Todos os anos ia até ao Algarve passar uns dias, mas ficava sempre na mesma zona.
Ali estava rodeado de praias da moda, centros comerciais, restaurantes de autor, praças de touros, parques temáticos e aquáticos, lojas de marca, supermercados, cinemas, condomínios fechados, spas, discotecas e bares, enfim, todas as comodidades modernas a que não conseguia fugir, mesmo durante aquelas duas semanas de férias em que deixava o escritório de advocacia na mão dos seus sócios, de longa data.
Mas naquele dia, meteu-se no seu Alfa Romeo topo de gama e rumou para outras paragens. Queria experimentar algo de diferente…
Passou Faro, Loulé e Tavira e virou à direita, pouco depois de Cabanas.
O letreiro dizia Cacela. Foi seguindo uma estrada de terra, tortuosa, até parar num local que uma tosca tabuleta indicava como Fábrica.
Sentiu-se noutro mundo.
A Natureza em toda a sua plenitude.
Uma língua de areia que se espraiava entre a Ria e o Mar.
Atravessou para o outro lado, numa moderna chata de fibra de vidro que substituíra os antigos barcos de pescadores a remos e, posteriormente, com motor fora de borda.
O condutor da embarcação recomendou-lhe o arroz de lingueirão, especialidade do restaurante que se debruçava sobre a Ria.
Passeou no areal quase deserto.
Como uma criança, sentou-se a apanhar berbigão, que parecia brotar da areia.
Seguiram-se as cadelinhas com que encheu um saco de plástico que trouxera com algumas peças de fruta.
Sentia o sol forte a queimar-lhe a pele.
Deitou-se nas piscinas naturais que, aqui e ali, se formavam de maneira aleatória.
A água morna fê-lo esquecer a friagem de outras paragens.
Entretanto a maré ia subindo.
Os poucos banhistas foram-se, levando os filhos pequenos, pela mão.
Foi passando de ilhota para ilhota, com cuidado porque os seus dotes natatórios eram escassos, muito escassos.
Cansado, acabou por adormecer, extasiado de contentamento.
Há muito que não se sentia assim purificado, livre, selvagem.
Horas depois, quando acordou o sol já desaparecera.
O ilhéu onde se encontrava, reduzira-se a uns poucos metros quadrados.
A água, com metros de profundidade, impedia-lhe a fuga.
E subia, impiedosa.
Tentou gritar, esbracejar. Ninguém o ouviu.
O último som que emitiu foi um gorgolejar estrangulado…
E a praia lá continua lá, linda, selvagem e quase desértica.
Ernesto E. Minguêi
quinta-feira, 30 de julho de 2009
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Gostei da narrativa,gostei do desfiar dos pormenores e gostei do final, mais realista do que muitos podem imaginar.
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