segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O que se quer - Miguel Esteves Cardoso

Querer alguém, ou alguma coisa, é muito fácil.
Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, é uma coisa mais bonita do que se diz.
Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, não sabíamos que estávamos tão insatisfeitos.
Porque não estávamos.
Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz.
Para não falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer.
Como foi possível viver sem ela? Foi uma obscenidade.
Querer é descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. Não há surpresa maior.

O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos.
Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos.
Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos.
Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer.
Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos?
É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta.
É a parte de nós que olha por nós e nos reconcilia connosco.
Quanto mais queremos outra pessoa, menos nos queremos a nós...

Querer é mais forte que desejar, pelo menos na nossa língua.
Querer é querer ter, é ter de ter.
Querer tem mesmo de ser.
Na frase felicíssima que os Portugueses usam, "o que tem de ser tem muita força".
Desejar tem menos. É condicional.
Quem deseja, desejaria. Quem deseja, gostaria.
Seria bom poder ter o que se deseja, mas o que se deseja não dá vontade de reter, se calhar porque são muitas as coisas que se desejam e não se pode ter todas ao mesmo tempo.

Querer é querer ter e guardar, é uma vontade de propriedade; enquanto desejar é querer conhecer e gozar, é uma vontade de posse.
O querer diminui-nos, mas o desejar não.
Sabemos que somos completos quando desejamos - desejamos alguém de igual para igual.
Quando queremos é diferente - queremos alguém com a inferioridade de quem se sente incapacitado diante de quem parece omnipotente.
O desejo é democrático, mas o querer é fascista.

O que desejamos, dava-nos jeito; o que queremos fez-nos mesmo falta (...)

Miguel Esteves Cardoso

3 comentários:

  1. Um MEC mais maduro, talvez mais tranquilo mas, sempre, uma cabeça !!!

    ResponderExcluir
  2. O MEC escreve muitíssimo bem...

    mas eu acho que 'tá "comprido", pah... e tu também !

    :-)

    ResponderExcluir
  3. Seja como fôr devo-lhe os Joy Division (e o engraçado é que eu é que estava em Salford, e ele em Manchester...)

    Ele espetou num jornal de cá (o defunto Sete ?) com um texto absolutamente notável chamado Um sismo de todos os sentidos

    Pois foi.

    :-)

    ResponderExcluir