1, 2, up, 1, 2, 3... O ritmo cadenciado de uma mazurka enchia um dos muitos espaços daquele Festival de Verão. Na tenda de lona, alguns pares dançavam. Aqui e ali, pessoas sentadas no chão de terra batida ouviam a música e conversavam. Eles estavam sozinhos. Tímidos, estudavam o ambiente. Indecisos se ficariam ali ou avançavam para outro espaço. Os seus olhares encontraram-se. 1, 2, up, 1, 2, 3... A música dizia-lhes que era urgente conhecerem-se. Dançaram. Timidamente, no início. A apalpar humores, a perceber temperamentos. No fim, a vontade de se descobrirem.
Nos dias que se seguiram, as coincidências. A encontrarem-se por acaso nas muitas tendas do Festival. As conversas. Os púcaros de alumínio pendurados nas mochilas. O vegetarianismo partilhado. Ele, com o chapéu preto na cabeça. Ela, com as chanatas do Lago Titicaca nos pés. Ele, com cheiro a manteiga de ovelha embrulhada em papel de borrão das mercearias antigas. Ela, com cheiro a terra molhada dos primeiros dias de chuva. Ele, a falar do Fórum Mundial Social. Ela, a falar do Protocolo de Quioto. Duas pessoas, habitantes de diferentes lugares do Planeta. A entrelaçarem experiências, afectos e sentidos, no ritmo cadenciado de uma mazurka. 1, 2, up, 1, 2, 3... As coincidências são acasos com sentido, ouvi dizer certa vez.
Trocaram emails e moradas. Nos meses que se seguiram, as conversas na world wide web, acompanhadas pela troca de correspondência postal, a lembrar tempos antigos. A colecção de selos dos sítios do Mundo por onde passavam. A troca de livros e músicas, histórias de vida que se contavam. Uma história comum que se construía. Uma história de Amor, em sintonia com as personagens de ficção dos livros que partilhavam pelo correio, embalada por uma música que ouviam em simultâneo: “First day of my life”, Bright Eyes (http://www.youtube.com/watch?v=zwFS69nA-1w). A música do email thing, como lhe chamavam, e que fez disparar o número de vizualizações no youtube à escala planetária...
Encontraram-se no Verão seguinte. Numa eco-aldeia, os púcaros de alumínio pendurados nas mochilas, a tenda montada em frente a um lago de nenúfares. Os chorões faziam uma cortina até ao chão para que pudessem, quase em segredo, experimentar a Política dos 3 R’s. Reduziram as diferenças que os separavam. Reutilizaram as fórmulas antigas para expressar a ternura. Reciclaram o que sabiam sobre o afecto. E reinventaram o Amor... Comeram iogurte, com mel e frutas. E dançaram nús. Despidos de fronteiras culturais, redescobriram-se no ritmo cadenciado de uma mazurka. 1, 2, up, 1, 2, 3...
E o projecto de vida. Ele, a querer saber mais sobre o mundo. Os planos para aprofundar o saber, a montar a tenda em local fixo. Ela, a querer saber mais sobre o mundo. Os planos para viajar, a montar a tenda em local incerto. E no ritmo cadenciado de uma mazurka, a busca de um Planeta sustentável. E a descoberta da insustentabilidade de um Amor. 1, 2, up, 1, 2, 3...
Um Peixe chamado Wanda
terça-feira, 31 de março de 2009
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Um microconto muito bonito...quando é que contas a versão longa??:P
ResponderExcluirFartei-me de rir com os 3R's!! Tens de enviar também uma Mazurka para ouvir-mos enquanto lemos o conto!
Isto com música tem outro sabor.
ResponderExcluirOlá Fiona!:)
ResponderExcluirComo cada história tem a sua própria história...
Não sou entendida em mazurkas. Apenas sei que se trata de uma dança tradicional polaca, dançada a pares.
Deixo aqui o possível, a partir das sugestões que uma amiga me enviou uma vez por email, em formato audio e que, por azelhice minha concerteza, não consigo colocar o link. Mas fui procurar noutra versão.
Aqui fica a mazurka Pauline:
http://www.youtube.com/watch?v=ogeMwKp__NY
;)
Muito Verde e Ecológico, e muito bem escrito também...
ResponderExcluirDurante cerca de um ano dei uma de globe trotter pelo Perú, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai. Esta estória com variantes variadas aconteceu com esta zinha.
ResponderExcluirFestival de Verão. Senti o cheiro da erva, ouvi a música e deixei-me levar pelas palavras.
ResponderExcluirMais, mais...Peixe chamado Wanda.
Belo conto de solidariedade responsável e de universalismo de ideias.
ResponderExcluirSó não gostei da assinatura, que me trouxe à memória uma comédia sem nexo que vi há alguns anos.
Ele há dias em que não há saco
ResponderExcluirfaço minhas as palavras da "tecladora" anterior... ;-P
ResponderExcluirE há aquela anedota: "Se enjoa, porque é que insiste???"
ResponderExcluirEu gosto da forma como escreves e o talento de contadora de histórias...
ResponderExcluir...Wanda...
ResponderExcluir1,2,up 1,2,3... O mais musical e o meu preferido, até hoje - que os outros não me levem a mal!
E porque o seu Conto É uma peça musical, e a Música a minha Arte de eleição, permita-me que deixe aqui uma pequena achega às suas questões.
A Mazurka é, de facto, uma dança tradicional polaca que, nos dias de hoje, já não é dançada naquele país, creio eu.
Numa viagem recente a Cabo Verde, vi-a, no entanto, ser dançada - e muito bem dançada - na Ilha da Boavista, numa variante da Mazurka, chamada "Rabolo", que é oriunda da Ilha do Fogo (para quem goste do género, aconselho vivamente um disco do Bau - "Tôp d`Coroa".
Em 1998, aquando da realização da Expo98, Pina Bausch estreou, em Lisboa, uma coreografia chamada "Mazurka Fogo", que tem essa raíz...
Desculpe-me, se me alonguei...
Não consigo resistir... à Música!
Como Peixe gosto mais de Dourada, mas como storyteller a Wanda está aprovada.
ResponderExcluirSai mais uma dose...
Querida Wanda,
ResponderExcluirÉs uma excelente contadora de estórias.
Tens em ti o dom doutros tempos em que não havia escrita e as tradições eram passadas através de contos e lendas, perpetuando um momento pela eternidade.
Possuis a capacidade de envolver quem te lê, guiando-nos através da tua narrativa, enebriando-nos com a tua escrita. E passamos a fazer parte dela. E sentimos os cheiros; o ritmo compassado da música e dançamos. Nós estamos lá, trocando olhares, e-mails...
Somos testemunhas e somos protagonistas de uma história que não vivemos, mas que a vivemos através de do teu conto como se dele fizessemos parte.
Partilhamos a história de Amor e sentimos o palpitar dos corações apaixonados dentro do nosso.
E isso acontece porque sentes e espraias a tua alma no que escreves e nós, leitores, sentimos a emoção na pele.
E a música, tal como o teu conto... tão simples...tão bela...tão envolvente...
Só resta agradecer-te por nos fazeres sentir.
James Starfield