sexta-feira, 3 de abril de 2009

Concerto Animal Cubista


Um dia as irmãs, de curtos cabelos, morenas de pele, esguias de corpo, jovens de idade foram ouvir o primeiro concerto animal cubista.
Num jardim sobre o mar uma mulher, de vestido verde, chamou-lhes a atenção, mas logo se perderam porque o concerto começou assim sem mais nem menos, sem que elas fossem capazes de assinalar o momento do início.
Sem que fossem capazes de dizer quando chegara o maestro.
Talvez – disse, mais tarde quando já em casa, a Marcela de vestido verde de jersei sem mangas, às riscas, de pantufas e soquetes de lã, semi-deitada no sofá com o gato “mil vidas” enroscado junto às coxas – fosse por ser cubista: Pelas muitas facetas que aos olhos nos foram mostradas que tenhamos perdido o momento em que tudo começou.
Talvez – respondeu Gisela, ainda vestida de verde como a mulher que antes lhes chamara a atenção. – Mas o som cubista não é fácil de seguir. As múltiplas abordagens a uma nota, em claves de fá e sol, em oitavas ascendentes e descendentes, naquela mistura de colcheias e fusas, quando as semibreves se entrecruzam com as mínimas e as semínimas ultrapassam as semicolcheias, no mesmo plano que as breves...
-E as vozes dos animais? Os pequenos cavalos amarelos, na sua cavalgada pelas nuvens, no azul daquele céu em escalas de sustenidos. – disse Marcela.
Um silêncio seguiu esta fala... Por momentos as duas ficaram a relembrar a antifonia amelódica daquele concerto cubista.
Depois, Gisela disse – E o maestro? Reparaste no laço vermelho a condizer com metade da casaca? A metade vermelha?
-Sim, sim – fez Marcela – quase que iria jurar que a metade azul, estava verde de raiva.
De novo o silêncio.
Lá longe, do outro lado da cidade o maestro despiu a casaca.
Pensou na mulher que a essa hora olhava a montra dos chapéus e mirou-se no espelho.
Viu o seu corpo nu, cinzento de irritação apática.
Pensou no ontem, naquele momento em que, deitados no palco, em cima de umas mantas velhas que normalmente tapavam o piano de cauda, ele e a primeiro violino haviam feito amor.
Mas pensou especialmente naqueles breves instantes em que depois de se terem entregado pairaram numa espécie de limbo, como que à espera de qualquer coisa...
O quê? A morte?
Porque não? Seria um fim como qualquer outro.
Contos do Feeling Estranho

5 comentários:

  1. Ainda tenho que interiorizar um bocado, para perceber se gostei ou não.
    Mas original é com certeza...

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  2. O seu pseudónimo é muito bem escolhido.

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  3. Feelings, canção brasileira de Morris Albert, também ele brasileiro de São Paulo, que todo mundo pensa ser americana.
    Bem menos estranha que seu Conto.
    Mas gostei de ler.

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  4. Se não estou a fazer confusão já tivemos três contos com este pseudónimo. Dois muito estranhos e um, A Rapariga, muito bom. Porque não seguir a linha desse?

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  5. Hum...a minha avançada idade não me permite entender e interiorizar este género.
    Mas aceito as opiniões contrárias.

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