E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.
E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.
Pois é assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de Rússias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.
Vai aos Cafés, pede um bock,
Lê o "Matin" de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:
Dentro de mim é um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichão que não passa.
Folhetim da "Capital"
Pelo nosso Júlio Dantas -
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual...
O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!...
Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
é capaz dum disparate,
Se encontra uma porta aberta...
Isto assim não pode ser...
Mas como achar um remédio?
- P'ra acabar este intermédio
Lembrei-me de endoidecer:
O que era fácil - partindo
Os móveis do meu hotel,
Ou para a rua saindo
De barrete de papel
A gritar "Viva a Alemanha"...
Mas a minha Alma, em verdade,
Não merece tal façanha,
Tal prova de lealdade...
Vou deixá-la - decidido -
No lavabo dum Café,
Como um anel esquecido.
é um fim mais raffiné.
Mário de Sá-Carneiro
Enviado por Moira de Trabalho
Este é o "meu" Sá-Carneiro preferido.
ResponderExcluirO André Gomes já fez dele muito aceitávelmente.
:-)
Um dos meus Poetas de cabeceira...
ResponderExcluirO André Gomes é o meu heterónimo preferido.
ResponderExcluirPoeta lusitano é o Pessoa, é mais nenhum.
ResponderExcluirSapho, eles eram amigos, e correspondiam-se. O Pessoa gostava muito do que o Mário de Sá-Carneiro escrevia, o estilo nem sequer é muito diferente, talvez mais arrebatado e mais desesperado, com maior uso de 'figuras de estilo'.
ResponderExcluirA Confissão de Lúcio é melhor do que a maior parte das coisas que o Pessoa escreveu, e o que é mais, se ele estivesse aqui, aposto que estaria de acordo...
:-)
just my 2 cents...