quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

II - A Flor da minha Vida

A Flor do Bairro é como que uma segunda casa para mim.

Se julgam que estou a falar, como o nome parece indicar, de uma simples pastelaria de bairro, tirem os cavalinhos da chuva.
A Flor do Bairro é, como é uso dizer-se, multifacetada, multifuncional ou outro qualquer multi que lhe resolvam aplicar, com excepção do Multibanco que ainda não chegou aquelas paragens.
Para além das vertentes pastelaria/café, mais óbvias e esperadas, serve, ainda, refeições ligeiras ao balcão, a vertente snack, e comidinha menos ligeira, que inclui uns magníficos pézinhos de coentrada, uma feijoada à transmontana ou um cabrito à padeiro, que pedem meças a muitas estrelas Michelin mal atribuídas.
Ou seja, a vertente restaurante…
Que nos horários intercalares se transforma numa agradável cervejaria, com petiscos que vão da salada de polvo aos camarões panados, passando por moelas, croquetes de vitela e cogumelos recheados.
Hum, só de recordar tantas iguarias, começo logo a salivar.

Lá mais para dentro, numa planta sinuosa que parece não ter fim, aparece um grande salão com dois bilhares, uns matraquilhos e três mesinhas que os mais velhotes do bairro utilizam para jogar ao dominó, ou suecas e biscas animadas, enquanto beberricam as suas ‘mines’.
A timoneira, e cozinheira de mão cheia, desta preciosidade é a Dona Rosa.
Transmontana e cinquentona, de seios matronais, e também maternais, a proprietária considera-me como um filho e deve ter jurado que me havia de engordar o que, até à data, a minha herança genética e a vida algo desregrada que levo, têm impedido de se concretizar.

É aqui que me encontro, diariamente, com vários amigos ou simples conhecidos, como o Telmo Tipógrafo, o marxista mais radical que alguma vez conheci, tipógrafo durante muitos anos na gráfica da CP, e corrido com o pretexto da chegada das novas máquinas computorizadas que ele considerava mais uma arma do capitalismo ianque, embora lhe tivessem dito que a marca era alemã.
De qualquer maneira, a direcção da tipografia aproveitou o pretexto para se ver livre do ‘perigoso’ agitador, negociou uma indemnização e pô-lo a mexer.
Em boa hora, porque o Telmo abriu uma pequena e artesanal fabriqueta de encadernação, onde, juntamente com a mulher e a filha, está sempre assoberbado de trabalho.
Ele são colecções de fascículos de Arte, ou de Cozinha, Revistas variadas, encadernação de preciosidades bibliográficas, enfim um mundo de papelada, que os clientes, em número sempre crescente lhe trazem de toda a cidade e até de fora.

Tal facto não o impede de várias vezes ao dia se pendurar ao balcão da ‘Flor’
a beber uma das suas mais que dez bicas diárias, sempre com cheirinho.
O que faz que, quando a hora do jantar se aproxima, a língua começa a ficar enrolada e o discurso de Marx é perpassado, muitas vezes, por frases de Lenine.

Quando entrei, naquela manhã, na Flor do Bairro lá estava ele, com a sua camisa de bombazina vermelha já muito puída e o eterno cigarro ao canto da boca.
Mas quem me chamou, realmente, a atenção foi a ‘Foxy Lady’, Cristina julgo eu, que bebia a habitual italiana, numa das mesinhas redondas da entrada.
Impecavelmente arranjada, como sempre, o cabelo preto apanhado atrás num coque, a franja sobre os olhos delineados com eyeliner, a boca bem vermelha pintada a pincel e a roupa de cabedal preto, numa das inúmeras combinações, que ia desfilando perante a nossa admiração silenciosa.
As meias pretas translúcidas, com costura, e os sapatos de verniz com salto agulha, arrematavam a imagem daquela que era um dos grandes mistérios do bairro.
Para muitos, leia-se o Chico’Acelera’, que ainda não conhecem, era uma call girl de luxo, visita habitual de hotéis cinco estrelas e estrangeiros endinheirados.
Para outros como o, também habitué, Prof. Meireles, uma Dominadora Sadomasoquista, daí o ‘Foxy Lady’.
Para mim, uma das mulheres mais sensuais de todo o bairro e que nem sequer me distingue com um olhar ou um simples bom dia…

…Mas quem será, na realidade, a ‘Foxy Lady’ ?

2 comentários:

  1. Quem será a Fod xy Lady?Quem será ?
    Cá para mim, é uma das muitas admiradoras e perseguidoras do autor...que ele matreiramente homenageia sob a forma de personagem !

    ResponderExcluir
  2. Será Drag King?
    Lá vou eu asneirar, outra vez!!!

    ResponderExcluir