quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

XVI - Na Praia do Abano


Encaixada entre os promontórios rochosos que antecedem o Cabo da Roca, a Praia do Abano é uma praia de pequenas dimensões.
Embora o curto troço entre o estacionamento do Bar do Guincho e o local onde nos encontrávamos não se apresentasse nas melhores condições, a Cristina Almeida, a Foxy Lady tinha afinal apelido, metera-se por ele adentro como se duma auto-estrada se tratasse.
Cada vez mais me convencia que a minha condutora era uma mulher intrépida, habituada a não parar perante obstáculos maiores do que os solavancos que, num carro baixo como o dela, me iam rebentando com a coluna.

Agora, com o mar violento frente a nós e a ouvir os assobios do vento, igualmente poderoso, iniciámos uma conversa que se iria prolongar por várias horas.
A ventania do local não impedia, contudo, que meia dúzia de naturistas, com um inconfundível aspecto nórdico, passeassem lá em baixo, pela areia, que eu sabia fina e branca, de outras vindas anteriores ao local.

“ Comecemos pelo princípio” iniciou a minha enigmática interlocutora, pegando em mais um cigarro, talvez o décimo, desde o início do nosso percurso conjunto.
Recostei-me no assento de cabedal. A conversa prometia ser demorada…
“ Embora a vossa cabecinha de adolescentes pervertidos tenha imaginado que eu seria uma qualquer 'dominatrice' em ambientes 'sado' ou uma madame num lupanar de luxo…” um breve intervalo para inalar profundamente o fumo do cigarro, em que eu me tentei encolher o mais possível, de modo a tentar passar despercebido”…na verdade eu sou uma head hunter especial.”

Estive quase para lhe dizer que caçadora de cabeças, amazona seminua a seleccionar machos para os cruzar com as suas companheiras, era, igualmente, uma imagem que agradava à minha
mente de ‘ adolescente pervertido’ mas, algo na firmeza do maxilar da minha companhia me fez manter calado.
“ Especializei-me em descobrir pessoas especiais. Tanto podem ser mercenários para enviar para um qualquer país africano ou da América do Sul, como falsificadores para quem um quadro do Matisse ou do Picasso não tenham segredos.”
“ E quem são os seus clientes?” a minha pergunta era mais de circunstância do que outra coisa e destinava-se a que a conversa não se tornasse um monólogo.
Cristina não se fez rogada ao responder “ Podem se milionários texanos a quererem ter mais ‘originais’ do que o vizinho multimilionário do lado, marchands da Place des Vosges , ditadores africanos, industriais a precisarem de quem lhes faça espionagem na concorrência, vedetas do cinema a quererem provas que diminuam o valor da pensão de alimentos, enfim, uma infinidade de gente espalhada um pouco por todo o Mundo…”
Reconheço que as perguntas que me ocorriam, não seriam das mais inteligentes “…vedetas?”
“Sim, ainda agora um dos membros do casal mais mediático da 7ª arte, envolvido num divórcio em que as verbas atingem os 240 milhões de dólares, conseguiu, graças a mim, condições muito favoráveis…”
Resolvi não mencionar, sequer, os dois nomes que logo me ocorreram…

Mas Cristina Almeida, já reiniciara a sua dissertação sem se incomodar muito com a s minhas interrupções.
“ Digamos que trabalho muitas vezes nas franjas da Lei, mas tenho o meu código de honra que respeito e que nunca, mesmo quando os honorários são muito elevados, ultrapasso.”
Pensei para comigo que código de honra seria esse que englobava mercenários, espiões industriais e falsificadores de Arte, mas mantive-me calado.

“ É claro que me surgem também outro tipo de pedidos…” como o cigarro chegara ao fim, acendeu outro, de imediato.

Entretanto saíramos do carro e descido as escadas até à praia.

Soube-me bem o vento forte a desenhar-me no rosto riscos de areia.

“Que outro tipo de pedidos?”mal perguntei, arrependi-me logo. E se ela me respondesse, assassínios por encomenda, atentados? Em que situação é que eu ficaria?
Mas a resposta apanhou-me igualmente desprevenido.
“ Por vezes pedem-me que encontre especialistas num determinado escritor…
Ou como é que pensa que o Comendador Salcedas chegou até si?”

3 comentários:

  1. Almeida? Head hunter? ummm... agora sim, começa a cheirar a esturro...

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  2. Também me pareceu, mas estava aqui caladinho...

    :-)

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  3. Cheira muito, mas mesmo muito, a esturro...
    O Comendador que se cuide!

    Narrativa escorreita, como de costume; mas a Praia do Abano recorda-me momentos de grande aflição!
    A única vez que fui assaltada...
    E ainda só estávamos no final dos anos oitenta!

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