e à vida, dupla, de cada um, não tinha força para estragar.
Um dia, no momento da despedida, do até amanhã de todos os dias, do antes de a porta se abrir, a chave não deu a volta na fechadura.
Incrédulos, tentaram a faca, o alicate, a tesoura,a pinça, a lima, a chave de fendas e o martelo.
Mas não havia como evitar o inevitável.
Estavam fechados por dentro.Felizes.
Ainda hoje lá estão…
Gin Tónico
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A Vencedora do Prémio de MicroContos Galo/Bizâncio

Alguns dias depois de termos anunciado as três Vencedoras do Prémio de MicroContos, e após uma sessão de fotografias com as nossas heroínas, em que aproveitámos para lhes entregar os livros da Bizâncio, publicamos umas pequenas entrevistas e republicamos os MicroContos vencedores, para o caso de já não se lembrarem.

A entrevistada de hoje é a Dear Prudence,
as outras seguir-se-ão, no decorrer desta semana...

Galo: Qual a sensação de ter ganho o Prémio MicroContos Galo/Bizâncio? Estava à espera?
Dear Prudence: É claro que estava à espera.
Naturalmente, ficava-me melhor dizer que não…
Melhor dizendo, concorri para ganhar.
É que eu, feliz ou infelizmente, padeço desta gloriosa maldição que é ter nascido sob o signo do Leão.
E, francamente, concorrer para participar nunca foi o meu lema. Só concorro quando sei que posso vir a ganhar.
Talvez por isso nunca me tenha inscrito numa maratona de dança ou num concurso de bonsai… Mas que no final foi uma surpresa, lá isso foi.

Galo: O que achou desta iniciativa?
Dear Prudence:Há um aspecto muito importante que me ocorre nesta questão: se por um lado, escrever pode ser um acto de realização íntima, por outro, quando nos expomos gostamos de ter a certeza que é pelos motivos certos. Acho que nenhum dos contistas embarcaria nesta aventura se não estivesse seguro da seriedade e qualidade da dupla Galo/Bizâncio.
Em suma: a iniciativa foi muito bem vinda porque suscitou em todos os contistas, atrevo-me a dizer, o melhor de cada um no melhor dos contextos.

Galo: Excluindo-se, quais os outros Autores que mais apreciou?
Dear Prudence:É curioso; gostei de vários contos mas só
me identifiquei verdadeiramente com um contista: Maktub.
Desconfio, porém, que terá igualmente escrito sob outros heterónimos.
E que é uma mulher…

Galo: Se o “Galo” instituir, de novo, este Prémio, voltará a participar?
Que eventuais alterações sugere?
Dear Prudence:Voltaria seguramente a participar.
A escrita tornou-se, por causa deste evento, uma parte mais definida
e mais presente em mim.
Paralelamente, proporia um concurso que suponho manteria os leitores
ainda mais atentos à dinâmica da escrita: um concurso do tipo “descubra o autor!”
Isto é, um post à parte, com palpites acerca de quem será o autor do conto do dia.
Será um comentador habitual e qual? Será outro heterónimo de um mesmo autor?
No final, coligir esses dados e apresentá-los também sob a forma de um prémio
– e seu vencedor - seria tão entusiasmante como participar nos contos!
Uma espécie de Prémio Ovo de “Columbo”,
em homenagem ao famoso detective de olho de vidro da TV [Peter Falk].

E, agora, só nos falta relermos o MicroConto Vencedor...

O último Conto
A tensão entre os dois não faria imaginar o que se estava a passar.
Casados há quase 30 anos, os filhos fora do ninho, as carreiras estáveis, a casa de férias, as viagens para o Brasil, tudo era de uma previsibilidade angustiante.
Despediam-se de manhã com o beijo habitual, ele já de jornal numa mão e chave do carro na outra.
Ela ficava um pouco mais, para dar um ar de casa à mesma, como costumava dizer, e logo o imitava, a caminho do seu emprego.
As rotinas eram matemáticas.
Depois do trabalho, casa à hora do costume, jantar à luz do telejornal, serão em peúgas de andar por casa, a dormitar ferozmente no sofá, um e outro, para acordarem sobressaltados de madrugada, rosnando por uma cama, onde dormiriam a posta-restante de um sono mal temperado.
A intimidade entre os dois há muito que se esvaíra.
Fruto do quê, não sabiam dizer.
Demasiado acostumados, aventava ele ao espelho enquanto fazia a barba;que sempre fora nenhuma, assegurava ela dentro de si.
E assim passaram as últimas décadas até ao momento em que ela se apercebeu que ele mudara.
Não sabia há quanto tempo mas pudera constatar,sem qualquer fio de dúvida, que ele chegava a casa cada vez mais cedo e era logo vê-lo sumir-se no escritório, até ser arrancado para a mesa do jantar.
Depois deste, lá voltava ao computador, deixando para trás as peúgas de trazer por casa sózinhas, sob a almofada do sofá.
E só voltava a encontrar a mulher já na cama, depois da birra de sono que esta envergava sempre antes de subir para o quarto.
Começou, até, a levantar-se mais cedo.
O computador, o seu destino.
Intrigada, naturalmente que ela lhe perguntou o que fazia naquelas horas.
Primeiro, timidamente, lá lhe confessou que agora colaborava num blog e que lhe estava a dar grande prazer poder escrever e ser lido.
Como essa pergunta da mulher mostrava que ela se interessara,tomou isso como um convite e todas as noites partilhava com ela os posts, os comentários, os comentários aos comentários.
Inicialmente ela achou aquele hobby, se não inofensivo, pelo menos construtivo.
Ele sempre gostara de escrever, sabia ela pelas cartas de antigamente que trocaram nos tempos da tropa; que guardava escritos nas gavetas da secretária e até que os acarinhava, o que concluiu pelos cantos desgastados dos papéis sortidos.
Mas não tardou muito para que ela começasse a sufocar naquele labirinto de relatos que lhe toldavam a atenção dos concursos da TV ao serão.
Optou, primeiro, por fingir que não ouvia, esperando que o seu desinteresse o levasse a desistir. Como não resultou, partiu para o contra-ataque: desancava os temas, insultava os comentadores, ridicularizava os nicknames, tudo servia para agastar aquele fervor da escrita do marido que lhe tirava o sossego.
Chegou mesmo a chamá-lo de imaturo por precisar daquele mimo cibernauta para lhe dar consolo."Essas massagens virtuais ao teu pobre ego mal acarinhado só vão contribuir para que a solidão te consuma e, em última instância, que destruas o nosso casamento!”- foi a afirmação que rotulou como último aviso.
E, de facto, ele cada vez mais se consumia.
Revirava agora as gavetas buscando os papelinhos escrevinhados para reciclar e dar-lhes outra roupa; as histórias lúdicas da infância, os episódios épicos da tropa, até anedotas ele via e revia para ter matéria sobre o que escrever.
Por fim, uma bela tarde no emprego, olhando-se ao espelho da casa de banho, ele viu-se.
Mais magro e olheirento.
Mal escanhoado pela pressa da manhã.
O chefe a impor-lhe ultimatos pela sua falta de dedicação.
Isto tinha que acabar.
Passou as mãos molhadas pelo rosto e ficou assim, mais uns momentos, pingando para o lavatório a estranhar aquele homem do reflexo.
Decidido, irrompeu pelo gabinete.
Pôs umas vírgulas num último conto que escrevera, publicou-o no blog e despediu-se deste, para nunca mais voltar.
Resoluto, voltou para casa.
Cheio de vida, observava cândido a realidade que sempre ali estivera, esperando por si: as árvores da sua alameda, o cheiro a pão quente da fornalha vespertina da padaria, os bancos apinhados de namorados e as suas inscrições nas cascas dos plátanos.
Encheu o peito de ar e subiu o alpendre de casa, decidido a mudar também o rumo do seu casamento.
Sentia no ar o cheiro incontornável do amor.
Rodou a chave e sentiu um arrepio.
Não havia móveis, apenas a sua secretária com um post-it colado ao computador.
O calafrio tomou a forma de um aviso de desmaio e sentou-se.
Pôde então ler:
“Vou viver outra realidade que não a virtual”.
A sua mulher fugira com o im4real69.

Dear Prudence

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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Prémio MicroContos - Os Vencedores

Quando se faz Anos, tem que haver Presentes, se não corremos o risco da Festa não ter a animação e alegria necessárias,
sempre associadas a este tipo de festejos.
E, então, hoje, dia em que o ”Galo” comemora o seu 1º Aniversário, resolvemos dar a conhecer os Vencedores do 1º Prémio de MicroContos Galo/Bizâncio.
Vencedores, é uma maneira de dizer, porque, na realidade são três Vencedoras…
Mas deixemos o suspense e passemos ao enunciar dos nomes dos MicroContos vencedores e das suas Autoras.

Em 1º Lugar ficou o “Último Conto” o que vem provar, mais uma vez, que o “Último” pode ser o Primeiro, da Dear Prudence.

Em 2º, a “Rua da Adiça” da Gin Tónico.

E em 3º, foi a vez das “Meditações sobre Cegonhas” da Mafalda.

Estas três Autoras irão receber, como está escrito no Regulamento,
30 Livros da Editorial Bizâncio para a 1ª Classificada,
15 para a segunda e 10 para a terceira.
Todos os outros Autores ganharão, o que não estava previsto, as “Memórias de um Mestre Falsário” de Graham Joyce, igualmente da Bizâncio.

Mas, na realidade, nesta iniciativa do “Galo”, a que a Bizâncio aderiu desde o início, não há vencidos nem vencedores.

Melhor dizendo, somos todos Vencedores.
Pela adesão maciça ao projecto, pela qualidade geral dos MicroContos, pela alegria que tivemos na sua elaboração, pelo gozo desse trabalho ir originar uma Edição escrita, a sair em Novembro. Enfim, os aspectos positivos são inúmeros…

Para terminar, quero dizer que a escolha dos Premiados, por minha opção e devido ao facto de manter relações de amizade com alguns dos Autores, foi da responsabilidade de um Júri formado por profissionais ligados à Edição, tendo como presidente do mesmo, Luís Alves da Editorial Bizâncio.

E agora, comecem já a escrever novos textos.
Quem sabe se, um dia destes,
não vamos repetir esta iniciativa ?

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

História de muitas entradas e uma saída

O nº 3 da rua Alvares Fagundes, tem 4 andares e em cada andar Há um direito e um esquerdo.
Hoje é dia de grande animação no nº 3 da rua Alves Fagundes. Talvez fosse melhor dizer dia de grande confusão porque dos oito inquilinos, dois por andar com direito e esquerdo como já anteriormente se disse, apenas a moradora do 4ºdireito é a mesma desde há 83 ano, ou seja em 1924 nasceu naquele 4º andar e por lá foi ficando, ainda que entre o dia de hoje e o dia de há 83 anos atrás quando entrou pela primeira vez no 4º direito, tendo é claro saído de uma habitação considerada muito mais confortável, a Dona Generosa fez algumas saídas, umas vezes bem acompanhada, outras vezes não tão bem acompanhada, algumas mesmo mal acompanhada, mas a verdade é que regressou sempre ao nº 3 da rua Alves Fagundes.
Mas hoje é um dia muito especial, porque hoje os outros 7 inquilinos estão a entrar. Da sua janela a Dona Generosa Angelina, assim se chama a inquilina do 4º direito, conhecida nos seus tempos de entradas e saídas, umas vezes bem acompanhada, outras não tão bem acompanhada, outras ainda mesmo mal acompanhada, tinham-lhe granjeado uma troca de ordem onomástica, que é como quem diz, com o passar dos tempos a Dona Generosa Angelina passara a ser conhecida pela “Angelina generosa”. Generosa nas suas saídas, generosa nas suas participações com as companhias que a acompanhavam e que por vezes eram boas, outras nem tanto e outras eram mesmo más.
Mas a verdade é que a Dona Generosa Angelina, ou “Angelina generosa”, como era conhecida na rua Alves Fagundes, comprara, ou haviam-lhe comprado o nº3, e hoje da sua janela via chegarem os seus inquilinos.
O senhor Olegário Arques para o 4º esquerdo, que a Dona Generosa Angelina sentia ter todas as condições para relançar a “Angelina generosa”havia já uns anitos desaparecida. A jovem Radu para o 1º Direito, uma certa Leonilde para o 1º Esquerdo.
E nesse mesmo dia, ainda que um pouco mais tarde entraram a Joana Picão para o 2º Direito e a Julieta Bemposta para o 2º Esquerdo.
E ainda nesse dia, que o tempo não perdoa, enquanto todos os inquilinos entravam no nº3 da rua Alves Fagundes a Dona Generosa Angelina, a quem o senhor Olegário Anes despertara a “Angelina generosa”, saiu pela última vez do nº3 da rua Alves Fagundes numa companhia que não se enquadrava naquelas outras que às vezes eram boas, outras nem tanto e outras eram mesmo más.
Desta vez a Dona Generosa Angelina saiu como Dona Generosa Angelina… acompanhada de uma estranha figura que mais parecia um anjo do que qualquer outra coisa. E enquanto o anjo e a Dona Generosa Angelina se iam esfumando a “Angelina generosa” ainda lançou um olhar de mágoa ao senhor Olegário Arques, como se o pobre, que mal a conhecia, por ela pudesse fazer alguma coisa.

Contos do Feeling Estranho

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O descanso do Guerreiro

Tinha, realmente, uma figura garbosa.
Do alto do seu alazão, de um branco puro, luminescente,
o cavaleiro impressionava, transmitindo segurança, valentia
e a calma tranquilidade de quem já combatera, em terras mouriscas,
contra exércitos de infiéis, bandos de salteadores ou camponeses esfomeados.
Caminhava há largas luas, de regresso a casa, para sarar as feridas do corpo e da alma que lhe doíam, cada uma mais profunda que a outra.
Quando passava por uma qualquer pequena aldeia, onde só as mulheres e crianças permaneciam, era saudado com os olhares cobiçosos das jovens viúvas, sorrisos atrevidos das solteiras roliças e um interminável jogo de sedução por parte do mulherio, no geral, abandonado, há muito, pelos homens afastados em guerras sem razão, para defesa dos interesses do Rei.
Mas ele seguia absorto, lembrando os amigos mortos em terras do Norte de África, as violações a que assistira, as pilhagens e saques, a violência e a morte, que o perseguiam não o deixando dormir, nem afastar da frente os demónios, que teimavam em persegui-lo.
Até que um dia, exausto, deparou com uma pequena casa, bem no meio da floresta frondosa, cortada pelo ruído de um riacho.

À porta uma jovem morena, de tez tisnada e cabelo asa de corvo, sorria-lhe
com um ar misterioso e insinuante, que lhe desfez todas as defesas que o tinham acompanhado nas última semanas.

Retirou o capacete de ferro e sacudiu o cabelo louro, há muito aprisionado pelo elmo pesado.
Pousou a couraça junto ao cavalo, que matava a sede numa vasilha de água próxima.
Encostou o escudo e a lança à entrada da habitação.
Num canto, amontoou a alabarda, a besta , o machado de guerra, o arco e as setas, as diversas adagas, a maça, o machado duplo e o porrete.
Despiu o colete e o peitoral, retirou os sapatos de aço e as manoplas.
Puxou pela cabeça a cota de malha, o corselete de couro e o gibão de peles.
Por fim, desfez-se da túnica e da camisa de algodão.
A espada, que sempre o acompanhara, foi deixada ao abandono sobre o murete do poço.

Depois seguiram-se horas de volúpia e prazer.
Os sentidos, há muito adormecidos, soltaram-se em vagas de paixão sensual.
Nos curtos intervalos soube que a jovem, Miriam di Florentis, era filha de um abastado comerciante, que viajara até ao mercado da terra mais próxima.
Quando o cavaleiro, trôpego e vacilante, se levantou da cama, a luz de um novo dia, já irrompia quarto adentro.
Despediu-se da donzela, que permaneceu no leito, langorosa, e preparou-se para prosseguir a sua viagem.

Junto ao seu corcel, não encontrou qualquer arma ou peça da armadura, com excepção do camisolão de algodão que se apressou a vestir.

Só então reparou na tabuleta de madeira, que se encontrava dependurada da janela do sótão:
“ Di Florentis – Sucateiro fino”

Itálico
Alexandre Dumas Pai, d’Outras Filho

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Almoço de Verão

Foram chegando, mesmo antes de o almoço estar pronto.
Muito antes.
A mãe com um ar feliz por ter a família reunida.
Mesmo assim a queixar-se das dores que lhe deformam as mãos. O irmão que a tinha trazido, sempre com aquele ar de massacrado pela vida, estende-se na chaise longue a ler o jornal e logo desconecta.
Os rapazes mergulham na piscina quase vestidos.
Chega o outro irmão que logo pergunta se pode ir até ao computador.
Precisa de enviar um mail importante.
O filho vai ter com os outros rapazes à piscina e falam inglês animado.
A irmã ataranta-se porque ainda não está pronta.
A cunhada fica a fazer conversa na cozinha enquanto ele prepara o almoço pachorrentamente.
Quando tudo fica pronto é difícil reunir toda a gente.
O irmão absorvido na internet, recebe um grito da mulher: “como de costume consegues enervar toda a gente”.
Mesmo assim ele não vem. Os rapazes não saem da água. A mãe desaparece no jardim. “Sempre gostei de verde”, diz quando finalmente chega à mesa.
O irmão chega directamente da chaise longue encurvado e anuncia que está todo dorido porque na véspera esteve a fazer experiências com as plantas, ao ar livre, de cócoras.
Os rapazes querem ir para a mesa em tronco nu, estilo impensável para a irmã.
A irmã decide que não se espera pelo irmão que navega pela internet.
A mãe senta-se à mesa e o almoço começa.
Está tudo óptimo, comentam todos.
Da internet chega o irmão que atira com aquele seu jeito desajeitado: “então, o que é que se passa aqui?”. A mulher lança um suspiro enfadado.
O irmão fala do grande amigo que tem a mulher com um cancro.
O amigo ganhou uma prateleira no emprego.
A irmã do amigo, que já foi mulher dele, “está louca varrida”, acabou de se separar e tem um amante.
Os rapazes trocam olhares cúmplices.
Ele diz que tem uma viagem de trabalho marcada para a Austrália mas não vai.
“É muito comprida e eu já não tenho idade, estou velho, é lixado”.
Pressentido o evoluir da conversa de doença em doença, até chegar a palavra morte, a irmã tenta desviar o rumo e começa a disparar pequenos episódios felizes.
O irmão massacrado pela vida desmonta tudo com a mordacidade que lhe é conhecida.
A mãe diz-lhe que assim a vida nunca valerá a pena e os dois entram num taco a taco que mais parece uma discussão conjugal.
É uma discussão conjugal, tal a relação que estabeleceram desde que o pai morreu e ele se divorciou.
Chega a sobremesa, de ovos, muitos ovos, que a cunhada não come por causa do colesterol.
E de novo o rol das doenças começa a ser desfiado.
A tudo isto ele assiste pachorrentamente a beber a sua vodka já depois do café.
A irmã declara que a má hora do sol terminou e que podem dar um mergulho.
De novo todos dispersam. O irmão dorido adormece num sofá.
A mãe pega num jornal e cabeceia.
A cunhada estende-se ao sol e aproveita a hora boa.
O irmão desanca Portugal.
A irmã junta-se aos rapazes, que parecem peixes dentro de água, como que a buscar energia.
Quando chega a hora da partida, a mobilização é de novo difícil.
O irmão massacrado esquece-se de se despedir, tal como os rapazes.
A mãe diz “vamos deixar estes senhores em paz”. Partem.
A irmã não fica em paz e atira-se para dentro de água.
Cá fora o fim do sol reconforta-a.
Ele pergunta-lhe se quer jantar.

Pinta

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Os lixos e a alma, ou a alma nos lixos

“Ah! Ah!...foi desta que te apanhei; então andamos a tentar perder uns quilos e tomamos YZX34!!!”
- Olá vizinha! Como vai?
- Olá, … desculpe? Conhece-me?
- Luciano Cortial.
- Ah! E...
- Seu vizinho de baixo. Não me diga que nunca reparou...
- Não! Se quer que lhe diga, nunca reparei... Ah! espere não é o senhor que costuma olhar para o caixote do lixo? Olhar... Olhar não será bem, o senhor mexe no lixo! Porque é que faz isso?
- Bom... eu...eu... não mexo no lixo... Sabe... tenho uma teoria, o lixo de cada um é um retrato da sua alma.
- Da minha alma?
- Sim, sim da sua alma.
- E o que é que o senhor tem a ver com a minha alma? Não lhe parece, que a ser verdade o que diz, está a invadir a privacidade de cada um?
- Bem...pois...
- A partir de agora, de cada vez que deitar para o lixo qualquer coisa vou pensar que o senhor me está a observar... a espreitar a minha alma...
- E isso desagrada-lhe?
- É evidente, não? E se eu espreitasse o seu lixo? Que disparate! Eu quero lá saber do seu lixo... que porcaria.
- O meu lixo é uma porcaria?!... Como é que sabe? Já espreitou?...Já. Já espreitou. Ah! Ah!
- Já espreitei...o seu lixo!? Que pretensioso. Sabe o que lhe digo?
- ...mas gostava muito. Diga, diga.
- Digo-lhe que a sua teoria além de porca e mentecapta é completamente inútil.
- Como assim?
- Pois não é preciso espreitar o seu lixo para lhe ver a alma... esta conversa é mais do que suficiente...
- E a minha alma é?...
- Um lixo, claro! Adeus…tenha um bom dia.

Contos do Feeling Estranho

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Que belo dia de praia

Todos os anos ia até ao Algarve passar uns dias, mas ficava sempre na mesma zona.
Ali estava rodeado de praias da moda, centros comerciais, restaurantes de autor, praças de touros, parques temáticos e aquáticos, lojas de marca, supermercados, cinemas, condomínios fechados, spas, discotecas e bares, enfim, todas as comodidades modernas a que não conseguia fugir, mesmo durante aquelas duas semanas de férias em que deixava o escritório de advocacia na mão dos seus sócios, de longa data.

Mas naquele dia, meteu-se no seu Alfa Romeo topo de gama e rumou para outras paragens. Queria experimentar algo de diferente…

Passou Faro, Loulé e Tavira e virou à direita, pouco depois de Cabanas.
O letreiro dizia Cacela. Foi seguindo uma estrada de terra, tortuosa, até parar num local que uma tosca tabuleta indicava como Fábrica.

Sentiu-se noutro mundo.
A Natureza em toda a sua plenitude.
Uma língua de areia que se espraiava entre a Ria e o Mar.
Atravessou para o outro lado, numa moderna chata de fibra de vidro que substituíra os antigos barcos de pescadores a remos e, posteriormente, com motor fora de borda.
O condutor da embarcação recomendou-lhe o arroz de lingueirão, especialidade do restaurante que se debruçava sobre a Ria.

Passeou no areal quase deserto.
Como uma criança, sentou-se a apanhar berbigão, que parecia brotar da areia.
Seguiram-se as cadelinhas com que encheu um saco de plástico que trouxera com algumas peças de fruta.
Sentia o sol forte a queimar-lhe a pele.
Deitou-se nas piscinas naturais que, aqui e ali, se formavam de maneira aleatória.
A água morna fê-lo esquecer a friagem de outras paragens.
Entretanto a maré ia subindo.
Os poucos banhistas foram-se, levando os filhos pequenos, pela mão.

Foi passando de ilhota para ilhota, com cuidado porque os seus dotes natatórios eram escassos, muito escassos.
Cansado, acabou por adormecer, extasiado de contentamento.
Há muito que não se sentia assim purificado, livre, selvagem.

Horas depois, quando acordou o sol já desaparecera.
O ilhéu onde se encontrava, reduzira-se a uns poucos metros quadrados.
A água, com metros de profundidade, impedia-lhe a fuga.
E subia, impiedosa.
Tentou gritar, esbracejar. Ninguém o ouviu.

O último som que emitiu foi um gorgolejar estrangulado…

E a praia lá continua lá, linda, selvagem e quase desértica.

Ernesto E. Minguêi

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Rocinha

A vida na Rocinha estava para lá do suportável.
Até então toda a gente sabia, conhecia e assistia ao trafico diário de droga mas as lutas entre facções pelo domínio de áreas residenciais com melhor posicionamento passou a ser uma constante, imperando a força das armas cada vez de maior calibre e sofisticação.
O tempo da simples pistola de 7 mm ou caçadeira de canos serrados, calibre 12, já fazia parte do passado próximo, agora a M16, a conhecida Kalashnikov, Uzis e outras mais, passando por granadas ofensivas e também as de efeito moral, eram usadas a torto e a direito, tornando quase impossível a entrada da policia civil ou mesmo do BOPE, nas ruelas estreitas e muito inclinadas. Ali o “caveirão” também não chegava.
E a certa altura, também os moradores começaram a ser vitimas inocentes.
Ela não aguentava mais. Apesar de um emprego certo na Rua do Ouvidor, bem no centro do Rio de Janeiro, resolveu partir, deixar a Rocinha, deixar o Brasil.
As lágrimas das despedidas foram muitas mas a decisão estava interiorizada e firme.
Ivonete chegou a Lisboa com uma pequena mala e um sujo papel onde anotara os números de telefones de quem partira antes dela.
A entrada na Europa não foi fácil, a antipatia em relação aos que chegavam ao Aeroporto de Lisboa vindos do Brasil, foi patente.
Mas a sua graciosa figura, o sorriso bonito e simpático bem como o relato que fez dos amigos que a esperavam, tudo isso ajudou a vencer aquela desagradável barreira.
No Bairro onde vivia o casal que a recebeu de braços abertos e com alegria incontida, a sua primeira noite foi de muita tristeza, a saudade era muita e quase não dormiu.
No dia seguinte foi conhecer um pouco da cidade, bem diferente do que imaginara.
Apreciou a cor predominante, o rosa dos telhados antigos e passeou pelo Parque das Nações sempre acompanhada pela gaúcha amiga que lhe dera guarida.
Depressa lhe encontraram um emprego, fruto dos contactos que conseguiu aproximando-se de outros brasileiros, visitas da casa sobretudo aos fins de semana, tempo de cachaças importadas do Brasil e de feijoada bem à moda carioca.
Não era uma vida fácil ,mesmo nada fácil.
Levantava-se cedo e deitava-se tarde, às vezes já para lá das duas da madrugada.
O cansaço de muitas horas em pé labutando na cozinha do restaurante era vencido pela vontade de vencer um desafio que desenhara ainda no Brasil em busca de um futuro sonhado em torno de uma família e de guris, sim, mais de um talvez e de preferência um casalinho.
Sentada no decrépito autocarro que todos os dias a levava a casa, o ultimo da carreira que terminava em Loures, não raro adormecia logo nos primeiros minutos para só acordar quando sentia o motor desligado.
Num dia que jamais esqueceu, adormeceu e nem sentiu que a cabeça tombava sobre o passageiro vizinho.
Este, quase educada e gentilmente, não se mexeu até Ivonete acordar no final da viagem.
Envergonhada, pediu desculpa.
Ponto de partida para um namoro intensamente vivido e que acabou naturalmente, num convite para ir viver com Jónatas.
Pegou nos seus parcos haveres e com ele seguiu num final de dia, para um bairro que desconhecia mas que não ficava muito afastado daquele onde vivera desde a sua chegada a Portugal.
Quando entrou no minúsculo apartamento logo reparou num belo papagaio morto, junto á janela.
Era o Serafim.
Mal teve tempo de largar a pequena mala e logo Jónatas lhe disse que no dia seguinte, partiriam para outro qualquer bairro.
Queria viver este grande amor em segurança. Ali era impossível.
Partiram na manhã seguinte. Era sábado.

Carapau de Corrida

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Trinta segundos

Começou por lembrar-se da importante reunião que fazia daquela viagem uma viagem a reter e passou rápida e mentalmente pelos documentos confidenciais arrumados no fundo da pasta fechada com um código de segurança que ele próprio desconhecia para de repente se lembrar do telefonema que a irmã lhe fizera na véspera anunciando que ia ser operada sim era maligno embora não soubesse ainda quão maligno para já não iam dizer nada à mãe vamos deixar passar o natal dissera ela e ele a lembrar-se do primeiro natal sem o pai não sofrera demasiado o pai mas o último internamento tinha-se feito mesmo anunciar como o último já sem conseguir comer e com fralda e aquele rosto entre a súplica e a despedida na última visita ficas bem e ele a saber que no dia seguinte já não o encontraria era sempre assim conseguia pressentir os últimos momentos de qualquer situação como quando o telefone tocou naquela noite e ouviu a voz da mãe do outro lado sem falar e ele só teve tempo de soltar um enorme grito vindo das entranhas e largar o telefone que ficou pendurado e o momento em que o padre recita que deus sabe o que faz e temos de nos resignar nunca se resignou e agora até sorria a lembrar-se fugidiamente porque é que o irmão se ia divorciar afinal a mãe tinha razão a nossa vida dava um guião para o almodôvar onde há sempre uma lésbica e um doente terminal e um morto em circunstâncias sórdidas a mãe sempre a manter a realidade muito real para não se desintegrar de vez e ele volta a pensar na reunião importante o que iria acontecer agora sim ele tinha avisado que era melhor enviar os documentos por avião e ele chegaria depois seria agora que se iam confirmar as suspeitas de que conseguia sempre anunciar o que ainda não tinha acontecido e foi neste momento que o carro se imobilizou e ele só sabia que estava ali e que conseguia mexer-se mas não conseguia perceber em que posição estava quando viu a cara de um bombeiro ao contrário a querer abrir a porta do carro sem conseguir e depois mais um e outro naquilo a que ele já tinha ouvido chamar desencarcerar e foi aí que se viu dentro de uma ambulância cheio de saquinhos e tubos.
No dia seguinte acordou no hospital com uma festa da mãe e disse-lhe: “agora sim, temos o trailer do filme da nossa vida”.

Pinta

terça-feira, 14 de julho de 2009

Terão sido elas ?

Dizer que o barulho me perturba é uma afirmação que precisa ser demonstrada.
No entanto não deixa de ser verdade que alguma coisa me está a perturbar... tanto assim que já perdi três jogos e o Luís é um dos jogadores mais fracos que já defrontei.
Então porquê três jogos?
É verdade que é a primeira vez que jogo nesta sala; é verdade que nunca aqui tinha vindo; é verdade que este grupo feminino que dança, ou que se esforça por dançar, ou tentar dançar me desconcentra... mas também é verdade que já joguei em ambientes muito mais barulhentos e não foi por essa razão que perdi...
Procuremos então a causa.
Bom se calhar foi por isso que já perdi três jogos.
Ponho-me a pensar nas razões que me levam a desconcentrar-me... e zás, desconcentro-me... e perco.
Bolas, este também já foi... que raiva. Assim vão quatro...
Se o Luís chegar aos seis...mas com este já está perdido, vamos aguentar, aguentar, e ao mesmo tempo tentar perceber a causa...
A sala é decadente, mas simpática, os espelhos do fundo um espanto.
O chão é novo. O grupo que dança, ou que tenta dançar é heterogéneo, só mulheres, melhor todas do sexo feminino, porque há ali uma ou duas que são miúdas e dois homens.
Bom, um é brasileiro... e canta e manda... e canta... e dança... e o outro?...O outro?
O outro é um caso. Dançar, não dança. Falar? Não me parece... cantar? É evidente que não...
O que é que ele faz? Ah! agarra na mão da mais miúda das mulheres...porquê?
Porque a rapariga foge? Porque... a rapariga faz disparates?
Porque os pais lha deram à guarda? Porque... porque...
Pronto lá perdi a merda do jogo... E vão cinco.
Caraças se eu não saio desta vou ter de pagar o jantar ao Luís...
E elas saltam... e elas cantam... e elas dançam... e as cartas...
Só faltava este... O Jeremias de sobretudo...“Olá, estás bem?”
E agora senta-se e olha-me para as cartas... e aquelas gajas que pulam... gritam... dançam.. dançam?
... A dançar fico eu se perco este jogo... Gaita... Como é que eu não vi que o Rei ainda não tinha saído? Pronto, mais uns pontos para o Luís... e o Jeremias a tirar o sobretudo... que cheiro a naftalina...
E a música...música? Se isto se chama música...
Irra, que merda, o gajo tem os trunfos todos... as gajas também têm todas... caraças...lá se foi a dama... merda... decididamente não tenho sorte com as mulheres... aquelas ali gritam mais do que cantam... as daqui vão todas para o Luís... e... pronto... lá vou ter que pagar o jantar a este gajo.

Contos do Feeling Estranho

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O amante das Praias

Quando viu, lá ao longe, vislumbres do areal,
sentiu uma comoção forte.
O barulho das ondas e o sabor salgado que se aspirava no ar,
trouxeram-lhe à memória recordações há muito esquecidas.

Quando era miúdo costumava ir para Moledo, com os pais.
Lá todos se conheciam, as famílias e as conversas eram sempre as mesmas.
A água muito fria não o impedia, a ele, aos primos e amigos,
de passarem horas dentro de água
em folguedos que ainda o excitavam, só de pensar.

Depois, quando o pai foi transferido, iniciou-se a época do Tamariz,
com idas ocasionais até ao Guincho.
Queques e muito vento, os primeiros namoros
com as meninas benzocas da sociedade local,
as fumaças às escondidas, os beijos no Jardim da Parada.

A seguir a vida dera muitas voltas. Passara anos em Angola.
Experimentara a água quente da Ilha
e as praias paradisíacas do Mussulo.
Em viagens até Moçambique,
deleitara-se com as areias finas das Chocas e de Macaneta.
Pensara nunca voltar a conhecer lugares como aqueles.

E agora, estava prestes a entrar na famosa praia da Quinta do Lago.
Iria encontrar alguém conhecido do Moledo ou do Estoril?
A praia era definida como habitat estival
de muitos dos colunáveis nacionais.
Dizia-se que os famosos só o eram realmente
depois de comerem um peixinho grelhado
no Gigi, pago a peso de ouro.

Interrogou-se. Que fazer se encontrasse a Bebé Estarreja,
a sua primeira namorada, que abandonara sem uma palavra?
E se se cruzasse com os primos Tarouca,
cúmplices de tanta asneirada, adolescência fora?

Encolheu os ombros e fez um exame rápido à sua apresentação.
Trinta anos, forma física invejável, forte bronzeado natural.
Bermudas pelo joelho, um pólo tradicional de alvura total.
O Ipod colocado com displicência, embora desligado.
Remexeu, uma vez mais, o dinheiro no bolso, para se sentir confiante.

Depois pisou a areia com firmeza, ajeitou a cesta a tiracolo.
E gritou, bem forte:
“- Olha a Bola de Berlim fresquinha, olha a Bola com creme…!!!”


Margarida Robalo Pargo

domingo, 12 de julho de 2009

Atenção aos Autores de MicroContos

No dia 12 de Março, já lá vão quatro meses, publicámos o 1º MicroConto, da autoria de Quin, para o Prémio MicroConto Galo/Bizâncio, que então se iniciava.
"Víctor e o seu lápis" era o título desta estreia.
Agora, com cerca de 120 MicroContos originais postados, abrangendo muitos temas, estilos e géneros, achamos que é altura de começarmos a pensar no final desta iniciativa, que ultrapassou, em muito, o que poderíamos esperar.
Até ao dia 15 de Agosto continuaremos a receber originais ( que deverão ser enviados para jv@lunebleu.pt e não ultrapassar uma página A4 em corpo 11 ou 12) a serem publicados até finais de Agosto.
Depois disso serão escolhidos os três premiados e voltaremos a falar na hipótese da edição de um livro, a sair por alturas do Natal.
E agora mãos à obra. Aproveitem as férias para passarem para o papel aquelas ideias que teimam em continuar dentro da vossas cabeças.
Fico à espera...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

O Assaltante Misterioso

Embora profissional há muito tempo, sentiu um estremecimento
ao olhar a casa que se destacava contra o luar,
parecendo ainda mais sólida e tenebrosa do que era, na realidade.
Nem o seu curriculum, cuidadosamente elaborado,
lhe estava a transmitir aquela confiança de que tanto necessitava.

Começara a assaltar casas, ainda adolescente.
Sempre sem violência, sem molestar nenhum dos habitantes
e concentrando-se, apenas, nas jóias e numerário que encontrava.
O seu estilo discreto, começou a ser facilmente identificável
e a polícia passou a apelidá-lo de Assaltante Misterioso.
Durante anos, o Assaltante Misterioso aparecia nos principais jornais,
envolto nalguma áurea de romantismo.
Depois, como não havia violações, mortes ou grandes roubos,
à mistura, foi passando para notícias cada vez mais pequenas,
enterradas nas páginas, lá do fim.

Mas não se podia queixar, nunca ninguém suspeitara dele,
nunca fora visto por nenhum dos assaltados,
as autoridades não tinham uma única impressão digital sua
e, felizmente, as pessoas continuavam a deixar as jóias
em qualquer gaveta, misturadas com a roupa interior,
e o dinheiro numa carteira pousada, com negligência,
na escrivaninha da entrada.

Mas nesta noite, tinha uma má premonição.
O caso, ou a casa, era diferente…

Olhou, demoradamente, o arame farpado sobre o muro.
Verificou o sistema de alarme e os focos de detecção
sensíveis ao movimento,
tacteou o blindado da porta de acesso ao jardim.
Depois escolheu, com cuidado, entre o seu enorme molho de chaves,
a mais apropriada e com um gesto determinado introduziu-a na fechadura.
O clique de resposta e o silêncio seguinte transmitiram-lhe a confiança de que tanto precisava.

Deslizou pelas sombras do jardim e descobriu a porta da cozinha fechada, apenas, no trinco.
Já dentro de casa, percorreu o corredor e subiu até ao primeiro andar.
A zona dos quartos.
No aposento maior, viu uma enorme cama de casal e um vulto que resmungou:
- Augusto, és tu? Outra vez, a entrares em casa tão tarde?
Augusto, o Assaltante Misterioso, só teve presença de espírito para responder:
- Continua a dormir, querida, estou a levantar-me, tenho que ir trabalhar mais cedo, hoje…

Ernesto E. Minguêi