Ele era assim, longo, elegante, aqui e ali com um leve curvar, ora à direita ora à esquerda, mas sempre em frente, brilhante na sua serenidade formal.
Ela era jovem irrequieta, pequena, mexida, impulsiva, na sua cor verde seco que lhe ficava bem, que lhe realçava os dentes duma simetria perfeita, que encaixavam lindamente.
Durante anos, … anos?
Talvez…sim…sim para ele na sua longa formalidade, declaradamente, há muitos anos que brilhava na sua modéstia, no seu silêncio compenetrado.
Já vivera muito, já passara por situações cómicas, trágicas, dramáticas, ridículas, situações onde, em algumas, a sua própria existência correra sérios riscos.
Lembrava-se agora… ao vê-la na sua ligeireza … para a frente, para trás, na sua despreocupação, na sua inconsciência dizia ele quando a via deslizar quase por decisão própria, em situações que a sua circunspecção não poderia deixar de criticar.
Mas ela era assim, e era assim que ele a apreciava, assim, na sua ingenuidade, na sua, chamemos-lhe, irresponsabilidade.
Quando à noite ficavam juntos e isso nem sempre acontecia, porque, se em boa verdade ele dormia sempre no mesmo local, ela... bom...ela dormia muitas vezes fora... e ele sentia alguma mágoa.
Não, não eram ciúmes (pelo menos assim pensava).
Era demasiado velho para ter ciúmes: A diferença de idades entre os dois não lhe permitia tais veleidades (dizia ele) na sua solidão, olhando em redor à espera que ela voltasse intacta de mais uma aventura de uma noite, um dia, às vezes mais.
E foi assim que uma tarde, aquela tarde, que nunca mais haveria de esquecer se para tanto tivesse tempo, ouviu e viu a sua pequena zipper de cor verde seco, partida, na mini-saia que a Idalina usava quase todos os dias, para ir à escola, para ir à praia, para ir...
- Não sei avó...não sei como foi...Estava sentada no carro com o Luis, a olhar o mar do alto da falésia... e de repente senti que alguma coisa não estava bem...olhei ...e vi a saia aberta...Faltam 3 o 4 dentes na zipper....Juro avó...Juro que foi assim.
Do vestido de lã de Dona Clara, o fecho éclaire, olhou a saia de tecido camuflado que a Idalina costumava usar quase todos os dias...para ir à escola...para ir à praia...para ir... e olhou a pobre zipper partida e só não chorou, porque sabia que a sua textura metálica de fecho éclaire dos anos 50 reagiria mal às lágrimas, enferrujaria...e apesar do fecho éclaire ter pela zipper uma ternura imensa, não pensava em morrer com ela, porque admitia que mesmo que houvesse um outro mundo para fechos éclaires e zippers, ela continuaria a abrir e a fechar num desvario constante enquanto ele ficaria sozinho, formal, longilíneo e elegante num qualquer vestido de lã de uma qualquer avó.
Contos do Feeling Estranho
quinta-feira, 9 de julho de 2009
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No outro dia alguém lançou o desafio ao Feeling para ele escrever um Conto acerca dum fecho éclair e ele aí está. Temos homem, ou melhor, temos Contista !!!
ResponderExcluirMicro Contos à la carte !
ResponderExcluirEra o único género literário que faltava nesta bela antologia de contistas que o Galo teve o mérito de reunir e motivar.
É a prova que quando há talento e gosto pela escrita, a escolha do tema até pode ser de somenos importância.
Nem sei o que diga...
ResponderExcluir...perdão, tenho o zipper aberto !!!
Nós adoramos zippers...o tempo que se poupa !!!
ResponderExcluirBoa Feeling, mais um Conto Estranho a fazer juz ao nome.
ResponderExcluirExcelente ideia esta dos Contos. Estive a ler umas dezenas de exemplos para trás e ainda tenho muito material para me entreter.
ResponderExcluirUm dos autores que mais apreciei, no geral, foi este Feeling Estranho. Parabéns !!
'Atão' vou ser o único a dizer mal... :-)|
ResponderExcluir"silêncio compenetrado ?
deslizar quase por decisão própria ??
a sua textura metálica de fecho éclaire ???"
'Tás'parvo, ou o quê ?
Eu, pelo meu lado, só acho que o verde seco não é côr que fique bem - ou que realce o que quer que seja, mesmo a simetria dos dentes - a alguém ou a alguma coisa...
ResponderExcluirÉ uma côr... muito sem côr!