quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ich bin eine Lersbe - Joana Manuel

Chamo-me Joana Manuel. Sou actriz de profissão, é verdade, ao contrário da minha amiga e companheira de activismo Raquel Freire, que é realizadora de cinema e nada obscura enquanto tal.

No dia 10 de Outubro de 2008 estive nas escadarias da Assembleia da República, vestida de noiva e com uma barriga falsa, para participar numa acção de protesto e cidadania contra o desfecho antecipado da discussão que no Parlamento decorria acerca das propostas de BE e PEV para a legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
A acção era simples, directa e clara nos seus objectivos: mediatizar um protesto contra uma injustiça social e política, radicada no preconceito e na discriminação de cidadãos da República em função da sua orientação sexual, em desrespeito claro do artigo 13.º da nossa Constituição Democrática.
Encenámos dois casamentos, entre mim e a Raquel Freire, e entre o Paulo Jorge Vieira e o Marlon Francisco, que também se dispuseram dar a cara pela luta naquela acção.
O objectivo foi alcançado, as imagens surgem sempre que se debate o tema, e durante o ano que entretanto passou foram objecto de discussão e questionamento.
No passado dia 8 de Janeiro foi com uma alegria incompleta que assisti nas galerias à quase totalidade do debate parlamentar que resultou na aprovação desta lei para o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, e, na sequência do protesto de 2009, participei num brinde e expressei-me em boa consciência sobre o dia apesar de tudo histórico que estávamos a viver. Naturalmente, os média deram-nos atenção. Mais uma vez o objectivo foi alcançado.
Espantou-me, no entanto, e entristeceu-me assistir à noite à reportagem da jornalista Ana Romeu para o Telejornal da RTP.
Ao rever a dita reportagem na Internet ficou-me ainda o sabor amargo da manipulação e do mau jornalismo.
Mas isto são dissertações para outras repartições.

Sucede que a jornalista termina a sua reportagem dizendo, em off, o seguinte: "Talvez por isso se explique que estas imagens que vão correr mundo reflictam essa vergonha e o preconceito que ainda subsiste: estas duas mulheres são actrizes, nenhum casal homossexual se disponibilizou a assumir este papel".
Durante os dias que se seguiram, foram vários os ecos que recebi desta reportagem: acudam, a mulher não é lésbica, é uma actriz contratada, isto é tudo uma palhaçada.

Reservo-me, reserva-me a democracia o direito de responder.
Fala-se por aí da minha heterossexualidade como se a comunicação social tivesse descoberto um facto extraordinário e obscuro.
Não descobriu, ele nunca foi escondido, desde a acção original dos casamentos encenados em Outubro de 2008.
Sabem que não sou lésbica porque eu o disse.
A luta é minha porque os homossexuais deste país são meus concidadãos e eu respeito-os e defendo-os como tal.
Ao fazê-lo estou a defender-me a mim. Eu sou eles. Eles são parte do meu nós.
A acção original – ou deveria dizer o pecado – foi planeada pelas Panteras Rosa (das quais a Raquel Freire é membro desde a formação do grupo em Portugal em 2004) face à inevitabilidade do chumbo das propostas de Outubro de 2009, em resultado da disciplina de voto imposta pelo PS aos seus deputados.
No Verão de 2004, um mês antes da primeira acção das Panteras contra a discriminação e a homofobia, na qual participou a Raquel, eu cantei a convite da ILGA - Portugal no Arraial Pride, então atirado por Pedro Santana Lopes para o Parque do Calhau, em Monsanto.
À clandestinidade sempre convieram as matas mais do que as praças públicas, imagino que tenha sido o raciocínio.
O nosso percurso paralelo, meu e da Raquel, de algum modo começou nesse ano.
E cinco anos depois, cinco anos de luta e de expressão contínua acerca da igualdade de direitos, foi natural o gesto que fez a Raquel convidar-me para ser o seu par nesta performance interpelante.
Esclareçamos então de uma vez: nenhuma outra mulher, lésbica ou não lésbica, se recusou a "assumir o papel", porque a nenhuma outra mulher foi proposto que "assumisse o papel". Ninguém me contratou. Ninguém me pagou.
Assumi uma luta que é minha e dei a cara por ela naquele momento porque assim se proporcionou. E orgulho-me disso.
Não estive em frente à AR como actriz, mas como activista.
Sou – ou estou – heterossexual, é verdade, mas isso é do meu foro privado.
Do meu foro público é a cidadania e a luta por uma sociedade mais democrática e mais igual. Esta luta é tão minha como de qualquer lésbica, e ir para a cama com homens não me retira o direito de dar a cara por aquilo em que acredito.
Sou cidadã eleitora e contribuinte da República Portuguesa e ofende-me essa discriminação. Para nós, naquele momento como hoje, a orientação sexual dos intervenientes foi absolutamente irrelevante, mas vejo que há muitas pessoas que perfilham um estranho conceito de cidadania. Como dizia Brecht, depois de levarem os ciganos, os judeus, os pretos, os homossexuais, os comunistas, talvez levem essas mesmas pessoas e elas comecem a perceber do que falo. Lagarto, lagarto, lagarto.
Joana Manuel - Actriz

5 comentários:

  1. O nosso cérebro tem um funcionamento curioso. Bastou-me ler Joana Manuel e ver a fotografia, para pensar:"será que a Joana Manuel é o homem do casal?" Maldade! até porque se calhar num casal homo nem existe esse diferenciação, daí o homo. Será?
    Bom, anyway Joana Manuel, simpatizo com os seus argumentos, ou seja, lá por alguém dar a cara por uma causa não quer dizer que tenha de fazer parte do grupo.Não sou judia, nem preta, nem cigana, nem homosexual, nem comunista e no entanto quero que toda esta gente viva no mesmo mundo onde eu vivo, com os mesmos direitos e sou capaz, em situações extremas, de me bater por isso.
    E já exerceu o seu direito de resposta num meio com maior visibilidade? (perdoe-me Galo, ainda por cima agora que a MTH se foi, a audiência não está famosa). Parece-me que a sua necessidade de esclarecimento(é, neste contexto, uma activista, não uma actriz e está hetero) vai ficar mais satisfeita.

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  2. Devo confessar que não distingo a J.M. de ___________________ (preencher aqui).


    Em relação à substância estou básicamente de acordo com ela.

    Também não sou judeu, árabe, prêto, cigano, ou homosexual (isso não sei bem...), comunista ou o raio-que-me-parta.

    Contudo estou com eles, e quem quiser eliminar-me logo a seguir a ter-se desfeito dessa gente acima, o melhor é trazer um exércitozinho porque os primeiros labécunas que me aparecerem na frente vão ficar estendidos no chão...

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  3. Este texto já circula por aí.
    Só não sei se o circuito está a ser suficientemente "aberto"...

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  4. obrigada pela divulgação. :)

    este texto foi publicado no público há uma semana e nasceu de um boato que foi posto a circular de que teríamos sido "contratadas". é esse o esclarecimento. o boato nasceu do meu não-lesbianismo, daí a resposta ser minha. felizmente essa história do cabeça de casal já foi chão que deu uvas...

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  5. Para que tiver curiosidade, e não souber como lá chegar, o blog da Joana Manuel , desculpinhas pelo spam J. ...

    :-)

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