segunda-feira, 6 de julho de 2009

Repórter de Guerra

Conduzia há várias horas numa viagem que já contava com vários dias.
Não se podia dizer que até ali tivesse corrido mal, apenas os incidentes habituais destas viagens longas, nem sempre pelas melhores estradas, nem sempre preparadas com a exigência que lhes é requerida.
Mas já estava na recta final e começava a sentir ânsia de chegar. Até tinha optado pela auto-estrada para que este último percurso pudesse ser menos penoso e chegar mais depressa.
Já há dois anos que estava fora.
Afeganistão, Darfur, Iraque tinham sido as suas últimas posições para um trabalho duro e por vezes quase desumano, mas que nem por isso o tinham levado alguma vez a desistir.
Antes pelo contrário, embrenhou-se totalmente até começar a sentir que poderia estar a perder a sua própria identidade e a razão de ali estar.
Ganhou outra dimensão humana, outra forma de sentir os outros, outro sentido para a sua vida.
Sabia que a missão estava por ora cumprida e, sobretudo, sentia que estes dois anos tinham sido a sua melhor terapia.

Orgulhava-se como repórter de guerra, profissão que nunca equacionou mas que as voltas da vida para lá o tinham empurrado; orgulhava-se como homem que, depois das muitas cabeçadas e más escolhas, tinha conseguido traçar o seu próprio destino e fazer a diferença, deixando que a vida não lhe passasse ao lado.
Sentia-se bem consigo próprio, retemperado, recuperado.
Agora sim, sentia cada vez mais saudades de tudo e de todos, achava mesmo que rebentaria se maior fosse a distância que o separava do seu mundo.
Voltaria a ser o seu mundo e, só de lhe passar isso pela cabeça, deixava-se emocionar.

A portagem já se configurava ao fundo, iria fazer os últimos kilómetros calmamente, com luz de final de dia como tanto apreciava.
Chegaria para jantar, surpresa para todos excepto para a mãe a quem nunca tinha conseguido esconder nada!

Entregou o bilhete ao portageiro e quando este lhe deu o troco, a parte mais penosa da sua vida voltou a abater-se sobre si.
Tinha visto demasiadas vezes aquela mão para agora não a reconhecer.
Afinal era a mão que segurava a sua filha sempre que esta ia estar com o pai!
Brutal! Quase tanto como quando soubera que Rita afinal não era sua filha, que Francisca afinal tinha tido um caso com um namorado antigo, que afinal esse namorado era o verdadeiro pai.

Diziam que se tinha portado como um homem verdadeiramente decente e corajoso, se bem que isso nunca lhe diminuiu a dor de enlouquecer que arrastava até há bem pouco tempo.
Rita continuou a ser sempre a sua filha, Francisca, tal como ele, seguiu a sua vida não sem dor, do chamado pai nunca quis saber nem ver.
Era sempre o tio que levava e entregava Rita, mão bem forte e determinada naquela tarefa que lhe era confiada.
Voltava a dor de enlouquecer e voltar ao seu mundo era agora quase que impossível, porque talvez o mundo voltasse a não ser seu…

Luís não ia chegar, nem para jantar nem nos tempos mais próximos.
Surpresa para todos excepto para a mãe a quem nunca tinha conseguido esconder nada.

Quin

3 comentários:

  1. Quin, há quanto tempo?
    Um pouco confuso e, aparentemente, com algumas mensagens codificadas, mas mesmo assim, bastante interessante.
    Agora, não esteja é tanto tempo sem dar sinais de vida...

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  2. Esquece, Quin, eu amei...

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  3. Correspondente de Guerra, um tema que ainda não tinha sido aproveitado e que tem pano para mangas...
    Eu pelo meu lado gostei.

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