Quando, a meio da tarde, voltei a casa e abri a porta, surpreendi-me com a caixa colocada no chão, mesmo junto à entrada.
Já não me lembrava da encomenda que a minha vizinha do lado me entregara nessa manhã e que eu para ali deixara sem lhe ligar importância nenhuma.
Mas, entretanto, muita coisa se passara.
Toda a conversa tida com a Cristina Almeida, ou ‘Foxy Lady’ como, por vezes, ainda continuava a achar mais adequado chamá-la, para além de assustadora em certos aspectos, fora agradável e esclarecedora.
Estava metido numa camisa de onze varas e, se queria sair deste caso com honra e proveito, tinha que ter muito cuidado com todas as atitudes que tomasse daqui para a frente.
Peguei na caixa. Encostei o ouvido à mesma, tentando perceber se algum engenho explosivo tiquetaqueava no seu interior.
Transportei-a para a bancada da cozinha.
O Leónidas olhava-me, de longe, com o ar antipático e sobranceiro de quem não está a gostar das mudanças introduzidas na nossa rotina diária.
Fui rasgando o papel grosso envolvente, com cautela, para não despoletar qualquer mecanismo sofisticado.
A série da Missão Impossível, do McGuyver e similares tinham - me dado elementos preciosos, na maneira de como lidar com tais situações.
Só que as explosões dentro do televisor são bem menos destrutivas que uma que, eventualmente, ocorresse na minha atraente cozinha decorada em preto, branco e cinza.
Meia hora depois, com a testa perlada de suor, apesar da casa não estar excessivamente aquecida, consegui atingir a caixa interior.
Uma caixa de uma conhecida marca inglesa de sapatos feitos por medida.
Abri-a, com a noção que no seu interior não iria encontrar calçado.
E, assim foi. Primeiro deparei-me com um envelope…
Dentro um cartão com breves linhas, assinadas pelo Comendador Salcedas.
“ Caro amigo
Envio-lhe mais material que certamente o ajudará no seu trabalho.
Dei ordens ao meu motorista para em caso de não o encontrar em casa entregar esta caixa à sua vizinha do lado.
Espero que não se importe
Abraço
A.S.”
Talvez andasse a ficar com o síndrome das conspirações mas, destas breves linhas, uma frase ressaltou .
“…à sua vizinha do lado”. Como é que o Comendador sabia que eu tinha uma ‘vizinha do lado’?
Não teria sido mais natural escrever ‘ um dos seus vizinhos’?
Observei o conteúdo da caixa…
Cartas amarelecidas, fotografias várias, um mapa velhinho dobrado em várias partes, um anel com uma grande pedra preta, uma bússola…
Adivinhava-se muito trabalho pela frente.
Possivelmente, nova noitada.
Lembrei-me, de repente, que convidara a Cristina para passar lá por casa para tomar café depois do jantar.
Aliás, perguntara-lhe se ela queria ir lá jantar mas ela, a pretexto de um anterior compromisso, escolhera a hipótese do café.
Parece-me que se esforça por manter a nossa relação num plano estritamente profissional
Recuei algumas horas, ao momento em que me tinha afirmado não querer ser cúmplice da minha morte…
Fora talvez essa a única vez, até essa altura, em que eu vi que por trás da imagem da mulher forte, segura e irónica, com uma resposta pronta e apropriada para todas as situações, existia uma mulher sensível e frágil.
Mas essa exposição durou apenas breves segundos.
Logo, logo, a máscara do profissionalismo voltou a cobrir o rosto de traços perfeitos, a linha da boca endureceu e os olhos perderam o breve orvalho da emoção.
“Mas agora o que temos que fazer é estudar uma estratégia que volte as coisas a nosso favor. Para que saiamos de toda esta confusão mais ricos, que é o que mais me interessa, mais famosos, no seu caso concreto e, mais importante que tudo o mais…com vida.”
Pedimos a conta e voltamos de novo para o carro.
Já dentro do bólide observámos, de novo, o casarão que me tinha sido indicado antes.
“ É ali que, todos os meses, se realizam duas reuniões dos Cavaleiros do Ocidente, com excepção de Janeiro que tem apenas uma.”
Pausa para acender o primeiro cigarro pós almoço.
“ Cada uma das reuniões, num total de vinte e três anuais, tem como tema uma letra.
O meeting de Janeiro foi subordinado à letra A, e este agora, o primeiro de Fevereiro andará à volta da letra B.”
Não deixei de achar curiosa, a coincidência.
Lá estava eu, de novo, às voltas com a letra B...
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
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A letra B às vexes pode ser uma 'ganda nóia...
ResponderExcluir:-)
...(...) a linha da boca endureceu e os olhos perderam o breve orvalho da emoção (...).
'Nuno' és um 'doutor' em figuras de estilo and I friggin' like it !!
'bora lá ou como diriam os américas, "Go, go, go !!!"
E esse café? agora que essa caixa chegou? Isto está lindo...
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