segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O Big Bang

47
Marcos Tupinambá, seguia no meio da multidão de muitas centenas de pessoas que se acotelavam nas áleas do cemitério, tentando passar o mais despercebido possível.
Os trutas iam todos lá à frente. O casal Cassini, acenando para os fotógrafos com um ar pesaroso, num misto de hipocrisia e cinísmo.
Logo atrás, Velic e os venezuelanos, que já lhe tinham dito que tão depressa terminasse a cerimónia, iriam aproveitar a boleia do sérvio para o Aeroporto, para voarem para Caracas, depois de uma viagem que lhes resultara infrutífera ( isto eles não disseram, mas era patente no seu rosto).
O contabilista magricelas, com um ar falsamente compungido, caminhava lado a lado com o detective português, esse sim devastado por uma dor que lhe pareceu sincera.
Vários guarda costas abrutalhados, que para ele pareciam todos iguais, acotovelavam-se, deixando passar para o bloco da frente apenas os colunáveis, senhores de cartéis, craques da bola e vedetas da música e da televisão.
De quando em vez, esses socialites e afins, paravam junto a um túmulo ou mausoléu de uma qualquer celebridade desaparecida.
Maria Bethânia e o mano Caetano, eram especialistas nessas manobras, escolhendo locais estratégicos, o que originava que a chusma de fotógrafos, ansiosa por um instantâneo diferente, os seguisse como abelhas.
O primeiro ponto de paragem tinha sido o túmulo de Cazuza, o jovem talento da MPB, umas das primeiras vítimas aquando do aparecimento da AIDS.
De seguida, novo ajoelhar junto a o mausoleú a Dorival Cayimi, baiano como eles, que Marcos julgava ter sido enterrado, como seria mais natural, em Salvador.
Felizmente, os túmulos de Vinicius de Moraes e da portuguesa que mais divulgara o Brasil, Carmen Miranda, não lhes mereceu nem um olhar.
Entretanto, Cláudia Raia de choro e decote generosos, ajoelhava-se, o que com a saia justa que trazia era uma dádiva dos céus, para repórteres e público em geral, em frente à lápide de Daniella Perez, jovem actriz de novela, assassinada por um colega enciumado e com a colaboração , estranho conluio, da mulher deste.
A cerimónia da incineração, era este o processo escolhido, por sugestão do policial brasileiro, para uma maior facilidade de envio das cinzas para a família em Portugal, demorou poucos minutos.
Na altura da entrega da ânfora metálica com os restos mortais da infeliz Deolinda, reduzidos a pó, Gabriela limpando, ou fingindo limpar, uma lágrima furtiva, avançou com aquele pisar que lhe dera fama nas passerelles mundiais.
Mas Teo, não lhe dando margem de manobra, ultrapassou-a e sem qualquer delicadeza, apossou-se da taça, que mais ninguém se atreveu a disputar-lhe.
Na volta para trás, o pouco decoro que existira antes, dissipou-se.
Os primeiros a sair acotevelando todos, foram os Chavez, logo seguidos por Velic.
Os populares, já esquecidos da seriedade da cerimónia, atropelavam-se na caça aos autógrafos.
Ensaivam-se poses para as fotos, concediam-se pequenas entrevistas.
Marcos Tupinambá olhou para Teodorico Santana, que se encontrava, nesse momento, a seu lado e viu pelo crispar do maxilar que o portuga estava prestes a passar-se.
Para evitar o pior e lhe transmitir alguma solidariedade, o brasileiro colocou-lhe o braço sobre os ombros.
Quando Teo o olhou surpreendido, ouviu-se a enorme explosão...
A reacção imediata, que fez ambos saltarem para o chão, provocou, em simultâneo, que as cinzas de Deo se espalhassem e fossem pisadas pela multidão em fuga...

3 comentários:

  1. Jesuuzz, coitada da Deo !

    Parabéns pelo nº 47, seu J.V. , gostei...

    :-)

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  2. Eu bem dizia que ia haver merda no cemitério

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  3. Cada vez mais bem escrito.
    Cada vez os personagens se tornam mais gente.
    A história comanda o escritor...

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