domingo, 19 de abril de 2009

Iniciação Carnal

O pai morreu quando ela tinha seis anos.
A trabalhar no campo, o tractor que conduzia virou-se e ele preso debaixo do monstro, inconsciente, ardeu até ficar completamente carbonizado.
Tentaram que ela não visse o cadáver, mas ela agarrou nas saias e correu campo fora até onde as mulheres gritavam aos céus e os poucos homens, tentavam rodar aquilo que durante apenas algumas semanas fora o seu orgulho - um tractor como só os grandes agricultores possuíam.
Durante anos as mãos do pai, hirtas de carvão, perseguiriam os seus sonhos e pensamentos.
A mãe tornou-se ainda mais seca e agressiva para ela e para os outros cinco irmãos, de idades quase seguidas, enquanto estes se esforçavam em chegar primeiro à côdea de pão, à sardinha em sal moura, aos pedaços de frango que teimavam em não sobrar para todos.
O irmão mais novo do pai, que vivia com eles há anos, e ajudava na lavoura, depressa se meteu na cama da cunhada e lhe fez mais dois filhos.
Os sorrisos da progenitora eram destinados apenas às crianças dessa união e os outros começaram a sair de casa para irem trabalhar nas obras, nas fábricas, nos pequenos biscates que arranjavam.
Ela tornou-se uma mulherzinha, na escola era a única que já tinha seios, que ouvia grosserias dos colegas e sentia, pesados, os olhares lúbricos dos homens da aldeia.
O padrasto, e tio, começou a beber e a mãe, de novo calada e soturna, a refugiar-se na igreja. A ela, muitas as vezes, cabia aquecer a sopa aguada com umas folhas de couve e uma nesga de chouriço e servi-la ao homem da casa, que a media de alto a baixo, roçando-lhe a mão grosseira pelas pernas, pela curva das ancas. O forte hálito a vinho ordinário enojava-a assim como os
roncos animalescos que ele soltava quando, minutos depois de comer, se deixava cair na cama de ferro.
Até que um dia em que ele chegou com um olhar mais turvo e um cheiro ainda mais pesado, aconteceu…Subjugada por aquela força animalesca, sentiu levantar-lhe as saias, rasgar-lhe a blusa de algodão.
À dor inicial, seguiu-se uma espécie de torpor. E ali ficou, deitada, enquanto o padrasto com um ar meio assustado se refugiou no catre que partilhava com a sua mãe.
Quando esta regressou da novena, percebeu tudo no primeiro relance…
Não lhe dirigiu palavra, mas no dia seguinte preparou-lhe uma trouxa de roupa e despachou-a para casa da madrinha, solteirona sem filhos, que vivia na cidade.
Durante a viagem, de horas, na camioneta da carreira ela jurou a si mesma que nunca outro homem tocaria no seu corpo. E cumpriu essa promessa.
A madrinha permitiu-lhe que estudasse. Deu-lhe o carinho que desconhecia.
Primeiro no Magistério, depois na Faculdade, tornou-se professora, o seu sonho de sempre.
Uma colega mostrou-lhe que haviam outras formas de amar. Com delicadeza, com respeito, sem egoísmos. Mas não era essa a paixão da sua vida.
Essa só viria a conhecer mais tarde , já a dar aulas.
Uma colega casada, infeliz e desajustada.
A cumplicidade entre as duas foi crescendo, a descoberta das semelhanças, o respeito pelas diferenças. O riso solto e por fim, o prazer do Amor.
A espera tinha valido a pena…

Guilhermina

5 comentários:

  1. Situação mais comum do que muitos julgam

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  2. Não gosto que me tentem comer( salvo seja!)por parvo.
    Mas apesar disso, o conto(?), biografia(?)até prende do princípio ao fim.

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  3. Gostei Guilhermina.
    Um conto que o não é.
    Um caso que é mais vulgar do que pensamos, nós que vivemos quase no mundo do faz de conta.

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  4. Obviamente perturbante.
    Muito bem escrito.
    Tanta coisa que se explica.

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  5. Melhor que sapatão assumida só gilette, como eu

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