quinta-feira, 9 de julho de 2009

Paisagens de morrer


A ultima edição do Expresso inclui um interessante desdobrável, "Mapa do Ar Livre", que encerra com a meticulosa secção Os 10 melhores espaços ao ar livre para...
Uma centena de sugestões tão diversas como o local ideal para andar de bicicleta, ou namorar, ou fazer um piquenique.
Atraiu-me em especial um rol de sítios sob o título Paisagens de morrer.
Mas entristeci-me.
De entre os muitos «locais que nunca mais vai esquecer» omite-se um deveras inesquecível e que não me canso de propagandear quando o tema de conversa é o Portugal paisagístico.
Pois bem: deixem que vos conduza à Beira Alta.
Panorama de incomparável beleza – afiança este nativo das Sete Colinas – é o que se desfruta do alto da Senhora do Castelo, em Mangualde. Alcançando o enorme rochedo cimeiro, adaptado a miradouro, mesmo ao lado da igreja, sentimo-nos no centro do mundo, da vida, em equilíbrio numa fenda da eternidade, entre o passado e o futuro.
O horizonte dissipa-se num anel infindo, estonteante, de 360 graus (e mais graus houvessem!).
A título de serviço público, eis algumas recomendações: podendo optar-se pelo momento da visita, a fase tardia do pôr-do-sol vale pelas Sete Maravilhas.
O espectáculo dura meia-hora mas o "grand finale" dos últimos dez minutos é arrebatador.
Deve permanecer-se em silêncio. Nesse silêncio eu me descobri algumas vezes inquieto, emocionado, imaginando Viriato, que tanto calcorreou aquelas veredas, ali estático e deslumbrado.
Também em silêncio ele terá imaginado que muito antes, há centenas de milhares de anos, outros seres humanos, já suficientemente complexos para se maravilharem, ali se maravilharam. Mais me emociono imaginando que daqui a mil anos (se existir ainda este planeta), novas testemunhas existenciais, ascendentes ou mutantes do género Homo, pisarão aquele penhasco e ali se deslumbrarão.
Compreendo o título Paisagens de morrer.
Pode morrer-se de deslumbramento.
(«Um bom dia para morrer» – que título formidável de um romance de Simon Kernick).
O espectáculo é levado à cena diariamente, sem folgas.
O encenador, pontual, inspirado, introduz ligeiras variantes nas combinações cromáticas, porém sempre escrupuloso no que respeita ao ritmo, formato artístico e, sobretudo, estética dramática. Como Penélope, tece e destece a obra continuamente.
É-lhe indiferente ter ou não a presença de espectadores.
Na realidade, ele é o único e eterno espectador.
Nós somos parte do espectáculo, figurantes, como as nuvens, as rochas, as árvores da Senhora do Castelo, imensamente abaixo do actor principal, que vai transfigurando-se do amarelo ofuscante ao vermelho-sangue luminoso enquanto sai de cena pela linha do horizonte.
São os gloriosos minutos finais.
Nesse fragmento de tempo, o descrente que sou, vacila.
Logo a seguir cai o pano.
E recupero o sossego dos espelhos de água.




Pedro Foyos
Jornalista

5 comentários:

  1. À medida que o PF se vai "soltando" e sentindo mais em casa, os textos vão reflectindo isso e ganham em leveza e atracção.
    Só não percebo é porque é que nunca participa nos comentários, dando respostas, sugestões, etc...
    Um blog não é um jornal, é um veículo de interacção e é isso que o torna uma coisa viva e muito mais dinâmica que os meios de comunicação tradicionais, em que os leitores têm um papel muito mais passivo.
    Mesmo as Cartas do Leitor, existentes em quase todas as publicações não têm nada a ver com as respostas que, por exemplo, aqui no Galo surgem mal o post é colocado e que levam a comentários cruzados que, muitas vezes, já nada têm a ver com a notícia inicial.
    O PF surge neste blog um pouco como um corpo estranho que debita o seu parecer e depois desaparece até à próxima prestação.
    Penso que, para bem de todos nós e para si próprio, poderia ter outro tipo de intervenção nesta tertúlia, com ganhos acrescidos para todos.
    Tente alterar a sua postura clássica de jornalista e iniciar uma nova carreira de bloguista !!!

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  2. Belo texto e excelente comentário.

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  3. Sim senhor, quem diria...

    Quanto ao texto, ao nível, excelente por hábito, do costume.

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  4. Estou rendida!
    Maravilhosa descrição, fantástica foto!
    Conte-nos mais coisas com esta sensibilidade!

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  5. Um Pedro Foyos mais perto de nós...

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