Embora profissional há muito tempo, sentiu um estremecimento
ao olhar a casa que se destacava contra o luar,
parecendo ainda mais sólida e tenebrosa do que era, na realidade.
Nem o seu curriculum, cuidadosamente elaborado,
lhe estava a transmitir aquela confiança de que tanto necessitava.
Começara a assaltar casas, ainda adolescente.
Sempre sem violência, sem molestar nenhum dos habitantes
e concentrando-se, apenas, nas jóias e numerário que encontrava.
O seu estilo discreto, começou a ser facilmente identificável
e a polícia passou a apelidá-lo de Assaltante Misterioso.
Durante anos, o Assaltante Misterioso aparecia nos principais jornais,
envolto nalguma áurea de romantismo.
Depois, como não havia violações, mortes ou grandes roubos,
à mistura, foi passando para notícias cada vez mais pequenas,
enterradas nas páginas, lá do fim.
Mas não se podia queixar, nunca ninguém suspeitara dele,
nunca fora visto por nenhum dos assaltados,
as autoridades não tinham uma única impressão digital sua
e, felizmente, as pessoas continuavam a deixar as jóias
em qualquer gaveta, misturadas com a roupa interior,
e o dinheiro numa carteira pousada, com negligência,
na escrivaninha da entrada.
Mas nesta noite, tinha uma má premonição.
O caso, ou a casa, era diferente…
Olhou, demoradamente, o arame farpado sobre o muro.
Verificou o sistema de alarme e os focos de detecção
sensíveis ao movimento,
tacteou o blindado da porta de acesso ao jardim.
Depois escolheu, com cuidado, entre o seu enorme molho de chaves,
a mais apropriada e com um gesto determinado introduziu-a na fechadura.
O clique de resposta e o silêncio seguinte transmitiram-lhe a confiança de que tanto precisava.
Deslizou pelas sombras do jardim e descobriu a porta da cozinha fechada, apenas, no trinco.
Já dentro de casa, percorreu o corredor e subiu até ao primeiro andar.
A zona dos quartos.
No aposento maior, viu uma enorme cama de casal e um vulto que resmungou:
- Augusto, és tu? Outra vez, a entrares em casa tão tarde?
Augusto, o Assaltante Misterioso, só teve presença de espírito para responder:
- Continua a dormir, querida, estou a levantar-me, tenho que ir trabalhar mais cedo, hoje…
Ernesto E. Minguêi
sexta-feira, 10 de julho de 2009
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Ernesto, este era ladrão mas o Galo conheceu um que não era ladrão e aplicou o mesmo truque com a esposa quando regressou a casa, já clareava o dia....
ResponderExcluirEsqueci de dizer que o tal também e por coincidencia, se chamava Augusto...
ResponderExcluirEle há cada coisa !!
No tipo conto levezinho, de verão, não está mal, mas o Ernesto já nos deu melhor...
ResponderExcluirTambém uma taça de vinho verde, bebida numa tarde de verão, é levezinha e não é por isso que nos deixa de saber tão bem como este Conto que bebi de uma golada até ao fim e me deixou um muito agradável sabor...
ResponderExcluirPedro Miguel, queres 'vinho verde'??
ResponderExcluirEntão toma lá... ;-)
VINHO VERDE
Análise económica com base na perspectiva do analista americano Dr. Marc Faber:
O Governo fez deduções e devoluções do IRS.
Se gastarmos esses montantes na Zara, o dinheiro vai todo para a China.
Se o gastarmos em combustível, ele vai direitinho para os árabes.
Se comprarmos um computador, o dinheirito irá para a Índia, China e Taiwan ou Formosa.
Se comprarmos produtos hortícolas, o dinheiro vai para Espanha, França ou Holanda, pela certa.
Se comprarmos um bom carro, o destino do dinheiro será a Alemanha.
Se comprarmos inutilidades, ele vai para a Formosa. Nenhum desse dinheiro ajudará a economia nacional.
Antigamente ficava cá se fosse gasto nas putas, mas agora é estar a dá-lo aos países de Leste e ao Brasil.
A única alternativa é gastá-lo em vinho verde, o único produto ainda produzido em Portugal!