sábado, 25 de abril de 2009

O Amor é o apaziguar de uma constante

Saí de casa e conduzi-me para a margem do Tejo.
Sob os auspícios da Lua, caminhei pela rua escura acompanhado pelo marulhar das ondas, que vinham desfazer-se contra o paredão, acentuando o tom lúgubre daquele local parcamente iluminado pela tonalidade amarelenta dos candeeiros.
Na margem oposta as luzes da cidade rivalizavam com as estrelas.
Caminhei mais um pouco, fumei com o que restava do cigarro e após aquela última e demorada aspiração, entrei no “Lado Negro do Rio”.
Ali a atmosfera pouco contrastava com o exterior, mas agora estava mais sombrio que o habitual: sem música; luzes apagadas...
As velhas paredes brancas estavam tingidas pelas roupas negras daqueles que, como eu, íam chegando para ouvir a declamar poesia, acompanhada pela melodia pungete da guitarra portuguesa.
Poeta e músico ocuparam os seus lugares no centro da sala, rodeados por uma assembleia ávida. Eu sentei-me naquela Ágora improvisada e aguardei.
Silêncio. Ouvem-se os primeiros acordes.
“O Amor é o apaziguar de uma dor constante” – gritou subitamente a alma do poeta o verso arrancado à folha que segurava entre os dedos.
Num gesto longo, dirigiu-a à pequena chama da vela e incendiou-a.
Um clarão intenso revelou o olhar dolente com que a fixava.
Despediu-se do pequeno pedaço de papel, largando-o em direcção ao solo, onde se consumiu num numa labareda efémera.
Fogo-fátuo que se extinguiu num amontoado de cinza, devolvendo à sala a penumbra entrecortada por espectros que assistiam silenciosos.
E o poeta continuou a declamar, acompanhado pelo tanger da guitarra que lhe amparava as palavras.
Imerso naquele momento cénico, procurei interpretar a metáfora ali representada.
Delicada, a chama da vela e ténue a sua luz.
A escuridão à distância de um sopro.
Frágil, mas suficientemente forte para nos captar o olhar, para inflamar palavras e incendiar quem lhe tocar.
Farol entre trevas.
Rasgão na cortina de noite.
Suficientemente intensa para apaziguar uma dor constante.

James Starfield

Nota: O presente conto refere-se a um bar já inexistente – “O Lado Negro do Rio” – e a uma apresentação de poesia que ali decorreu, a cargo de António Boieiro, acompanhado à guitarra portuguesa por Lima, a quem agradeço o proporcionar deste momento.

2 comentários:

  1. James, a coisa de se dizer é: Parabéns. :-)

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  2. Conheci esse bar.
    Parabéns pela descrição do ambiente...

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