sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

XXVIII - Gata em telhado de zinco quente

Já se devem ter apercebido que eu sou muito vulnerável aos encantos femininos
Mas no caso da Bia, duvido que alguém ficasse imperturbável perante o andar coleante com que ela transpunha os poucos metros que nos separavam.
As curvas bem marcadas, que, em tempos, eu percorrera durante horas, noites a fio, eram visíveis e desenhadas pelo vestido de seda que se lhe colava em pregas perturbadoras.
O decote discreto permitia, contudo, imaginar, ou no meu caso, recordar, os seios que, sem serem muito volumosos, tinham o diâmetro ideal.
A expressão era, como sempre, de algum desamparo e de uma falsa candura e inocência que, eu sabia-o bem, se transformava numa ansiedade sôfrega e perversa, mal a porta do meu apartamento se lhe cerrava nas costas.

Estava tão embrenhado na contemplação daquele belo espécime feminino que me esquecera da ‘Foxy Lady’ a quem a minha transformação não passara despercebida.
“ Se eu estiver a mais, é só o Nuno avisar…” será que no meio da ironia se podia ler uma ponta de ciúme?
Mas não tive tempo de alinhavar qualquer resposta porque, entretanto, a Bia já chegara ao pé de mim, com aquela voz rouca que me deixava sempre em ponto de ebulição” Tinha esperanças de o encontrar, foi por isso que vim…” e ignorando, ostensivamente, a minha companheira “ mas aqui está demasiada gente. Vamos até ao jardim…”
Balbuciei uma qualquer desculpa esfarrapada e segui a minha ex-namorada, amante talvez seja uma palavra mais apropriada, até um pátio interior com várias mesas e cadeiras e onde, devido ao frio, não se encontrava viv’alma.
Ela sentou-se, não sem antes olhar à volta como que assustada.
Conhecendo já o seu estilo ‘Ajuda-me, preciso de um ombro, de um peito, e já agora…para me apoiar’ não dei muita importância às miradas contínuas á larga porta envidraçada, por onde passáramos há minutos.
Tentando ultrapassar a situação, pois, de tão aparentemente apavorada, não a via com capacidade para iniciar um qualquer diálogo, perguntei-lhe “ Está tudo bem consigo? Posso ajudá-la em alguma coisa?”
O que eu fui dizer.
A bela mulher começou num choro convulsivo, enquanto murmurava repetidamente “ Vão acabar connosco…vão acabar connosco…”

Coloquei-lhe um braço, sobre os ombros nus.
Senti-a a tremer. Frio, pavor?
Apesar do insólito da situação, devo confessar que a proximidade daquele corpo maduro, sentir o seu cheiro permanente a fêmea em cio, não me deixava indiferente.
Fora, desde sempre, assim. A nossa relação baseava-se numa atracção carnal que pouco devia ao diálogo, aos gostos em comum ou a projectos futuros.

Conhecera a Bia numa vernissage de uma conhecida galeria, localizada no Campo Grande.
A exposição compunha-se de paisagens urbanas em tons azuis e cinza, melancólicas, sem que a presença humana fizesse a mínima participação.
Um ex primeiro Ministro e ex Presidente da Republica, rodeado de vários compagnons de route, tecia entusiasmadas considerações acerca de cada uma das telas.
Muitos outros convidados acotovelavam-se para se aproximarem do insigne político, enquanto olhavam distraídos as obras expostas.

Reparei na Bia porque era das poucas pessoas realmente interessada na pintura, sem ligar ao evento social.
Olhava cada quadro com vagar, apreciava a técnica utilizada, parava para escolher o melhor ângulo de observação, voltava atrás repetidamente.
E, depois, não nego que a sua beleza animal tenha contribuído para me chamar a atenção.
A esplêndida carnação, o magnetismo que dela emanava, faziam-na sobressair por entre as muitas dezenas de pessoas presentes.
Pelo menos, para mim…

Lá arranjei maneira de meter conversa, a pretexto de uma qualquer observação pseudo artística.
O primeiro olhar que trocámos tinha já uma carga eléctrica superior à do Castelo do Bode
Pouco depois, pedíamos umas pataniscas de bacalhau, do outro lado do jardim, no Quebra Bilhas, entretanto encerrado.
Mas mesmo antes de nos servirem a comida, já tínhamos pago a ‘conta’ e corrido para minha casa, onde as peças de roupa arrancadas foram marcando o trajecto desde a porta até à minha cama que, sem ter nada de virginal, nunca assistira a tamanha explosão de luxúria.

E foi assim, durante os três meses em que a nossa relação, constituída por pedaços aleatórios do dia, se consumiu sem limites de prazer, de cansaço ou de imaginação.
No entanto, nunca soube sequer o seu nome real, Bia era apenas um diminutivo.
Nunca falámos da sua situação familiar, nem da sua morada ou profissão.
Nunca tive qualquer contacto, telefone ou morada.

Por vezes, a meio de uma tradução, recebia um dos seus lacónicos telefonemas “Logo à tarde, às três…”
E eu deixava tudo para, a essa hora, a esperar em minha casa onde durante meia hora ou até ao outro dia de manhã, como aconteceu duas ou três vezes, e quase sem troca de palavras, repetíamos os versos da canção de Alceu Valença ‘ se amando na praça, como os animais…’

A voz gelada, que se fez ouvir nas minhas costas, cortou-me os agradáveis devaneios.
“ Beatriz, já para dentro…temos que nos ir embora !

4 comentários:

  1. As mulheres são sempre ninfomaniacas...é uma sina nossa.

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  2. E que eu saiba, só há (havia ?) uma única galeria no Campo Grande (e tinha uma bela de uma livraria acoplada, pertencia ao senhor M.B.) e realmente era a vinte metros da casa do bochechas...

    :-)

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  3. Uau! essa Bia é tóoorrida!

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  4. A "voz gelada", que se ouve no final, está a chamar a Beatriz........ou o cão???!!!

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