domingo, 12 de abril de 2009

Call Girl

Não gostava de pensar em si, como puta.
Essas eram as que andavam pelas ruas.
Ou em bares de alterne.
Que discutiam os preços com os clientes e acabavam a entregar os parcos proventos a um qualquer chulo ranhoso.
Ela tinha estudos. Acabara o 12º Ano. Falava Inglês e Espanhol.
Frequentava os melhores Hotéis e Restaurantes.
Ia a Spas e Salões de Beleza.
Os mesmos onde as vedetas da Televisão e das Revistas eram atendidas.
Algumas até já lhe falavam e gabavam as novas
madeixas, as extensões, o silicone dos lábios.
Os seus clientes, melhor, patrocinadores, eram empresários,
políticos, advogados, médicos, a fina flor da sociedade.
Levavam-na em viagens de negócios a Londres, a Maputo,
fins de semana em Bariloche.
Ofereciam-lhe roupas de marca. Relógios.
Tinha um Cartier com brilhantes.
Em jantares com clientes substituía, muitas vezes, as legítimas.
Conversava, com graça, sobre o Freeport ou os preservativos do Papa, acerca do último livro da Margarida Rebelo Pinto ou do hipotético divórcio da Jolie.

O cliente, perdão, patrocinador, com que estava hoje era um cavalheiro.
Sempre que se encontravam, naquela suite às Amoreiras, oferecia-lhe chocolates e flores, a acompanhar algo mais substancial.
Hoje era um pulseira da Toots, que ela andava namorar há algum tempo, e um saia e casaco BCBG, que , estava certa, lhe iria ficar a matar.
E ainda por cima era dos que pouco trabalho lhe davam.
Alguns minutos de preliminares. Sexo oral à maneira.
Uma hora de divagações filosóficas e até à próxima, minha querida.

Instalou-o numa posição confortável e concentrou-se no que tinha a fazer.
Apesar de já ter estado naquela postura centenas de vezes,
gostava de não fazer as coisas de modo mecânico.
Afastava o longo cabelo da cara, sorria ao cliente, mau…semicerrava os olhos.

Mas naquele dia os seus pensamentos voaram para longe.
Para o padrasto que a molestara desde ao quatro anos.
Para o gangue do bairro que a encurralou e sodomizou aos doze.
Para o primeiro patrão que aos dezoito a obrigara a….

Horas mais tarde, encontraram o cadáver do conhecido empresário
com a cabeça esmagada pelo candeeiro de cabeceira.

A polícia procura, ainda, a jovem prostituta que foi vista a subir
para os aposentos do mesmo.
Aventa-se a hipótese de roubo ou crime passional.

7 comentários:

  1. Será impressão só minha ou as short stories estão cada vez melhores ?

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  2. "Short Storie" forte e com intensidade. A infância moldou-lhe o presente.

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  3. Mais um argumento para um filme a começar num quarto do hotel, muitos flashbacks e a terminar de novo no mesmo hotel.
    E já agora com a Soraia Chaves, que já tem prática de Call Girl, ou se fosse uma produção mais rica, com a Angelina Jolie.
    Gostei da história.

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  4. Muito bem escrito. Um "polar noir", como dizem os franceses.

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  5. Ao menos este óptimo conto mostra bem quem é a vítima e a explorada, mesmo recebendo presentes e dinheiro. Como a outra que, posta perante o "Papa" do futebol, foi considerada testemunha sem credibilidade. E o Padrinho tem ?

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  6. Este sim, me emocionou.Tenho várias amigas que fizeram opções de vida como esta e uma, até, com um caso de violência que terminou em prisão.Quero parabenisar o escritor.

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