terça-feira, 24 de março de 2009

O Acordo Gramatical

Antónia era uma executiva poderosa num mundo de homens: a alta finança.
A meio dos quarenta, podia ser considerada uma mulher bonita, porém algo nos seus traços denunciava uma certa grosseria.
Com queda para os números desde muito cedo, trabalhadora incansável e lutadora, assim que sentiu o momento do grande salto na carreira contratou uma “personal stylist” que a ajudou a escolher os “tailleurs” de corte irrepreensível, os saltos agulha e o corte de cabelo bem alinhado.
No entanto havia sempre algum pormenor que denunciava a tal grosseria, fosse uma bijuteria, um cinto ou um lenço.
A esta contratação juntou-se a de um “personal trainer” e a de um decorador para o apartamento que acabara de comprar na Expo.
Tinha vivido sempre nos Olivais e aquela zona revelou-se um bom compromisso entre o estatuto que pretendia assumir e a proximidade com o conhecido.
Um dia Antónia resolveu despedir a sua assistente que insistia em cometer o mesmo erro: de cada vez que o decorador telefonava e se Antónia estivesse com alguém no gabinete, levantava-se, ia até junto dela e anunciava, por exemplo: “está ao telefone o decorador que diz que a mesa de acrílico não fica bem na frente do sofá”.
Embora Antónia fizesse gala em mostrar que tudo na sua vida era personalizado, ficava naturalmente embaraçada com a exposição a que era sujeita pela assistente.
Foi então que teve a ideia de contratar não uma mas um assistente.
Afinal de contas, pensou, os homens eram mais discretos e preocupavam-se apenas com assuntos directamente relacionados com o trabalho.
Além disso ficava extasiada com o poder que exercia sobre um homem, no papel de subordinado.
Numa tarde em que regressava de um almoço de negócios, atrasada para uma reunião importante com fornecedores, telefonou ao assistente a dar indicações: que os recebesse com uns cafés e umas águas, que os sentasse confortavelmente e que pedisse desculpa pelo seu atraso.
Quando chegou, um pouco afogueada, perguntou ao assistente onde estavam os senhores, ao que ele respondeu:
- Puzios na sala de reuniões.
- Como disse?
Perguntou Antónia, ainda mais afogueada.
- Puzios na sala de reuniões - repetiu o assistente.
- O quê? Insistiu Antónia prestes a explodir.
Foi então que o assistente, com a voz a tremer perante a ira de Antónia, disse:
- Coloquei-os na sala de reuniões.
- Ah! Assim está bem. Olhe e traga mais um café para mim.

Pinta

4 comentários:

  1. Esta Pinta, será minha prima?conhece só mulheres bonitas, na casa dos quarenta e com saltos agulha.
    É mesmo o que o médico me receitou...

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  2. Gostei do conto todo, mas acho que merecia outro final...

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  3. Oportuno.
    Mas, prefiro "Isqueiros"...

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  4. É por causa de mulheres como esta que nós estamos muito bem...como estamos.

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