segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A Vencedora do Prémio de MicroContos Galo/Bizâncio

Alguns dias depois de termos anunciado as três Vencedoras do Prémio de MicroContos, e após uma sessão de fotografias com as nossas heroínas, em que aproveitámos para lhes entregar os livros da Bizâncio, publicamos umas pequenas entrevistas e republicamos os MicroContos vencedores, para o caso de já não se lembrarem.

A entrevistada de hoje é a Dear Prudence,
as outras seguir-se-ão, no decorrer desta semana...

Galo: Qual a sensação de ter ganho o Prémio MicroContos Galo/Bizâncio? Estava à espera?
Dear Prudence: É claro que estava à espera.
Naturalmente, ficava-me melhor dizer que não…
Melhor dizendo, concorri para ganhar.
É que eu, feliz ou infelizmente, padeço desta gloriosa maldição que é ter nascido sob o signo do Leão.
E, francamente, concorrer para participar nunca foi o meu lema. Só concorro quando sei que posso vir a ganhar.
Talvez por isso nunca me tenha inscrito numa maratona de dança ou num concurso de bonsai… Mas que no final foi uma surpresa, lá isso foi.

Galo: O que achou desta iniciativa?
Dear Prudence:Há um aspecto muito importante que me ocorre nesta questão: se por um lado, escrever pode ser um acto de realização íntima, por outro, quando nos expomos gostamos de ter a certeza que é pelos motivos certos. Acho que nenhum dos contistas embarcaria nesta aventura se não estivesse seguro da seriedade e qualidade da dupla Galo/Bizâncio.
Em suma: a iniciativa foi muito bem vinda porque suscitou em todos os contistas, atrevo-me a dizer, o melhor de cada um no melhor dos contextos.

Galo: Excluindo-se, quais os outros Autores que mais apreciou?
Dear Prudence:É curioso; gostei de vários contos mas só
me identifiquei verdadeiramente com um contista: Maktub.
Desconfio, porém, que terá igualmente escrito sob outros heterónimos.
E que é uma mulher…

Galo: Se o “Galo” instituir, de novo, este Prémio, voltará a participar?
Que eventuais alterações sugere?
Dear Prudence:Voltaria seguramente a participar.
A escrita tornou-se, por causa deste evento, uma parte mais definida
e mais presente em mim.
Paralelamente, proporia um concurso que suponho manteria os leitores
ainda mais atentos à dinâmica da escrita: um concurso do tipo “descubra o autor!”
Isto é, um post à parte, com palpites acerca de quem será o autor do conto do dia.
Será um comentador habitual e qual? Será outro heterónimo de um mesmo autor?
No final, coligir esses dados e apresentá-los também sob a forma de um prémio
– e seu vencedor - seria tão entusiasmante como participar nos contos!
Uma espécie de Prémio Ovo de “Columbo”,
em homenagem ao famoso detective de olho de vidro da TV [Peter Falk].

E, agora, só nos falta relermos o MicroConto Vencedor...

O último Conto
A tensão entre os dois não faria imaginar o que se estava a passar.
Casados há quase 30 anos, os filhos fora do ninho, as carreiras estáveis, a casa de férias, as viagens para o Brasil, tudo era de uma previsibilidade angustiante.
Despediam-se de manhã com o beijo habitual, ele já de jornal numa mão e chave do carro na outra.
Ela ficava um pouco mais, para dar um ar de casa à mesma, como costumava dizer, e logo o imitava, a caminho do seu emprego.
As rotinas eram matemáticas.
Depois do trabalho, casa à hora do costume, jantar à luz do telejornal, serão em peúgas de andar por casa, a dormitar ferozmente no sofá, um e outro, para acordarem sobressaltados de madrugada, rosnando por uma cama, onde dormiriam a posta-restante de um sono mal temperado.
A intimidade entre os dois há muito que se esvaíra.
Fruto do quê, não sabiam dizer.
Demasiado acostumados, aventava ele ao espelho enquanto fazia a barba;que sempre fora nenhuma, assegurava ela dentro de si.
E assim passaram as últimas décadas até ao momento em que ela se apercebeu que ele mudara.
Não sabia há quanto tempo mas pudera constatar,sem qualquer fio de dúvida, que ele chegava a casa cada vez mais cedo e era logo vê-lo sumir-se no escritório, até ser arrancado para a mesa do jantar.
Depois deste, lá voltava ao computador, deixando para trás as peúgas de trazer por casa sózinhas, sob a almofada do sofá.
E só voltava a encontrar a mulher já na cama, depois da birra de sono que esta envergava sempre antes de subir para o quarto.
Começou, até, a levantar-se mais cedo.
O computador, o seu destino.
Intrigada, naturalmente que ela lhe perguntou o que fazia naquelas horas.
Primeiro, timidamente, lá lhe confessou que agora colaborava num blog e que lhe estava a dar grande prazer poder escrever e ser lido.
Como essa pergunta da mulher mostrava que ela se interessara,tomou isso como um convite e todas as noites partilhava com ela os posts, os comentários, os comentários aos comentários.
Inicialmente ela achou aquele hobby, se não inofensivo, pelo menos construtivo.
Ele sempre gostara de escrever, sabia ela pelas cartas de antigamente que trocaram nos tempos da tropa; que guardava escritos nas gavetas da secretária e até que os acarinhava, o que concluiu pelos cantos desgastados dos papéis sortidos.
Mas não tardou muito para que ela começasse a sufocar naquele labirinto de relatos que lhe toldavam a atenção dos concursos da TV ao serão.
Optou, primeiro, por fingir que não ouvia, esperando que o seu desinteresse o levasse a desistir. Como não resultou, partiu para o contra-ataque: desancava os temas, insultava os comentadores, ridicularizava os nicknames, tudo servia para agastar aquele fervor da escrita do marido que lhe tirava o sossego.
Chegou mesmo a chamá-lo de imaturo por precisar daquele mimo cibernauta para lhe dar consolo."Essas massagens virtuais ao teu pobre ego mal acarinhado só vão contribuir para que a solidão te consuma e, em última instância, que destruas o nosso casamento!”- foi a afirmação que rotulou como último aviso.
E, de facto, ele cada vez mais se consumia.
Revirava agora as gavetas buscando os papelinhos escrevinhados para reciclar e dar-lhes outra roupa; as histórias lúdicas da infância, os episódios épicos da tropa, até anedotas ele via e revia para ter matéria sobre o que escrever.
Por fim, uma bela tarde no emprego, olhando-se ao espelho da casa de banho, ele viu-se.
Mais magro e olheirento.
Mal escanhoado pela pressa da manhã.
O chefe a impor-lhe ultimatos pela sua falta de dedicação.
Isto tinha que acabar.
Passou as mãos molhadas pelo rosto e ficou assim, mais uns momentos, pingando para o lavatório a estranhar aquele homem do reflexo.
Decidido, irrompeu pelo gabinete.
Pôs umas vírgulas num último conto que escrevera, publicou-o no blog e despediu-se deste, para nunca mais voltar.
Resoluto, voltou para casa.
Cheio de vida, observava cândido a realidade que sempre ali estivera, esperando por si: as árvores da sua alameda, o cheiro a pão quente da fornalha vespertina da padaria, os bancos apinhados de namorados e as suas inscrições nas cascas dos plátanos.
Encheu o peito de ar e subiu o alpendre de casa, decidido a mudar também o rumo do seu casamento.
Sentia no ar o cheiro incontornável do amor.
Rodou a chave e sentiu um arrepio.
Não havia móveis, apenas a sua secretária com um post-it colado ao computador.
O calafrio tomou a forma de um aviso de desmaio e sentou-se.
Pôde então ler:
“Vou viver outra realidade que não a virtual”.
A sua mulher fugira com o im4real69.

Dear Prudence

Posts relacionados:http://ogalodebarcelosaopoder.blogspot.com/search/label/MicroContos

11 comentários:

  1. Prudence, para mim este que está aqui em cima não é o melhor que já fizeste aqui, mas é muitíssimo bom, adoro pessoas que sejam capazes de se expressar na língua de Camões, para só citar um.

    Está muito bem entregue, tudo de bom para ti, e que te leiam, tu mereces.

    A.

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  2. Ora aqui está outra inciativa bem simpática!e mais uma vez Parabéns Dear Prudence!

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  3. Dear, melhor é chamar você de Darling, você é um estouro com pinta de estrela do cine francês.
    Bem que podia ter mostrado mais o rostinho...

    E o Alvega não tinha foto mais naninha?Dá para ver os cachorros mas nada do "gato"...

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  4. Estou a comentar hoje pela primeira vez, mas andei a ver a história toda do Prémio e a qualidade geral dos concorrentes.
    Uma ideia muito boa, só é pena não ter sido divulgada para fora do espaço do blog.

    Vou voltar mais vezes.

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  5. Dear Prudence, rima com excelentes Micro Contos.Parabéns à "Dear" e ao Galo pela iniciativa.

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  6. Dear Prudence, muita prudencia porque com tantos elogios e admiradores, a sua vida pode terminar em sucesso mundial e aí lá vamos nós ficar sem a sua presença e sua escrita escorreita, leve, muito saborosa, contributo precioso para o exito que desejamos a um Galo preparado e ajudado para altos voos.Dos contos à própria entrevista, todos nós somos gente de muita sorte em a ter como companheira bloguista !

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  7. Prudence Dear...
    Já a felicitei no dia do aniversário do Galo.
    Agora, pela entrevista, levantei um pouquinho de outro véu...
    Condiz...
    Parabéns, de novo!
    E dê-nos novos materiais...

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  8. E seja rainha de aquém e de além dor. :-)

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  9. M'tobrigada!
    M'tobrigada!...
    [estou de braços abertos, óculos escuros e cabeça reclinada para trás a acompanhar o cumprimento]

    Quando li esta entrevista, "soei-me" emproada e convencida. As minhas desculpas se foi essa a impressão com que também ficaram. Espero, Zé Manel, que o previsível êxito mundial não me dê a volta à cabeça - até porque tenho pouca flexibilidade nas cervicais.

    Tudo o que disse foi honesto e sentido. Mas lido toma uma seriedade que até dói. Sou muito mais gozona do que pareci - a foto não ajuda muito é certo... Deve ter sido uma das 3 vezes por ano em que me ponho séria.
    As outras são quando asseguro às minhas filhas que o Pai Natal existe e, por fim, quando ouço o Sócrates a dizer uma piada.

    Mas também é engraçado deixar os leitores com esta sensação dúbia algures entre a aspirante a escritora e a convencida profissional.

    Quanto a si, Sapho, darling, se soubesse a quantidade de vezes que sou tomada na rua pela Fanny Ardant... Não, a sério! Se soubesse pode dizer-me? É que eu não faço ideia...
    Mas sou adepta ferverosa do cinema francês - especialmente o recente - e mais especialmente ainda das actrizes francesas.

    Contessa, de quem sempre prezo muito as opiniões e comentários... que o "outro véu" possa dar vislumbre da verdadeira Dear Prudence, que, desconfio, já sabe de quem se trata... E mais não digo.

    Alvega, amigo e colega de carteira, a Florbela é diva. Eu, raínha só mesmo da minha gaveta.

    Quimera, Mário Ortet, sempre atentos, sempre polidos, sempre queridos.

    E uma vez mais, obrigada a todos!
    Estou muitíssimo feliz com este prémio e gostaria de partilhar essa alegria com todos no dia da estreia do NOSSO livro!
    Eu levo os croquetes!
    Quem leva os pasteis de bacalhau?

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  10. Eu.....só lá vou, com champagne!!!

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  11. Cheguei tarde...já se vê!
    Mas sempre a tempo (espero) de felicitar a nossa Querida Prudência...
    Bem merecido, sim senhor e muito gira que a moça é!!!!
    Galo, Parabéns para si, pela iniciativa que reúne contistas e comentadores tão interessantes e diversificados. É difícil passar sem esta visita diária!
    Obrigada a todos pelo bem que me trazem!

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