segunda-feira, 13 de julho de 2009

Paisagens de morrer : o reverso

«Os extremos tocam-se» – escreve um leitor a propósito da minha recente alegoria sobre as paisagens de morrer.
Morrer de deslumbramento, admitia eu, evocando o esmagador espectáculo de um pôr-do-sol contemplado do alto da Senhora do Castelo, em Mangualde.
Morrer de horror, replica o meu interlocutor, perante a paisagem inimaginável cuja foto me envia e se reproduz a seguir.
Mas que é isto?! Valha-me a Senhora do Castelo!
Ao princípio quis acreditar tratar-se de uma brincadeira do género "photoshop" ou programa similar.
Mas não, é bem real. Uma realidade que atinge a dimensão do mais incomensurável dos absurdos.
Eis: Uma «autoridade superior» no sul da China mandou pintar de verde a encosta de uma montanha, tentando desse modo simular o reflorestamento da área extirpada por uma pedreira.
A agência espanhola EFE conta a história em pormenor, reportando-se a jornais e revistas de Hong Kong e Pequim.
Os habitantes da aprazível região de Fumin protestaram durante sete anos contra a instalação da pedreira que lhes infernizou as existências de pó e barulho.
Assistiram impotentes e de coração apertado à destruição de centenas de árvores que viviam em paz na vizinha montanha Laoshou, a qual ia aparecendo a cada dia mais escalavrada.
Por fim, os protestos foram ouvidos e a pedreira desactivada.
Mas os habitantes, inconformados com a montanha esventrada, formaram um grupo de idosos que se dirigiu a uma entidade governamental denominada Escritório de Agricultura e Florestas. Pediram o reflorestamento da encosta devastada.
Entra em cena, nesse passo, a "autoridade superior", comunicando aos idosos já ter ponderado uma melhor solução, pois plantar árvores é coisa que dá um trabalhão dos diabos (não sei como dizer isto em chinês), acrescendo que teriam de ser exemplares imberbes.
Logo, eles, os velhos, jamais iriam poder contemplar árvores a sério na montanha.
Anuncia, então, a opção pelo que estaria preceituado no Feng Shui – crença milenar que trata da influência vibracional do ambiente e do espaço sobre a saúde e a prosperidade das pessoas.
E foi assim que, sob o influxo espartano de uma eventual fórmula do Feng Shui, chegou a ordem: pintar, pintar, pintar.
Camiões-cisterna a transbordar de tinta verde avançaram para Fumin, e os funcionários do Escritório de Agricultura e Florestas pintaram a montanha em 45 dias de trabalho.
Depois disso, não duvido, os habitantes vibram desde que o Sol nasce.

Nada tenho contra o Feng Shui, todavia receio que venha a revelar-se insensata a divulgação desta notícia em Portugal.
Inquieta-me um pressagiado cenário de patos-bravos que resolvam adaptar ao luso-criativo-desenrascanço os preceitos do Feng Shui.
Já vejo, por exemplo, inspirados exterminadores de sobreiros a semearem a paisagem de outdoors com silhuetas mais ou menos arbóreas.
O Feng Shui em Portugal poderá converter-se na musa multidisciplinar de toda a sorte de velhacos fingimentos, astutas simulações, renovados ardis em nome da saúde e prosperidade das pessoas.
Um "faz-de-conta" fundado na milenar sabedoria chinesa, porém mais despachado:
«Quê?! 45 dias para pintar um bocado de montanha? Que atraso de vida, devem tê-la pintado a pincel de aguarela!»

Ainda há dias Galopim de Carvalho barafustava no DN contra o desleixo que persiste em relação aos achados arqueológicos.
Andou longos meses a quezilar com as "autoridades superiores" por causa das pegadas de dinossaurios na Pedreira do Galinha.
Vá lá, saiu vitorioso (fui um dos que ao tempo o levou em ombros).
Mas ai!, caro Professor: sem querer ser profeta da desgraça, dir-lhe-ei que as coisas, amanhã, poderão ser diferentes.

Projecta-se uma estação de serviço que soterrará para sempre umas pegadas do tigre-de-dentes-de-sabre?
Não há problema, dir-lhe-ão os devotos tugas do Feng Shui .
Alguém se incumbirá da tarefa de imprimir no solo umas formosas e vibrantes pegadas, muito parecidas com as reais mas em tom metálico e com a mesma exacta localização, ou seja, entre o túnel de lavagem automática e a máquina medidora da pressão dos pneus.






Pedro Foyos
Jornalista

5 comentários:

  1. Pedro Foyos, o nosso Nobel !!!

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  2. Uma magnifica sugestão para tapar os crimes contra a natureza, cometidos ao redor de Sesimbra e na Arrábida.
    Penso chamar estes chinesinhos atrevidos !

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  3. É o "trompe l'oeil" dos patos bravos.

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  4. Já deviam saber... na China o que interessa é 'o gato caçar ratos, a côr não importa', verdade, falecido "camarada" Deng ??

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  5. Ai Quimera, Quimera...
    As suas tiradas, curtas e boas como se querem, despertam em mim uma gargalhada impossível de conter.
    Esta, então, é de gritos!
    Ainda estou a rir! Juro!

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