As noites de folga à sexta-feira que antes tanto ansiava, eram agora os dias em que mais se arrastava.
Tirar sapatos, tomar duche e esticar-se no sofá, exactamente por esta ordem, era tudo o que desejava nesta sexta-feira de um Junho já quente.
Mas Pedro o seu namorado, dez anos mais novo, e por isso mesmo, não a deixaria ter esse privilégio.
Arranjado por ele, do programa constava jantar para tarde, ao menos isso, e depois Irmãos Catita no Maxime.
Sendo o grupo do costume, a noitada estava garantida!
Mesmo assim sorria enquanto desembaraçava o cabelo molhado, se tivesse arranjado um namorado mais velho, estaria a preguiçar a folga inteira e a fazer coro de lamentações com as colegas toda a semana.
O toque da campainha despertou-a destas deambulações.
Cedo demais para ser o Pedro, mas quem sabe, talvez algum programa adicional…
Incrédula, mal conseguiu falar depois de abrir a porta e ver a namorada do seu ex-marido Luís com o filho de ambos.
Quando esta lhe explicou a razão de ali estar e lhe suplicou para ficar com o bebé até ao dia seguinte, ainda esboçou um “não posso” tremido tal era o turbilhão de imagens que a atordoava. Os argumentos caíam em catadupa sem conseguir contrapor o que quer que fosse de razoável. “Luís estava no estrangeiro, os pais não estavam, as amigas não são de confiança, a empregada também não, sabe como é o Luís, a Rita é a única pessoa a quem ele não levanta problemas…”
O choro de ambos, mãe e filho, acelerou o processo e a sua incapacidade para fazer frente à situação.
Acabou por ceder e no mesmo momento estava a receber criança, pertences, rotinas, mil desculpas e agradecimentos emocionados.
O toque da campainha levantou-a de entre o que agora enchia o centro da sua sala.
Agora era o Pedro com certeza, oxalá que sim, não consegui suportar sozinha, tudo o que tinha acontecido na última meia hora.
A reacção de Pedro não foi a mais efusiva.
Certo que a noite estava estragada, mas ficou sobretudo assustado com a ideia de ter também ao seu cuidado, e até ao dia seguinte, uma criança que nem um ano tinha, filho do ex-marido da namorada.
Rita não lhe estranhou a reacção, sabia que ele ficaria ao seu lado, sabia também que não a ajudaria muito quando a situação se tornasse mais confusa.
Organizaram a tralha, organizaram-se os dois, organizaram a noite.
Seguiriam à risca as orientações deixadas.
Depois do choque inicial, Rita estava agora excitada com toda a situação e sentia-se cada vez mais envolvida com a criança que dependia agora de si.
Pedro, por seu lado, estava cada vez mais temeroso.
Afinal até nem era tão difícil como parecia no início, o bebé dormia tranquilamente e eles falavam baixinho com risadas nervosas pelo meio.
Acabaram por descomprimir e adormeceram sem se aperceber.
O choro estridente ali mesmo ao lado despertou-os, confundi-os. Rita tomou a iniciativa e avançou. Entretanto e para seu espanto, reparou que nem sequer estava na hora e que nem sequer uma hora tinham dormido.
Ao choro estridente seguiu-se choro.
Fralda, biberão, colo, cama, fralda, água!
Ao choro, seguiu-se choro…e finalmente um sorriso de olhos fechados.
Extenuados, enervados, chocavam no que faziam, chocavam no que diziam.
Rita conseguiu gerir melhor as emoções e recompôs-se primeiro.
Não queria voltar a adormecer, queria falar desta experiência, queria partilhar com Pedro o que de novo estava sentir.
Não dormiram mais, falaram, falou ela sobretudo.
A papa das sete tardou até um acordar tranquilo assinalar que eram horas.
A mão quente a tocar-lhe e os olhos sorridentes dirigidos para si, deixaram Rita enternecida e ela, que nunca fora mãe, deixou-se emocionar.
A manhã ia tranquila também, Pedro saiu e Rita sentiu que finalmente ia poder saborear o que antes lhe tinha parecido dramático.
Percebeu que não se queria deixar envelhecer sem uma criança sua.
Nunca tinha querido, conseguido, mas estava agora decidida.
Percebeu também que Pedro não partilhava, pelo menos para já, os mesmos sentimentos, as mesmas vontades.
Teria de decidir.
O toque da campainha despertou-a destas deambulações…
Quin
quarta-feira, 29 de abril de 2009
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Todos os Contistas do Galo têm vindo a melhorar com a prática e os contos mais recentes são muito mais interessantes que os iniciais.
ResponderExcluirA(O) Quin segue essa regra e este texto é, salvo melhor opinião, o seu melhor até à data. Parabéns ...e continue.
Gostei muito Quin. Sem final inesperado, mas com meio muito inesperado.
ResponderExcluirBoa história, sim senhor!
ResponderExcluirCenários mt bem desevolvidos e como diz Quimera - com meio muito inesperado!
Venham mais!
Estou de acordo em absoluto com o que a PG afirma, e neste conto da Quin, como já antes no do Feeling Estranho, isso é claro e evidente.
ResponderExcluirAgora fico ansiosa a aguardar os próximos...
Excelente, e muito "neo-realista". :-)
ResponderExcluirOs meus parabéns, Quin.
Cada vez melhores contos, melhores fotos, melhores piadas.
ResponderExcluirNinguém segura este galo...
Parabéns à Quin, realmente é um conto com climax no meio, embora a continuação também seja importante.
Uma só palavra.Parabéns !
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