sábado, 23 de janeiro de 2010

TAXI - O Sóbas


Era a primeira vez que aterrava em Nova Iorque.
Não como um simples turista, com a ideia de ficar uma semana ou duas, mas com a intenção de permanecer por largos meses ou anos, who knews?
Ultrapassado o primeiro obstáculo, pois após uma breve entrevista, o elemento dos Serviços de Migração que me recebeu - exemplo típico da beleza norte-americana com olhos azuis como lagos, dentes de anúncio dentrífico e uma maçãs do rosto sem bicho, como só elas- concedera-me um visto de seis meses, baseado na minha história, meio ficcionada, de que pretendia pintar Manhattan coberta de neve, dirigi-me à saída para apanhar um transporte que me levasse até à Big Apple, como era então moda chamar à efervescente ilha novaiorquina.
Como ainda não conhecia os cantos, nem os encantos, daquela que se tornaria a minha casa, durante mais de um ano, chamei um yellow cab, um taxi amarelo, meio certamente dispendioso, mas mais prático e confortável, principalmente para quem, como eu, viajava com meia dúzia de malas, algumas carregadas de livros.
Para que se perceba este excesso de bagagem, numa pessoa que viaja sempre com, apenas, uma pequena maleta de cabine, talvez seja bom informar que acabava de deixar o Brasil, onde vivera durante três anos, e que aquelas malas, quase todas de má qualidade, representavam o meu espólio, a nível de roupas, livros e discos, desse magnífico período de tempo, agora encerrado.
Por outro lado, tinha alguma curiosidade em entrar num desses míticos táxis amarelos que povoavam a minha imaginação de cinéfilo, desde sempre.
Mesmo os homólogos e monolíticos londrinos, à data ainda todos pretos( e não multicoloridos, cobertos de publicidade como hoje em dia), com espaço para meia dúzia de pessoas com as pernas esticadas, ficavam aquém, na minha lista de preferências 'taxistas'.

Depois de alguma atrapalhação para acondicionar todos aqueles volumes no porta bagagens, lá me recostei no banco traseiro e dei ao motorista a morada do hotel que ficava em frente à Penn Station.
Logo aí se percebeu que o inglês do taxi driver era para o básico, não muito diferente do meu que, na época, era o do 5º ano do liceu, mais o das praias do Algarve e da Nazaré, somado a alguns fins de semana londrinos, pouco mais que Mim Tarzan, You Jane, o que aplicado à situação daria um Mim John, You Driver! reconhecidamente pouco, para estabelecer uma conversa durante um trajecto de, pelo menos, meia hora.
De qualquer maneira, lá fomos tentando.
Ainda perguntei a nacionalidade do brother com a esperança que fosse cubano ou mexicano e pudessemos dialogar em spanish mas o homem era paquistanês ou coisa que o valha.
Após alguns It's cold! obtendo como resposta Oh, yeah! ou então Beautiful city! que mereciam o mesmo Oh, yeah! entremeados por longos silêncios em que eu ia vendo maravilhado os há muito conhecidos skylines da cidade que habitavam os filmes, as revistas, os comics, de que eu me abastecia há quase trés décadas, o taxista resolveu arriscar outra abordagem e lá me perguntou de onde raio é que eu vinha...
Quando lhe disse que estava a chegar do Brasil, ele exultou" Brazil!?!!!Oh, yeah! Pélé, Zico..."
Num daqueles parentesis em que sou useiro e que só servem para cortar o fio à meada, quero esclarecer que, se agora pouco sei de futebol, já reconheço nomes como Djáló, Makélélé ou Ismalóv graças às contínuas injecções futebolísticas dos meus três filhos adolescentes, mas naquela data não percebia patavina do tal desporto-rei, embora os nomes de Pélé e Zico me fossem familiares.
Continuemos...

Mas o pior estava para vir.
Como não queria que o man ficasse com a ideia de que eu era brasileiro, resolvi explicar-lhe que, apesar de estar a chegar do Rio, eu era oriundo, I was born in Portugal.
E aí começou outro problema "Port...what?"
" Pór...tchu...gál."
Ele fez que sim com a cabeça " Oh, yeah. Porto...Rico!"
Muitos minutos e alguns quilómetros depois, fez-se luz no seu espírito
" Portugal, oh, yeah...Sóbas !!!"
Sóbas ? Quem seria esse tal Sóbas?
Agora que estavamos embalados numa amena cavaqueira já nada nos faria parar.
"Sóbas, a very wellknown portuguese soccer player..."
E o que seria soccer?
Depois de alguma linguagem gestual e uma referência ao 'Cosmos' lá percebi que o tema continuava a ser o futebol.
Com relutância, confessei as minhas limitações.
"Sóbas? Sorry man...jogador português só conheço o Eusébio..."
O sorriso do motorista rasgou-lhe a cara em duas.
"Sébio...Sóbas...that's it, great player !"

E foi assim, de braço dado com o Pantera Negra, que eu cheguei a Manhattan...

5 comentários:

  1. Lá ficámos a conhecer um pouco mais deste nosso aventureiro !
    Adriana dixit !
    A propósito Adriana, ainda não a tinha lido acá...

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  2. ...e o Pantera Negra havia de gostar muito de conhecer esta história!
    Naquela altura, era o Eusébio e a Amália!
    Mas a Amália já devia ser demais para o "taxi driver"...

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  3. Devo confessar que como muitos europeus eu tenho um fascínio enorme pela América.

    (NYC é um caso àparte, uns bons 40% dos habitantes são estrangeiros...)

    Talvez porque até certo ponto ela represente no imaginário europeu a ideia de de um mundo melhor, ou talvez porque ela consubstancie o que há de worst and the best in us.

    Um tipo que conheci em Itália, o príncipe poeta ilustra bem isto, até porque quando escreveu esta canção era do PCI...

    :-)

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  4. Como ele diz, se tivesse podido escolher entre a vida e a morte, entre vida e a morte, teria escolhido... a América.

    :-)

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