segunda-feira, 10 de maio de 2010

III RECEITUÁRIO DOMÉSTICO IIIIIIIIIIIIIIIIIIIII Como endiabrar a visita de Sua Santidade com historietas um nadinha inconvenientes

1. O PROBLEMA DOS PAPAS MAIS PAPISTAS QUE JESUS

Citação:

Eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos
e lhe disse: José, filho de Davi, não temas
receber Maria por esposa, pois o que nela foi
concebido vem do Espírito Santo...


Houve um tempo em que o teólogo Joseph Ratzinger (actual Papa Bento XVI) era uma figura de excepção na Igreja Católica, concitando enorme respeito, até admiração, nos meios da intelectualidade ateia e do catolicismo progressista. Foi o tempo pós-Concílio Vaticano II, evento histórico, surpreendente lufada de renovação que chegou a alarmar os Serviços de Censura em Portugal, cuja direcção – bem se lembra o autor deste Receituário – chamava a si a supervisão de todo o noticiário e artigos referentes ao Concílio, sendo de hábito os textos devolvidos com o carimbo de "Proibido" ou ferozmente mutilados. O jovem teólogo Ratzinger, participante influente nessa obra renovadora empreendida por João XXIII, parecia querer sobrelevar, em audácia e discernimento, as reformas conciliares, tanto que terá sido dos poucos a fustigar a hierarquia clerical mais retrógrada com temas secularmente intocáveis como a sexualidade ou o pecado original. De notar que o próprio Concílio, não obstante as múltiplas sensibilidades e correntes progressistas que logrou congregar, derrotou uma tese desassombrada alusiva à virgindade perpétua de Maria de Nazaré, mãe (sem pecado) de Jesus.
Volvido meio século, permanecem intocáveis os temas de especificidade bem conhecida e discutida pela opinião pública, como o celibato obrigatório dos padres e a ordenação das mulheres. Em relação ao primeiro, poder-se-á avançar a perversa suposição de que Ratzinger está a sofrer um castigo divino, porque teve o poder, enquanto perene segunda figura da hierarquia da Igreja Católica, de contribuir para revogar uma lei antinatura imposta aos membros do clero: a de serem assexuais. O cardeal e depois Sumo Pontífice nada fez, nem como segunda figura nem como sucessor na Cadeira de Pedro. Pelo contrário, produziu um texto em que reforça o conceito de um clero assexual. No âmbito dos escândalos de pedofilia, acrescem os seus penumbrosos silêncios e omissões. Às supremas questões das condutas morais somam-se as materiais. Ratzinger é indisfarçavelmente um dos responsáveis pelos enormes prejuízos que está a sofrer a sua Igreja: a norte-americana, por exemplo, exibe a cifra colossal de três biliões de dólares advenientes das indemnizações às vítimas. E a contabilidade dos crimes não está ainda encerrada.

O problema do Papa Bento XVI, comum, aliás, a todos os antecessores, é o de ser mais papista que Jesus Cristo. Admissivelmente celibatário, Jesus não exigiu o celibato aos apóstolos, alguns dos quais eram casados. Não o era São Paulo, que todavia escreveu: «(...) para evitar o perigo da imoralidade, cada homem tenha a sua mulher e cada mulher o seu marido».

O Papa de olhar enigmático e sorriso coriáceo que nos próximos dias trará a palavra divina ao Povo Cristão deste cantinho do mundo, alterando em grau apreciável as rotinas de muitos milhares de portugueses, deixou de ser há décadas o teólogo evoluído, tolerante, racional do Vaticano II. Não é mais o promotor lúcido da célebre "Declaração sobre a liberdade e a função dos teólogos na Igreja" que a Censura marcelista cortou de alto a baixo em Dezembro de 1968. Ninguém lhe descobrirá um gesto, uma palavra, um esforço para acertar o passo com a marcha do progresso civilizacional. Nem se lhe ouvirá um suspiro de reconsideração sobre as suas inumeráveis prédicas, do mais rígido conservadorismo, condicionadoras da liberdade individual, de entre as quais se figura crudelíssima e insuportável a respeitante ao uso do preservativo.

De volta ao início: o dogma da Imaculada Conceição (Concepção) – Virgem Maria divinizada, concebendo sem o pecado de uma relação sexual normal. Um tema que, outrora, era por Ratzinger considerado de uma extravagância merecedora de reformulação. É neste ponto que o Receituário Doméstico vislumbra uma oportunidade de endiabrar a visita de Sua Santidade. Indispensável, para tanto, que o leitor tenha sido privilegiado com o convite e distintivo que lhe darão acesso, na manhã de quarta-feira, no Centro Cultural de Belém, a uma sessão dedicada ao "mundo da cultura". O programa da visita explicita: «Encontro do Papa com representantes do mundo da cultura».
Dificilmente se repetirá uma ocasião de estar tão próximo do Papa e de ele poder ser interpelado. O acto de "endiabramento" que propomos ao leitor investido na qualidade de "representante do mundo da cultura" será distinto, polido. Andou bem João Marcelino, director do Diário de Notícias, ao reprovar anteontem a eventualidade de um jornalista sedento de notoriedade perguntar ao Papa qual foi a última vez que teve relações sexuais. Fique claro que golpes baixos e chafurdices estão excluídos em absoluto do livro de estilo deste Receituário.
Endiabrar, sim, mas com elevação. O acto de "endiabramento" que o leitor protagonizará exige aquela intrepidez celebrizada em 1969 pelo universitário Alberto Martins, actual ministro da Justiça, quando, de forma desabrida, interrompeu uma cerimónia que decorria em Coimbra e se dirigiu ao Chefe de Estado, o serôdio almirante Américo Tomás.
Da mesma forma o leitor enfrentará Sua Santidade e dirá (sendo em alemão, tanto melhor) que deseja citar um longevo teólogo. Assim, de imediato:

A filiação divina de Jesus não se baseia no facto de Jesus não ter pai humano. A doutrina da divindade de Jesus não seria posta em causa se Jesus fosse o fruto de um casamento normal.

Tão herética intervenção causará decerto algum burburinho. O Papa ou alguém por ele inquirirá de quem são aquelas palavras.
O leitor, então, placidamente, responderá:
– Saiba Sua Santidade que as palavras são do saudoso teólogo Joseph Ratzinger. Escreveu-as quando tinha 42 anos. Depois disso não cessou de involuir.


Pedro Foyos
Jornalista
A seguir:
2. O MILAGRE DA POMADA BALSÂMICA

Um comentário:

  1. Pois, isto está de maldade e maus fígados por todo o lado...

    Acima um "antecessor" deste senhor no 'cargo':

    Bonifácio VII
    (974-985)

    “A horrid monster, a man who in criminality surpassed all the rest of mankind”

    Pope Boniface VII, after getting himself into trouble over the rape of a young girl, absconded with the entire fortune of the Vatican, and was later referred to as ‘the most sinful of all the monsters'. When he turned up in Rome once again years later, he was apparently stabbed to death (one hundred times) by the angry husband of one of his female lovers, and then a furious mob dragged his corpse through the streets of Rome before finally they tossed it into a latrine.


    O que as pessoas se lhes dá de irem desenterrar...

    Só nos resta esperar que este não lhe siga muito o exemplo...

    :-)

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