segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

XIX - O Cantinho de São Pedro


Depois de nos termos sentado junto à janela, olhei à volta a decoração, com a rusticidade das pedras à vista, e recordei a forma, algo insólita, como se dera o meu primeiro encontro com aquele restaurante.

Alguns anos atrás, recebera a visita de um casal californiano, a Cherry e o Paul, recomendados por uma amiga minha, sua conterrânea.
A empatia surgiu, de imediato, e fiquei a saber que a sardenta e simpática Cherry tinha vivido a sua infância em Carcavelos, devido ao facto do pai ter sido CEO de uma qualquer multinacional.
Dessa época, tinha apenas vagas recordações, mas lembrava-se com muito carinho da sua nanny, uma portuguesa com quem ficara a corresponder-se, tipo cartão de Boas Festas, at Christmas time.
E era essa senhora que ela me pedia que a ajudasse a encontrar, passados mais de vinte anos sobre a última vez que se tinham visto.

Com algum trabalho detectivesco, e, confessemos, muita sorte, consegui descobrir que a ama portuguesa estaria agora a trabalhar no tal restaurante, onde neste momento a ‘Foxy Lady’ observava o exterior com o olhar incisivo e perscrutador, que era uma das suas imagens de marca.
Quando, um dia, à hora do jantar rumámos a Sintra, qual não foi a nossa surpresa ao descobrirmos que a tal senhora era afinal uma das três sócias do restaurante, juntamente com o marido e um cozinheiro francês que, mais tarde, saiu da sociedade.
Muitos risos, abraços e lágrimas à mistura, que terminaram com o convite para um jantar inesquecível onde fui apresentado a uns quenelles e uns crepes de lagosta divinais, que passaram a ser a minha escolha permanente, nas vezes seguintes, em que já sem os gringos, continuei a visitar ‘O Cantinho’.

E foram, de novo, esses mesmos pratos que resolvi escolher para partilhar com a minha companheira que, inquieta, continuava a olhar para o exterior, enquanto eu aproveitava para examinar, em pormenor, todos os outros comensais que dividiam a sala de refeições connosco.
A maioria eram estrangeiros, de meia idade e bom aspecto. Um casal jovem, com ar de estar em lua-de-mel dividia ternurices e a mesa junto a nós.
Numa outra, lá mais para o fundo, estavam dois homens no que, à primeira vista, poderia parecer um almoço de negócios, porém o que estava voltado para nós, uma figura que, mesmo sentado, se via ser de elevada estatura, não tirava os olhos da minha companheira.
Tal facto não era de estranhar dada a invulgaridade da beleza da mesma, mas havia algo no semblante do fulano que me fez fixá-lo melhor.
Aquela não era uma expressão de quem vê uma mulher pela primeira vez.
O seu rosto transformara-se e mostrava admiração, desejo e uma intensidade de sentimentos que me assustou.
Além disso eu conhecia aquela cara de qualquer lado.
Seria da política, do jornalismo, alguma ligação ao Cinema? Sentia que seria por aí…
E até mesmo o nome, tinha-o debaixo da língua.
Algo relacionado com uma ave…
Águia, Condor…Gavião?

Nesse momento, chegaram os quenelles de pescada, e a Cristina Almeida, pareceu, finalmente relaxar, tendo atacado a iguaria com um evidente prazer.
“Cada vez aprecio mais o peixe” afirmou-me com um sorriso cativante, servindo-se de uma garfada generosa “ como é que descobriu esta maravilha?”
Resumi-lhe a história que vos contei acima e ela riu-se com uma gargalhada que lhe fez brilhar os olhos
“ Ah, então Nuno já tem experiência como detective. Talvez, no futuro, essa experiência lhe venha a ser útil…”
Resolvi aproveitar aquela maré de boa disposição, que como já tinha percebido poderia não durar muito, para lhe perguntar “ A Cristina conhece aquele fulano alto que está na mesa lá do fundo?”

Quando olhámos os dois, a mesa estava vazia…
Chamei a empregada.
“Sabe como é que se chamam os senhores que acabaram agora de almoçar e que estavam naquela mesa?”
A empregada, respondeu-me de olhos baixos “ Desculpe mas deve estar enganado…naquele lugar, hoje, ainda não se sentou ninguém…”

5 comentários:

  1. Oh diabo... quéquequé que se passa, seria o Robert de Niro na sua versão Lúcifer ?

    (é que o 'home' tem amigos por ali...)


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    Nota marginal:

    Conheci esse restaurante muito novinho, felizmente eram os meus pais a pagar porque eu não teria $$$, mas tenho ideia que no meu tempo o cozinheiro era tuga, embora tivesse sido emigrante em França.

    Foi lá que descobri o que era uma sobremesa chamada profiteroles.


    Aqui fica também uma receitinha de quenelles de peixe , infelixmente só em franciú...

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  2. AI, ai, ai... o que vem para aí?
    Estava a ler o episódio e a ver o restaurante da praia da Adraga, que é o meu preferido por aquelas bandas (no inverno...)

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  3. Quimera...
    Não estamos na praia da Adraga!
    Estamos em S. Pedro de Sintra...

    E de repente, não mais que de repente, entrou um homem invisível...

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  4. Impressionante, a nanny que fala aqui é a minha Mãe, e só uma retificação, não eram 3 sócias, eram só A minha Mãe e o meu Pai, o tal cozinheiro Francês que por sinal até era Português mas esteve muitos anos em França e a sua mulher.

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