Era Agosto, estava calor, o dia ia chegando ao fim.
Frente a frente a frente dois exércitos, que é como quem diz homens armados.
Uns esperavam, os outros também
Peguemos então na história, para contar qualquer coisa que ainda não foi contada.
Perguntemo-nos, perguntemos-lhes o que pensavam daquele conflito entre portugueses e castelhanos (e não só, porque havia portugueses dos dois lados e franceses do lado de Castela) por volta dos anos 80 de 1300.
Pensemos naquilo que os anónimos combatentes terão sentido, o que terão murmurado, o que terão gritado.
Os vivos e os mortos… Podíamos até colocarmo-nos no lugar dos mortos e de lá, daquele tantas vezes repetido “ outro lado” olhar para o lado de cá… e filosofar sobre a vida, sobre a carestia da vida, sobre a batalha que se iria travar, sobre as consequências da batalha, sobre a batalha que se travou e que teve consequências para aquele camponês baixinho, de cabelo arruivado, um tufo no alto da cabeça, se fosse hoje chamar-lhe-iam o “Tim Tim” das beiras, apenas com um pé calçado, nem ele sabia onde perdera o outro sapato.
Sapato que meia não tinha, nem nunca tivera.
Era um pé largo, achatado de unhas sujas.
Ria-se, de nervosismo, quando a cavalaria castelhana despencou sobre a formação portuguesa, mas para o camponês, baixinho, de cabelo ruivo, armado com um chuço secou-se-lhe o riso, quando morreu, sem se aperceber que a morte o colhera, nem ele, nem o matador um besteiro aragonês, que servia contrariado nos exércitos de Castela, mas isso ninguém nos disse, só ele sabia.
Mas se sabia que não queria estar ali naquela batalha, naquele exército, não sabia, nem soube, que também a morte o levou, quando vindo de um besteiro de Portugal um virotão, e aqui surge uma estranha sincronia, já que as mortes de cá e de lá aconteceram iguais, entenda-se iguais no seu fazer, isto é os virotões, o castelhano e o lusitano atravessaram os corações, do lusitano e do castelhano, melhor dizendo, do aragonês, cortando a parede lateral da aurícula esquerda, tornando as duas aurículas numa só, desnorteando os ventrículos, misturando os dois sangues que circulam pelo ser humano, o arterial e o venoso.
Foi assim, que o pobre camponês ruivo, lusitano, e o besteiro aragonês, não se sabe da cor do seu cabelo, ou se seria calvo, porque antes de morrer tinha um bacinete na cabeça e depois de morto, as patas de uma cavalo esmagaram-lhe o crânio de tal modo que teria sido impossível identificar como era o cabelo do besteiro aragonês.
Mas verdade se diga que esse pormenor não interessou ninguém.
Contos do Feeling Estranho
terça-feira, 21 de abril de 2009
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A pequena história dentro da grande História.
ResponderExcluirUma abordagem diferente e, quanto a mim, muito interessante.
O Feeling Estranho quando deixa o Estranho e se fica pelo Feeling até escreve bem.
Sempre me interessei pelos livros e filmes que se preocupam com as pequenas, mas tão importantes como as outras, personagens, soldados, operários, peões do jogo, carne para canhão. E aqui isso acontece.
ResponderExcluirRealmente o Estranho pode sair do nome...
Um dia vou contar aqui a estória de Tiradentes, do Lampião e da Maria Bonita. Me aguarda...
ResponderExcluirUm conto diferente com uma boa aproximação a uma época passada.
ResponderExcluirOra Feeling, ora Estranho...hoje estamos em Feeling.
I feel strange today
ResponderExcluirI do too... :-P
ResponderExcluirHow others saw us, those days:
http://www.fordham.edu/halsall/source/1385gaunt-portugal.html