quarta-feira, 8 de abril de 2009

Vida Campestre

Para chegar à escola Guilhermina percorre todos os dias quatro quilómetros a pé.
O que demoraria cinco minutos de carro rouba-lhe todos os dias uma hora na ida e outra na vinda.
Guilhermina é professora de Geografia e dá aulas diárias a alunos do 5º e 6º anos.


Nunca tirou a carta, falta de oportunidade, de jeito, de vontade, e agora já se habituou à rotina das duas caminhadas diárias.
Pensa na vida, nas suas lutas diárias, em poesia e em livros, em filmes que gostaria de ver, em viagens que adoraria fazer.
Mesmo quando chove, bem abrigada, gosta de sentir a chuva no rosto, como carícias de amante, beijos esquivos de um qualquer romance mal aceite.
Na escola tem muitas horas livres que passa na biblioteca ou na sala de convívio dos professores.
Os colegas consideram-na estranha, reservada e na realidade recria um mundo só para ela.
Um mundo utópico, mais justo, sem desigualdades baseadas no nascimento, no apelido ou nos compadrios.
Um mundo com as mesmas oportunidades para todos, em que todos possam mostrar as suas qualidades, alcançar os seus objectivos.
Os outros chamam-lhe”vermelha”,””bicho de mato” e nomes mais injuriosos, derivados das suas opções menos convencionais.
Mas ela descobriu a Internet onde navega durante horas sem mostrar a cara, pelos países mais exóticos, pelos lugares mais sofisticados ou mais populares, falando, concordando , discutindo, com pessoas que nunca virá a conhecer, com interlocutores que só saberão dela o que ela deixar entrever.
E assim, Guilhermina, perdida no campo entre muros de pedra e caminhos de terra, sem acesso a livrarias ou cinemas, sem teatro, ópera ou outros espectáculos, está presente nas inaugurações, nas estreias, nas tertúlias e colóquios que acontecem por todo o país, um pouco por todo lado.
Guilhermina, mulher do campo, cidadã do mundo…

Guilhermina

8 comentários:

  1. Tenho que começar por dizer que imagino quem está por trás desta assinatura. Posto isto, quero dizer que, apesar disso, o que dá ainda mais valor à minha apreciação, gostei bastante da forma escorreita da escrita apesar de, tinha que ser,ter algumas frases panfletárias.
    E este texto tem, para além do mais,no caso de ter acertado no(a) autor(a),o mérito de nos ajudar a perceber as razões da construção de uma personagem tão agreste e conflituosa.

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  2. A história de muitas Guilherminas da nossa e de outras terras. Mt bem contada, muito directa. A história também de muitas mulheres da cidade...
    Gostei!

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  3. Várias facetas da mesma personalidade (porque isso de ter várias personalidades não é para todos). Um conto com cheiro a justificação. Se não fosse tão óbvio teria gostado.

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  4. Seja quem fôr o autor( e nos outros textos nunca tentámos descobrir quem era)gostei do conto que retrata a história de muitas mulheres, e homens, do campo,e da cidade, na solidão partilhada dos nossos dias. Parabéns, seja lá quem fôr.

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  5. Será que temos aqui um(a) Autor escondida com o rabo de fora ?
    Mas vale o conteúdo, boa imagem do País real que muitos anunciam e poucos conhecem.

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  6. Sejamos Católicos e ofereçamos a outra face...
    Gostei da escrita, da faceta (segundo a Quimera)e da protagonista.

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  7. Para quando as suas memórias, Adriano?

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  8. Gostei de ler um conto que, por fim, relata um tipo de vida que me é mais próxima.
    Até aqui as histórias eram todas muito urbanas.

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