segunda-feira, 30 de março de 2009

Slideshow


A primeira imagem que viu,
foi de uma senhora de branco,
com uma tesoura na mão:
”- É um menino!” disse ela.
Depois seguiu-se
uma sequência de caras…
“- E quem é o Papá? Quem é ?”,
”Vem dar uma beijoca à Vovó”
e por fim, a mais carinhosa e despenteada de todas
“- É mesmo a minha cara, não é?”.
Durante algum tempo, passava muitas horas a dormir.
A imagem mais recorrente, dessa altura,
era a de um grande biberão.
Mas avancemos, com a projecção, porque não podemos
passar aqui o dia todo. Imagens sem interrupção.
Colheres de papa, lenços de papel no nariz,
o édredon a tapar a cabeça.
A professora a olhá-lo nos olhos “-Tem cara de esperto!”.
A bolada na testa, o murro no nariz,
o gelado de chocolate e morango.
O quadro preto, o caderno diário, os desenhos e os problemas.
O projector a mostrar todos os dias os mesmos slides,
mas de repente – um bolo rei, o presépio, a árvore de Natal,
presentes e muito papel colorido.
Ou então, quando chegava o Verão
– a areia, o mar, conchas e barcos.
E depois, a imagem no espelho a rapar os pelos do bigode.
A primeira boca a aproximar-se da sua. Uma língua…
Roupa a ser dobrada e metida na mala.
Os pais a acenarem com os lenços.
As árvores a passarem muito depressa.
As ruas e as luzes da cidade grande.
O néon da pensão manhosa. A menina da recepção.
A escada da universidade. As praxes. Os docentes.
O sexo sem graça. Pormenores de corpos misturados .
Os seios das colegas. As nádegas da recepcionista.
Torso duma, pernas doutra, rostos nebulosos,
imagens desfocadas.
O diploma. A placa a dizer “Sr. Doutor”.
A aliança. A festa do casamento. Os sapatos apertados.
O bolo de noiva. O sogro a discursar. Os amigos aos vómitos.
A lua de mel na Costa Rica.
A primeira filha. Sardenta como a mãe.
O rapaz há muito esperado. Muitas fotos de bebés.
O apertar de mãos. Os envelopes com dinheiro. O cofre no banco.
O colar para a mulher. O relógio suíço. A casa nova.
Imagens rápidas, muito rápidas. A amante brasileira.
Flashes de sexo como nunca tinha visto. Uma tontura.
O desmaio. O branco do hospital.
Um cirurgião. Um bisturi. Uma máscara sobre o rosto.
A última imagem que viu, foi a de uma senhora de branco.
“- Não respira, desliguem a máquina”.

E depois o écran ficou ás escuras…


Érre Érre

10 comentários:

  1. A Vida como uma sucessão de diapositivos.
    Muito original mas a merecer mais duas ou três páginas...
    Sim, eu sei as regras, por isso leva um 5 !!!!

    ResponderExcluir
  2. Um trailer de vida. Gostei.

    ResponderExcluir
  3. Não entendo nada de técnica literária, só sei aquilo que gosto de ler e aquilo que não gosto, ou não percebo.
    E este trailer, como diz a Quimera, ou Slide Show, como digo eu, está espantoso.
    Parabéns ao Érre Érre...Mexilhão?

    ResponderExcluir
  4. Gosto muito de imaginar filmes a partir de coisas escritas.Já pensaram o filme que este conto desenvolvido daria, com imagens desde o nascimento à morte no ângulo do protagonista que nunca seria visto a não ser em reflexos em espelhos,vidros, carros, etc?
    Quanto ao conto, excelente, como vários dos já publicados.
    Agora vou ter uns dias de descanso e vou tentar enviar mais uns...

    ResponderExcluir
  5. Pois é. Uma sequência de nascimento, boa vivência e morte...com lógica social. Bem conseguido. Grande Érre Érre.

    ResponderExcluir
  6. Moral da história : Quem semeia ventos colhe tempestades.

    ResponderExcluir
  7. Parabéns !
    Agora aonde é que eu posso votar na "Vida Clandestina" e na "Rapariga" ?

    ResponderExcluir
  8. Meu caro Rolls Royce, amei sua imaginação e minimalismo. Os Contos não se medem a palmos.

    ResponderExcluir
  9. As imagens das nossas vidas eram bem mais interessantes mas mais repetitivas...

    ResponderExcluir
  10. Margarida Ferreira dos Santos31 de março de 2009 às 21:37

    Uma apresentação da vida sem happy end...
    Muito figurativo, muito bom!

    ResponderExcluir