quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

XXII - Pastéis de Belém, como sobremesa

Estava a terminar o jantar, um simples arroz de salmão acompanhado por um branco bem gelado, quando tocaram à porta.
Era a Cristina. A ‘Foxy Lady’, se preferirem.
Pediu-me desculpa por estar a chegar tão cedo, mas, afinal, o compromisso que tinha marcado, ficara sem efeito.
Trazia-me meia dúzia de pastéis de Belém. Como é que ela teria descoberto que eu sou doido por essas bombas calóricas salpicadas de canela?
Teria sido resultado das suas investigações preliminares?
“ Espero que seja apreciador…”
Afinal, talvez me estivesse a precipitar.

Sentámo-nos na sala e preparei-lhe, sem precisar de grande insistência, um prato com o arroz que, modéstia aparte, estava uma verdadeira delícia.
Era um prazer observar a maneira sensual e gulosa como Cristina saboreava as lascas cor de salmão, do propriamente dito.
Dez minutos depois, perguntava-me se podia fumar e, sem me dar tempo para responder, sacou de um cigarro, semicerrou os olhos, recostou-se para trás e começou a falar.
“ Como lhe expliquei, o primeiro encontro deste mês vai ser neste próximo fim-de-semana no tal palacete de Sintra, e os códigos de acesso e tema geral da reunião vão-se basear na letra B. O jantar que ia ter hoje era precisamente para investigar qual vai ser a palavra que nos vai colocar lá dentro e qual o tema das fantasias que teremos que usar…”
Nesse momento, a minha mente, sempre criativa e sonhadora, já construíra um cenário do tipo do Eyes wide shut do Kubrik. Soberbas mulheres nuas fazendo amor pelos recantos do palacete, enquanto cavalheiros de dominós escuros e máscaras venezianas as seguiam obedientes…

Mais uma vez, a assertividade da minha convidada fez-me regressar à terra.
“ Agora não comece a imaginar grandes orgias à filme, porque sexo deve ser a única coisa que não acontece nessas reuniões…”
E, bebendo mais um gole do vinho gelado “… política, racismo, religião, finanças, mas nada de sexo…” perante o meu ar desiludido continuou “…mas não me parece que o Nuno esteja mal servido nessa área, ou estarei enganada?”
Não me deixei levar para esses terrenos perigosos. Levantei-me e fui buscar a caixa que o Comendador mandara entregar.

Cristina mostrou-se surpreendida com a encomenda e escutou, com interesse, as minhas explicações acerca de muitas das peças que constituíam o pequeno espólio.
“ Nesta foto, pode-se ver o Hemingway na presença de dois dos principais adversários de Franco, durante a Guerra Civil Espanhola – o mais velho é o sindicalista Largo Caballero e o que tem o braço por sobre os ombros do escritor é Buenaventura Durruti, torneiro mecânico anarquista, visita habitual das prisões durante a ditadura de Primo de Rivera” gostei de ver o interesse que despertara na minha atraente visita.
“ Durruti combatia lado a lado com os seus camaradas, sempre vestido de fato- macaco.”
Levantei-me para ir colocar outro CD. A música deslizou pelos cantos da sala e deve ter acordado o Leónidas que se veio roçar pelas pernas da minha visita. A festa que esta lhe fez, na cabeça, pô-lo a ronrronar , feliz. Como eu o compreendo...
Depois, continuei a minha prelecção “ Em Novembro de 1936, Durruti foi com a sua milícia defender Madrid que estava a ser ameaçada pelas tropas franquistas e foi mortalmente ferido, por uma bala proveniente da retaguarda…”
Há muito calada, a bela morena, concluiu “ Mais um dos muitos mistérios em que esta ‘novela’ é pródiga…”

Como que cronometrado ao segundo, o telefone soou, lá longe, no meu quarto.
Passam-se semanas sem o telefone fixo tocar.
Todos os meus amigos, ou relações profissionais, utilizam o telemóvel, desconhecendo, até, o meu número de casa.
A última vez que alguém utilizara este meio para me contactar tinha sido a tal B. misteriosa.
Pedi à “ Foxy Lady” que fosse ela a atender, para vermos qual seria a reacção.
Pareceu-me que ela até achou graça à sugestão…

Antes de levantar o auscultador, lançou um olhar apreciativo à sobriedade do quarto, onde a grande cama com imensas almofadas era a peça principal.
“ Allô, quem fala?”

A resposta não se fez esperar “ Carago, que é que a Cristina faz em casa do Nuno?
Que raios…?”

Era o Comendador Salcedas.

5 comentários:

  1. Esse comendador tem espias em tudo quanto é lado.

    ;-)


    Contribuiçãozinha para a história:

    os Mac-Paps.

    imagem aqui .

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  2. Um dos mais conhecidos de entre eles:

    o Dr. Norman Bethune que lá criou um serviço de transfusão de sangue e coisas assim.

    Dantes havia uma livraria em Paris com o nome dele...

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  3. Mesmo não tendo o exotismo dos ambientes, esta história ainda está mais intrincada que os Crimes...

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  4. Nessa guerra aqui o grosso da "tugalhada" bateu-se pelo outro lado como decerto sabem...

    Exceptuando aqui esta meia dúzia de gajos .

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