domingo, 5 de abril de 2009

O Gerador

“Na altura da sua concepção, os seus pais estavam muito apaixonados. E quando souberam que ia nascer, ficaram muito contentes. O seu nascimento foi como se lhe tivessem feito um convite para uma festa, só que não havia nada preparado para a recepção. Ou seja, quando chegou à festa não estavam à sua espera”.
Foi com esta declaração que o astrólogo começou a leitura da sua carta.
Na época, a fama e sofisticação do senhor, aliadas à fase indefinida que atravessava, foram o ponto de partida para a marcação de uma consulta.
Acontece que as suas fases eram sempre muito curtas e, entre a marcação e o sentar-se em frente do astrólogo, passou da indefinição à alta definição.
Isto levou a que o seu estar fosse muito descontraído e mesmo impermeável a quaisquer insinuações astrológicas.
Por alguma razão, no entanto, aquelas palavras tinham ficado debaixo de outras durante tanto tempo e hoje, sentindo-se convidadas, vinham dizer “aqui estamos nós”.
Era o dia do seu aniversário e, como sempre no dia do seu aniversário, o pai contava a história do dia em que nascera.
Contava-a, como se conta uma história para adormecer um filho, sempre com o mesmo ritmo e as mesmas palavras, o mesmo princípio e o mesmo fim.
- No dia em que nasceste - começava o pai - estava um calor de morrer, para cima de 40º.
E naquela época não havia água canalizada.
E luz só com um gerador, comum a toda a vila e desligado à meia-noite. Tempos difíceis…
Quando a tua mãe começou com dores, o médico veio,

observou-a e disse-me: - Olhe doutor, isto lá para a meia-noite resolve-se.
O doutor por volta dessa hora vá entreter o rapaz
que olha pelo gerador, que eu vou precisar de luz.
- Bem
- continuava o pai - eu fiquei um pouco aflito,
só pensava como iria entreter o rapaz,
mas cerca das onze e meia lá fui ter com ele
e convenci-o a ir comigo ao café da vila.
Passadas três cervejas, eu já sem conversa, atira-me ele:
- Ah! doutor, nem imagina como me estão a saber bem

estas cervejas e estar aqui na conversa.
É que o senhor presidente da câmara está doente
e pediu-me que ficasse acordado e que mantivesse
o gerador ligado, porque pode precisar de luz.
Assim o tempo até passa mais depressa.
- Nem imaginas -
dizia-lhe o pai - como fiquei.
É que naquela altura, em princípio de vida,
pagar aquelas cervejas custou-me um bocado.

E foi assim que, naquele dia de aniversário,
deu consigo a pensar que isto anda tudo ligado.

Pinta

3 comentários:

  1. Ainda faltava uma experiência de raiz africana, ou estarei enganado?
    Grande decepção a do seu Pai, compensada depois pelo nascimento da Pinta.
    Gostei da história mas eu gosto muito de biografias.

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  2. Bom.
    Pinta com excelente pinta, para continuar!

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  3. Gostei Pinta. Eu também sou de Angola e um dia destes irei contar algumas histórias de família. Vamos lá ver se tenho o seu talento.

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