Víctor e o seu lápis

Víctor, assim se chamava e assim se escrevia, era tido como um homem sério, profissional reconhecido, marido e pai exemplar.

Rondava, para cima, os cinquenta e o ventre proeminente não só os denunciava como registava uma ausência recorrente no ginásio pago pela empresa.

O cabelinho ralo e a estatura reduzida foram de sempre, e não ajudaram o Víctor a ser o conquistador afoito que cedo despontou em si.
Conseguiu safar-se mesmo assim, nos bailaricos dos tempos de liceu, depois quando se desenfiava na tropa e até mesmo nas farras da faculdade.

Em politiquices nunca se meteu, o regime não ajudava e as convicções não eram fortes ao ponto de se comprometer e fazê-lo sair da sua linha.

Era mais de namorar as raparigas, e quando uma lhe falou em casar, ele não hesitou e passados meses já ele, ela e o futuro rebento estavam de altar.
A vida sorriu-lhe, um amigo do pai deu-lhe uma mãozinha e o jeito que tinha, desde pequeno roliço, para a observação dos números, fez dele um Dr. bem remunerado e solicitado para vários empregos e cargos.

O Víctor nunca se iniciou nos charutos, mas já um bom vinho vinha caía sempre bem.

Para além da Montblanc oferecida num qualquer jantar de despedida, tinha também um lápis, sempre um lápis…
Com a caneta assinava, com o lápis esboçava os textos e desenhava os números.

Sempre assim, e toda gente naquele andar da empresa lhe conhecia a grande estima pelo uso do lápis.

Mas a estima era tanto maior quanto o lápis estava em descanso, apenas na sua mão entre os pequenos dedos.

Olhava-o deleitado, até quase que orgulhoso de algum feito que o lápis cometera.

Quanto ao lápis, esse continuava rígido na sua forma, borracha e bico sempre no sítio.
Quando Víctor e o seu lápis saíam do gabinete, o primeiro parecia que crescia, tornava-se num homem maior, quase que usando o lápis como um maestro usa a sua batuta.

Picava aqui e ali, brincando com as secretárias, no hall do wc masculino trocava as últimas novidades com os seus pares, passava pelas salas dos seus subordinados deixando frases pretensamente mobilizadoras e orientações precisas.
No regresso passava-se o mesmo, mas com Vítor ainda maior e mais ufano.

Uma pequena diferença mais no deambular até ao seu gabinete: detinha-se por momentos ao lado da secretária das várias colaboradoras ou colegas, acrescentava mais qualquer coisa e baixava-se para apanhar o precioso lápis que sorrateira e libidinosamente tinha deixado cair, deixando que roçasse as suas calças.
Admirar as pernas femininas era agora o maior prazer do conquistador afoito que cedo despontou em si…

Quin

Nota do "Galo"- Ora aqui está o primeiro MicroConto.

É meu objectivo publicar um todos os dias,

durante os próximos seis meses e alcançar

o número quase inimaginável dos 180.

Mas isso só será possível com a vossa colaboração...

Não deixem para amanhã o que podem escrever hoje!

E não se esqueçam, também, que a ideia é os comentários

fazerem dueto com os MicroContos.

O que é que estão à espera? Há muito para fazer!!!