terça-feira, 26 de janeiro de 2010

XV - Passeio pela Marginal



Ainda não se tinha ultrapassado o impasse da tal dúvida lançada pela
Cristina( …mas se ela não sabia quem era a B., então estaria
a falar de quê?) quando , o Zeca Cabeleira, com
o estardalhaço do costume, fez a sua entrada triunfal na ‘Estrela’.

O Zeca é um dos meus amigos mais antigos e, embora muita gente lhe aponte defeitos como machismo primário, marialvismo e um sentido de humor que muitas vezes roça a boçalidade, considero-o como um irmão, um pouco desastrado e pouco polido, mas por quem tenho uma amizade fraterna.
Como seria de esperar, olhou à volta ( viria à procura da Rosinha? ) e quando me viu fez uma expressão de felicidade, que eu sabia ser genuína.
O que não estava à espera era da transformação que ocorreu quando o Zeca se apercebeu da pessoa com quem eu compartilhava a mesa.
A mão que habitualmente, e num tique antigo, utiliza para fazer um constante caracol no cucuruto da cabeça, baixou repentinamente com um estalar de dedos, em que os brasileiros são exímios, mas que eu, apesar das tentativas feitas, nunca consegui repetir.

O Zeca, porém, sempre que quer manifestar admiração ou aplauso perante uma mulher, bonita acrescente-se, faz esse gesto irritante, sublinhado pelo som do silvar dos dedos.

Depois aproximou-se da nossa mesa, inclinou-se para a minha companhia, como se eu não existisse e cumprimentou-a com a voz uma oitava abaixo que ele, e penso que mesmo só ele, considera sedutora e uma das maravilhas do mundo.
“ Permita-me que me apresente. José Cabeleira, Zeca…para as amigas !”
O olhar gélido que Cristina lhe lançou, poderá evitar o aquecimento global, durante as próximas décadas.

Antes mesmo que o meu amigo se sentasse, como fazia tenção
de fazer, ela sugeriu “ Se o Nuno não se importa, vamos dar uma
volta” e olhando à volta, englobando também a D. Rosa e o Telmo
“…este ambiente, hoje, não permite a privacidade
que a nossa conversa exige.”

Quando, depois de atravessar a rua, me tentava encaixar no lugar de pendura do BMW descapotável preto, what else?, da ‘Foxy Lady’, vislumbrei que à porta da ‘Estrela, se perfilava para além da dona do estabelecimento, do tipógrafo e do meu amigo, o sr. Campos agarrado à esfregona e, até, o Professor Meireles que, acabado de chegar, não resistiu também ao insólito da cena.

…Para onde é que aquela gaja vai levar o nosso Nuno?

Era também essa a pergunta que eu fazia a mim próprio mas, confesso, sem a mínima preocupação.
Com a entrada no bólide de linhas baixas a já de si curta saia de cabedal subira a níveis, digamos, explícitos, permitindo que as esguias pernas, subtilmente tapadas ou emolduradas por umas meias pretas com um sóbrio desenho de fantasia, se expusessem em toda a sua beleza.

O próprio blusão, mais aberto, mostrava o recorte de um peito alvo salpicado de sardas breves…
Um silêncio fechado instalou-se entre nós, durante largos minutos.
Cristina entregava-se à condução com a seriedade e empenho que, achava eu, deveria pôr em todas as suas actividades.
Só quando chegámos à Marginal e o trânsito, no sentido em que seguíamos, se tornou fluído, me dirigiu, de novo, a palavra.
“ Vamos até ao Guincho? Ou tem alguma coisa marcada para esta manhã?”

Bastou-me um telefonema para o Gabinete das Traduções a avisar que surgira um imprevisto, o que até era verdade, e que hoje, possivelmente, não poria lá os pés durante todo o dia, para ficar livre de compromissos.
Cristina não escondeu o sorriso, perante as minhas expectativas…

Passávamos pela antiga ‘Pérgola’, utilizada agora como centro de formação da McDonald’s, quando ela recomeçou a falar, como se, até esse momento, tivesse estado a analisar a informação recebida.
“ Essa tal B. deve ser alguma das suas namoradinhas e como deve calcular eu não sou pessoa para perder tempo e energia com problemas de cama” e, sorrindo” …principalmente se são dos outros.”

O sol espelhava-se no mar lá à frente e as curvas sucediam-se numa das vias litorais e urbanas que mais prazer me dá percorrer.
Também eu sentia um calor invadir-me. Seriam os raios matinais do astro rei ou a proximidade perturbadora daquela mulher, com uma sensualidade contida mas evidente?

Para evitar que eu entrasse em fase de ebulição a frase seguinte da Cristina arrefeceu-me repentinamente.
“ O assunto que me fez dirigir-lhe a palavra não tem nada a ver com as sua histórias passadas na horizontal“ e tirando os olhos da estrada sinuosa para me olhar fixamente” …embora o Nuno possa também terminal na horizontal…”

E de forma quase inaudível “…mas morto!”

3 comentários:

  1. Já ando um pouco baralhada, mas esta Cristina não será a B.?

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  2. Proposta de OST para esse teu texto (mas atenção, este gajú não é nem nunca foi sequer de lá perto...)

    ;-)


    E eu também já não sou, mas uma coisa posso garantir, nunca nevou coisíssima nehuma na Marginal, pelo menos que eu me lembre...


    Não faço ideia se a Cristina é a B. ou deixa de ser, mas essas partes com horizontal são sugestivas p'ra caramba.

    G. és mas é um malandrão ...

    ;-))

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  3. Acho que a Cristina "Foxy Lady" não tem nada a ver com a B...
    Isto é mesmo sujeira com o Comendador!

    E a (des)propósito, onde é que pára o Alvega?!

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