Mensagens de Cabo Verde by Contessa

Ilha da Boavista O Paraíso ainda é possível

"...São cinco horas da tarde, o sol ainda bem quente - apesar do forte vento sazonal, quase sempre presente - e regresso do meu longo passeio pela enorme baía da Praia do Cabral, quase deserta, evitando olhar, à direita, ao longo da única estrada alcatroada, o amontoado de novas construções que, num futuro não muito longínquo, trarão mais prosperidade às gentes da Ilha e lhes roubarão, igualmente, muita da Paz e da profunda Beleza que hoje possui. Os meus pés enterram-se na areia branca e fina, de uma consistência perfeita para me sentir confortável, ao longo de quilómetros de beira-mar, e a água transparente, azul e morna, é um verdadeiro bálsamo para o corpo e para o espírito, partilhando o prazer com os pequenos peixes de várias cores, que fogem, velozes, talvez assustados por uma presença desconhecida, provavelmente tão incomum...À minha frente, ultrapassada a belíssima duna que me separa do hotel onde estou hospedada, na Praia de Cruz, vejo quatro adolescentes que esticam uma pequena rede de pesca - tão pequena que parece de brincar - e entram com ela no mar, com a altura da água pouco acima da cintura.

Alguns - poucos - minutos depois, não quero acreditar naquilo que estou a ver: de novo na areia, 30 quilos de peixe, debatendo-se com um ambiente que não é o seu, estão presos dentro da rede... Logo de seguida, com a naturalidade de quem já ganhou o dia, os jovens divertem-se com uns belos mergulhos, de braçadas elegantes, como se fossem golfinhos; era a segunda pescaria do dia... A despreocupação de quem não precisa de mais para viver. E para viver muito bem. E ser muito feliz. É isto um dos muitos "Milagres" que encontrei na Boavista.Viver com a Natureza, preservá-la, e ser feliz!

Mas, na Boavista, a Ilha das praias ainda desertas e quase intocadas por mãos humanas, a Ilha que dista apenas cerca de quinhentos quilómetros do continente africano, encontrei também o outro lado.O "nosso" lado. O lado da Europa e da "crise", em pano de fundo! Do lucro desmedido, da trafulhice e da especulação imobiliária, das "Real Estate"... Em Sal Rei, pequeno aglomerado de casas e "capital" da Boavista, a moeda é o Euro e a língua o Italiano.Os Italianos já há muito que descobriram a Ilha do Sal, tomaram conta dela, construiram os seus "resorts" e, agora, estão a ocupar a Ilha da Boavista.Na grande maioria dos casos, relativamente a infra-estruturas turísticas, os grandes empreendimentos são italianos e, no aeroporto da Ilha, já aeroporto internacional, aterram diariamente inúmeros "charters", que despejam centenas de europeus em hoteis de "tudo incluído", enormes, massificados, impessoais... Será possível manter este Paraíso, por mais algum tempo?!

Mas, felizmente, ainda existem excepções. De italianos, mas excepções. Que confirmam o seu bom gosto, a sua classe, a sua magistral Cultura e toda a sua História repleta de muita tradição de Beleza.Um antigo sócio do hotel em que me encontrava - Armando Lazzari, já conhecido através de reportagens, em Revistas da especialidade - um dos mais antigos da Ilha - pequenas "villas" edificadas montanha acima - perfeitamente integrado em local de previlégio, sobre o mar, é hoje, juntamente com a sua filha Larissa, o feliz proprietário e residente das casas de Spinguera, onde não existe rede de telemóvel, televisão ou Internet (só para utilização dos proprietários, ou por motivos de força maior...). Os únicos sons vêm do mar e da excelente música que sai da aparelhagem... As notícias, são trazidas pela Rádio Nacional de Cabo Verde e não são nada preocupantes... Afinal, para quê querer saber das brutalidades que se passam por esse mundo, num lugar tão belo como este?!

Spinguera era uma antiga aldeia de pescadores, abandonada até há alguns anos atrás. Um dia, Armando apaixonou-se pelo lugar, foi reconstruindo as casas, a filha, de Belas -Artes, veio de Itália e, juntos, com conchas e objectos velhos que o mar lhes ía devolvendo, foram criando, sobretudo em tons de branco, uma das mais belas e sensuais decorações que me foi dado admirar, em toda a minha vida. Hoje, Armando, insinuante e sedutor, diz: "Agora, já só faço as camas! A minha filha (linda, acrescento eu!) faz tudo o resto... "

Dos passeios que fiz pela Ilha - em todos ocupando, orgulhosamente e com um dos meus companheiros de viagem, a parte de trás, aberta, da carrinha - durante os quais o pó castanho das picadas se nos entranhava até aos dentes - há tantos lugares de eleição! O Rabil, a Praia do Chaves, a Povoação Velha, a Praia da Varandinha, a Praia de Santa Mònica - 20 quilómetros de mar azul e de areia branca, completamente desertos - o Deserto de Viana, um "mini" Sahara, resultado dos ventos que, ao longo dos séculos, têm trazido a areia branca, do mais famoso deserto do mundo.... E, em noites de lua cheia, organizam-se verdadeiras "excursões" para ver o brilho do astro, reflectido nas areias deste pequeno Sahara...

Sobre toda esta beleza, que se cola à pele e da qual é muito penoso separar-me, haveria muito que contar.Não é o Espaço, nem o Tempo.Vou voltar à Boavista e, quem sabe, fazer como a Rosemarin, uma actriz austríaca que também se apaixonou pela Ilha, demorou cinco anos a construir uma casa de dois andares - na Boavista "Ka tem pressa" / "Não é pressa" - pequena e desenhada por ela e, agora, já na Reforma, vive o Inverno europeu naquele delicioso Inverno africano... Afinal, pensando bem, de que "Milagres" tenho eu andado à espera, por aqui?! "

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