O corredor vermelho

Cheirava a fumo! Fungou um pouco...
Sim decididamente cheirava a fumo, mas não percebia que fumo era aquele, acre de tabaco? Não.
Áspero de fogo? Não.
Perfumado, como aquele que lançavam nas”boites” para ocultar o seu mais forte adversário... o cheiro a suor.
Perfume, suor e fumo... a combinação indicadora de ambientes. Procurou uma palavra que pudesse caracterizar esta combinação... mas não encontrou.
Fungou de novo... o cheiro a fumo era agora mais forte.
Abriu uma porta (a única porta que naquela sala existia).
Á sua frente surgiu um corredor forrado a vermelho.
Vermelho era o veludo das paredes, vermelha era, a já muito gasta alcatifa.
Caminhou um pouco e ao cheiro a fumo juntou-se um odor a perfume barato, daqueles muito intensos, que parecem agarrar-se às narinas e nunca mais sair...
Pensou tapar o nariz com um lenço, mas... que estranho... não trazia lenço.
Vasculhou os bolsos todos. Não havia lugar para dúvidas, não trazia lenço.
- Como diabo não trouxe lenço? – murmurou.
Um cheiro a suor, avançou por cima do perfume, um cheiro a suor forte, daqueles que nunca mais se esquecem, que misturam cebola, refogado, pés, falta de banho já há muito tempo...mas para além de todos estes aromas identificáveis, havia um outro, mais forte, mais marcante, um cheiro que conhecia, de quem sabia o nome.
Um cheiro que lhe produzia um pigarro na garganta...
Formol!!? – pensou – Formol!!!???
Espantou-se, mas esse faz chorar os olhos e os meus estão secos.
Pensou levar os dedos aos olhos, mas lembrou-se de que já não se lembrava de há quanto tempo não lavava as mãos...” Nem há quanto tempo não lavava as mãos,... nem coisíssima nenhuma.
“O que raio estou eu a fazer neste corredor, que cheira a fumo, que tem fumo, neste corredor que cheira a perfume reles, neste corredor que cheira a suor, mas um suor que provoca vómitos?...” Ainda bem que não comi nada hoje! – exclamou, para logo de seguida se admirar “Não comi nada hoje?! Como é que eu sei isto?...
Um suor frio molhou-lhe as costas e caminhou rápido pelo corpo todo encharcando-o.
Uma sensação desconhecida de vazio, encheu-o.
Qual é a última coisa de que me lembro? - perguntou-se
Ficou muito tempo em silêncio, naquele corredor vermelho, onde se misturavam três cheiros: fumo acre, perfume barato e suor agoniativo.
Mas não se lembrou de nada, nem sequer se lembrou de que não se lembrava de coisa nenhuma. E como não se lembrou de nada, a sensação de angústia desapareceu, o suor frio secou e ele interrogou-se: “mas que diabo faço eu neste corredor vermelho, de alcatifa puída e paredes de veludo coçado?
... Olha!... – murmurou, espantado com a descoberta – Um espelho.
E olhou-se... e não gostou do que viu.
Estava vermelho, como se tivesse febre, muita febre... e esqueceu que não lavava as mãos há muito tempo e puxou as pálpebras de baixo e viu que os olhos estavam brancos....
Tão brancos como se fossem pedaços de gelo. Brancos e frios...
De súbito constatou que estava vermelho como se tivesse febre, mas estava frio como se fosse gelo.
- O que é... – começou a perguntar, mas silenciou-se de imediato.
Uma mulher alta, loura, esbelta, mas onde algo não batia certo, chamava-o de uma porta, ao fundo do corredor, uma porta donde saíam o fumo, os cheiros...
- A guia – pediu a mulher
Meteu a mão no bolso, automaticamente, sem pensar, e olhou um papel que dizia:
Gustavo Silva, 50 anos, morto de ataque cardíaco. – e a negro –Rejeitado no céu.


Contos do Feeling Estranho