quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O descanso do Guerreiro

Tinha, realmente, uma figura garbosa.
Do alto do seu alazão, de um branco puro, luminescente,
o cavaleiro impressionava, transmitindo segurança, valentia
e a calma tranquilidade de quem já combatera, em terras mouriscas,
contra exércitos de infiéis, bandos de salteadores ou camponeses esfomeados.
Caminhava há largas luas, de regresso a casa, para sarar as feridas do corpo e da alma que lhe doíam, cada uma mais profunda que a outra.
Quando passava por uma qualquer pequena aldeia, onde só as mulheres e crianças permaneciam, era saudado com os olhares cobiçosos das jovens viúvas, sorrisos atrevidos das solteiras roliças e um interminável jogo de sedução por parte do mulherio, no geral, abandonado, há muito, pelos homens afastados em guerras sem razão, para defesa dos interesses do Rei.
Mas ele seguia absorto, lembrando os amigos mortos em terras do Norte de África, as violações a que assistira, as pilhagens e saques, a violência e a morte, que o perseguiam não o deixando dormir, nem afastar da frente os demónios, que teimavam em persegui-lo.
Até que um dia, exausto, deparou com uma pequena casa, bem no meio da floresta frondosa, cortada pelo ruído de um riacho.

À porta uma jovem morena, de tez tisnada e cabelo asa de corvo, sorria-lhe
com um ar misterioso e insinuante, que lhe desfez todas as defesas que o tinham acompanhado nas última semanas.

Retirou o capacete de ferro e sacudiu o cabelo louro, há muito aprisionado pelo elmo pesado.
Pousou a couraça junto ao cavalo, que matava a sede numa vasilha de água próxima.
Encostou o escudo e a lança à entrada da habitação.
Num canto, amontoou a alabarda, a besta , o machado de guerra, o arco e as setas, as diversas adagas, a maça, o machado duplo e o porrete.
Despiu o colete e o peitoral, retirou os sapatos de aço e as manoplas.
Puxou pela cabeça a cota de malha, o corselete de couro e o gibão de peles.
Por fim, desfez-se da túnica e da camisa de algodão.
A espada, que sempre o acompanhara, foi deixada ao abandono sobre o murete do poço.

Depois seguiram-se horas de volúpia e prazer.
Os sentidos, há muito adormecidos, soltaram-se em vagas de paixão sensual.
Nos curtos intervalos soube que a jovem, Miriam di Florentis, era filha de um abastado comerciante, que viajara até ao mercado da terra mais próxima.
Quando o cavaleiro, trôpego e vacilante, se levantou da cama, a luz de um novo dia, já irrompia quarto adentro.
Despediu-se da donzela, que permaneceu no leito, langorosa, e preparou-se para prosseguir a sua viagem.

Junto ao seu corcel, não encontrou qualquer arma ou peça da armadura, com excepção do camisolão de algodão que se apressou a vestir.

Só então reparou na tabuleta de madeira, que se encontrava dependurada da janela do sótão:
“ Di Florentis – Sucateiro fino”

Itálico
Alexandre Dumas Pai, d’Outras Filho

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