O papagaio ia tentando reproduzir algumas palavras melhor dizendo, palavrões que Jónatas lhe procurava ensinar pacientemente tão logo chegava a casa.
Para desespero da vizinhança o bicho aprendia depressa e desde o momento em que o poleiro era colocado na janela até ao anoitecer quando era recolhido na acanhada cozinha, o chorrilho de asneiras era pronunciado e acompanhado de estridentes gritos.
Um pavor.
Em suma, era um incómodo para todos menos para Jónatas que saia de manhã cedo e só voltava no final do dia cansado da labuta nas obras de construção de mais um prédio num bairro de classe média alta, junto ao Parque das Nações.
Bem diferente do pobre e deteriorado bairro onde vivia desde que chegara da sua terra natal, banhada pelo Oceano Indico.
O papagaio era a sua única companhia desde que perdera para sempre a jovem companheira, agarrada pelos meandros da droga e de uma terrível dependência que a acabar por a levar à destruição e morte.
Muitas vezes a foi buscar à Meia Laranja, muitas vezes a tirara das ruas onde se prostituía a troco de dinheiro logo gasto para comprar a dose do pó infernal, muitas vezes a fora buscar ao Governo Civil detida por pequenos furtos mas nunca apanhada em flagrante.
Miséria e terrível vida a dela e enorme sofrimento na sobrevivência dele.
Não eram caso único naquele bairro frequentemente visitado pelo Corpo de Intervenção da PSP e pela PJ em busca de assaltantes contumazes ou para sanar brigas homéricas quantas das vezes com muito tiro e alguns feridos à mistura.
O louro, Serafim de seu nome, alheio mas curioso com tudo o que por ali ocorria e que naturalmente não entendia, até gostava da agitação nas ruas próximas quando até parecia redobrar os esforços para gritar os dois ou três palavrões que melhor pronunciava mas daqueles que feriam os ouvidos dos vizinhos mais pacatos que não dos putos que adoravam e até incentivavam o Serafim.
Um belo dia e recentemente, rebentou mais um confronto, questões raciais na sua origem como habitualmente e amplamente noticiados por vezes em reportagens quase fantasiosas e que deturpavam os acontecimentos em prejuízo de quem habitava longe de se envolver com o pequeno número de desordeiros, aliás referenciados pela policia.
Naquele dia já o entardecer caía sobre as ruas, um dos intervenientes na refrega não terá gostado de escutar o papagaio que parecia cada vez mais excitado , apontou a arma para aquela janela disparou certeiro tiro e uma bala calibre .22 acabou com a vida do colorido e bonito papagaio.
Teria sido enorme desgosto para Jónatas não fosse o caso de nesse mesmo dia, uma bela e escultural mulata ter entrado na sua vida e na sua casa.
Caíram lágrimas é certo, sentiu enorme revolta pelo sucedido e antes do cair da noite decidiu que este não mais seria o seu bairro, não era local para viver o seu grande amor e criar uma Família.
E partiram os dois com os poucos haveres que tinham.
Para onde? Não sabemos.
Carapau de Corrida
quarta-feira, 8 de julho de 2009
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Carapau de Corrida, aproveite este conto e transforme-o numa novela ou mesmo num romance.Como apareceu a mulata? para onde foram? durou? e saudades do Serafim?
ResponderExcluirGostei e já ia por aí.
Realmente presta-se a desenvolvimento.
ResponderExcluirAssim ficamos com a água na boca...
Will Smith no protagonista, Juliana Paes no papel da mulata e o título internacional para o filme " The talking Perroquet", realização de Spielberg.O que acham ?
ResponderExcluirOnde já se viu um Carapau matar um papagaio ?
ResponderExcluirEsta ideia de continuidade até que parece ser engraçada.
Também desafio este Trachurus trachurus, a continuar o seu conto.
Se ele se encolher, deixa de ser Carapau e passa a Pescadinha de Rabo na Boca...
ResponderExcluirEi Carapau, o desafio está lançado e acredito que um Carapau não se quer ver travestido de Pescadinha e ainda por cima de Rabo na Boca.
ResponderExcluirMãos à obra, perdão, guelras ou barbatanas ou lá o que seja, à obra!!!
Estorinha interessante, demasiados adjectivos, parabéns na mesma, Carapau !! :-)
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