Todas as manhãs bem cedo apanhava o autocarro 27 que ia para o Restelo.
Iniciava a viagem em frente da Feira Popular na Avenida da República e saía na Calçada da Estrela.
À hora a que partia conseguia sempre um lugar sentado.
Embora preferisse um lugar de janela, escolhia uma coxia, pois apesar de a viagem ser longa, ficava sempre ansioso com o momento da saída com receio de não conseguir sair a tempo.
Conhecia o percurso de cor: duas paragens na Avenida da República, volta ao Saldanha para descer a Casal Ribeiro antes de virar para a Actor Taborda, onde parava antes de chegar à Praça José Fontana.
Descia a Duque de Loulé e atingia o Marquês de Pombal. Fazia-se à Braamcamp e logo estava no Largo do Rato.
Iniciava então a subida da Álvares Cabral até chegar ao Jardim da Estrela, que circundava para passar na Borges Carneiro até ao cruzamento com a Calçada da Estrela.
Uns bons quarenta e cinco minutos de percurso pela manhã.
Um dia viu chegar um autocarro anormalmente cheio.
Não se atreveu a entrar.
Passados uns minutos chegou outro igualmente cheio.
A ansiedade crescia, o coração batia, tinha medo de entrar, dos empurrões, da porta que o podia entalar.
Como visse o tempo a passar, resolveu meter-se ao caminho.
Só conhecia o percurso do autocarro, tinha receio de enganar-se e perder-se.
Foi assim que, meticulosamente, quando chegou ao Saldanha deu a volta à praça e fez todo aquele caminho como se fosse dentro do autocarro.
Quando chegou, atrasado é claro, não sentia o cansaço.
Apenas orgulho e confiança.
A tarde foi mais lenta e menos entusiasmante do que a manhã e no regresso a casa, agora pela mão da mãe, esta sentiu-lhe o silêncio, reparou nas suas olheiras e depois de algumas insistências conseguiu arrancar-lhe as palavras que descreveram a aventura.
Com o ar mais natural, agora que se sentia em segurança, João, do alto dos seus 7 anos, afirmava que tinha sido fácil e que não podia ter feito de outra maneira.
Quando à noite a mãe lhe foi dar um beijo de boa noite, perdeu-se em festas até depois de ele ter adormecido.
E sentiu um aperto no coração.
Hoje riem-se muito quando se lembram do episódio.
Pinta
sexta-feira, 3 de julho de 2009
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Belo Conto, Pinta.
ResponderExcluirE, não sei porquê, cheira-me a autobiográfico...
Ou estarei enganada ?
Tudo o que escrevemos é, de certo modo, autobiográfico.
ResponderExcluirPelo menos comigo é o que acontece.
E até me esquecia de falar no Conto.
ResponderExcluirEscrita escorreita e credível que nos fez caminhar com o jovem João, desde a Feira Popular até perto da Basílica...
Umabela viagem que passou num instante.
A Pinta, desde que deixou os ambientes mais cosmopolitas, ganhou muito como contista. Parabéns.
ResponderExcluirPinta, gostei da escrita mas tremi com a pedagogia !
ResponderExcluirNos tempos que correm, sete anos não é idade para aventuras semelhantes.
Bela história Pinta, eu gostei bastante.
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